SÃO PAULO, SP (FOLHPRESS) - A Defensoria Pública do Rio de Janeiro e a família do trabalhador portuário Alberto Meyrelles de Santa Anna Júnior, 39, tentam provar que ele foi preso de forma injusta na quarta-feira (17), após a Justiça aceitar a denúncia apresentada pelo Ministério Público.

Alberto, que é negro, foi reconhecido como autor de um roubo por uma mulher. A identificação se deu com base numa foto três por quatro de sua carteira de habilitação, tirada há cerca de 20 anos.

Como a Folha mostrou na série de reportagens Inocentes Presos, esse procedimento de reconhecimento costuma levar a inúmeras prisões injustas no Brasil, principalmente de pessoas negras.

Familiares de Alberto dizem não ter dúvidas de que sua prisão engorda a estatística de erros judiciais. Segundo eles contam, Alberto teve o carro e documentos roubados em 2019 e, dois dias depois, registrou boletim de ocorrência.

Só que seus documentos acabaram sendo encontrados em um veículo roubado. A foto de sua carteira de habilitação foi apresentada a uma vítima dos criminosos, que o reconheceu.

"Ele foi roubado, logo depois os bandidos cometeram outros crimes. Com isso, a carteira ficou no carro, ele teve o mandado de busca e foi preso na quarta, sendo que meu irmão é inocente", disse Augusto Meyrelles, 30.

"Esse processo é todo errado, a forma como ele foi preso, a forma que não informaram ele para se apresentar de forma amigável, sem que ele fosse ser preso", diz.

A própria polícia do Rio enviou nota à Folha dizendo que a orientação é que os reconhecimentos não sejam os únicos fatores levados em conta.

O criminoso descrito inicialmente seria uma pessoa negra, com 1,70m e idade entre 25 e 30 anos. Alberto é mais velho e, segundo familiares, tem 1,80m de altura.

De acordo com Augusto, seu irmão teve três pedidos de habeas corpus negados e a juíza disse que Alberto "era um bandido insistente e de alta periculosidade, e por isso ele deveria ficar preso".

Familiares de Alberto protestaram nesta sexta (19) contra a prisão dele. À tarde, deve haver uma audiência de custódia do caso, em que será pedida sua soltura.

De acordo com o Código de Processo penal, para o reconhecimento, após a descrição do criminoso pela vítima, é necessário formar um grupo de pessoas comprovadamente não ligadas ao caso e parecidas com o suspeito, de modo que ele não se destaque. É o que os especialistas costumam descrever como alinhamento justo.

Caso contrário, se uma foto é apresentada de maneira incorreta à vítima, isso pode induzi-la a erros.

Questionada sobre o assunto, a Polícia Civil do Rio disse que "o reconhecimento fotográfico aconteceu na gestão passada da Secretaria de Estado de Polícia Civil".

"O inquérito foi encaminhado à Justiça, que decretou a prisão do homem. A atual gestão da Sepol orientou, desde outubro de 2020, que os delegados não usem apenas o reconhecimento fotográfico como única prova em inquéritos policiais para pedir a prisão de suspeitos. A instituição informa que o método, que é aceito pela Justiça, é um instrumento importante para o início de uma investigação, mas deve ser ratificado por outras provas técnicas", diz a polícia em nota.

O Ministério Público também enviou nota sobre o assunto: "A 27ª Promotoria de Investigação Penal esclarece que a vítima reconheceu, em sede policial, o denunciado como sendo o autor do crime. O reconhecimento foi realizado com base no álbum de fotografias do Portal de Segurança do Estado".

"Com base nos elementos juntados ao inquérito policial, instaurado para verificar as circunstâncias do crime, e tendo em vista o princípio do in dubio pro societate [na dúvida, favoreça a sociedade], foi oferecida denúncia contra Alberto Meyrelles de Santa Anna Júnior, recebida pelo juízo da 1° Vara Criminal de Bangu, que decretou a sua prisão preventiva".

Nas redes sociais, a esposa de Alberto, que está grávida, disse que a família está destruída. "Esse é meu marido, a familia está destruída. Estamos prestes a realizar o nosso maior sonho de ter um filho. Sinceramente sem acreditar que tudo isso esta acontecendo. Sei que ele não é o único a ser injustiçado. Meu maior desejo é que todos tenham seus casos resolvido!", escreveu.

Conforme a série Inocentes Presos, publicada pela Folha, mostrou, reconhecimentos incorretos são a principal causa de erros.

O levantamento da Folha revela que, de 100 pessoas presas indevidamente, 42 delas foram vítimas da maneira como as autoridades realizaram os procedimentos de reconhecimento, muitas vezes induzindo vítimas a apontarem o suspeito escolhido.

Dos casos analisados pela Folha de S.Paulo, 60% dos inocentes presos eram negros. Em um recorte apenas de prisões injustas causadas por reconhecimentos incorretos, esse percentual sobe para 71%.

O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Luiz Fux, determinou a abertura de grupo de trabalho para a criação de protocolos para evitar erros de reconhecimento em prisões.

Fux também preside o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que, ao fim do processo, deve publicar as diretrizes para serem seguidas tanto pelo Judiciário quanto pela polícia.