BAURU, SP (FOLHAPRESS) - Após novos conflitos entre manifestantes palestinos e forças de segurança israelenses perto da mesquita de Al-Aqsa —terceiro lugar mais sagrado para o islamismo— simultâneos às comemorações do Dia de Jerusalém, em que os judeus celebram a reunificação do país, o Hamas deu um ultimato a Israel exigindo que o Estado retirasse seus militares dos dois principais pontos de conflito.

O grupo islâmico, que controla a Faixa de Gaza e é considerado uma organização terrorista por Israel, Estados Unidos e União Europeia, tem expressado apoio aos palestinos em Jerusalém e deu, nesta segunda, um prazo que se encerrou ao meio-dia (horário de Brasília) para que as forças israelenses recuassem de suas posições na Esplanada das Mesquitas e no bairro Sheik Jarrah, palco de ações judiciais para despejos de famílias palestinas.

Minutos após o fim do prazo, foguetes foram disparados de Gaza em direção a Israel. As Forças Armadas contabilizaram ao menos sete foguetes, dos quais um foi interceptado pelo sistema de defesa antimíssil e seis caíram em áreas abertas. Não há relatos de feridos, mas as autoridades ordenaram uma evacuação temporária de algumas regiões da Cidade Antiga, do Muro das Lamentações e de prédios oficiais como o do Knesset, o Parlamento israelense.

O porta-voz das Forças Armadas de Israel, Hidai Zilberman, confirmou que o Exército retaliou com um ataque aéreo contra alvos do Hamas, o que teria provocado a morte de três militantes. Mais cedo, autoridades do grupo islâmico contabilizaram nove mortos, a quem chamaram de "mártires", incluindo três crianças.

No começo da tarde, uma árvore pegou fogo na Esplanada das Mesquitas, mas as chamas foram controladas antes que o incêndio atingisse a mesquita de Al-Aqsa.

No que depender de Israel, os episódios desta segunda, que marcam um agravamento da violência que contrasta com a relativa calma da região nos últimos meses, devem se prolongar. "Nos próximos dias, o Hamas sentirá o longo braço do Exército [israelense]. Não vai demorar alguns minutos, vai demorar alguns dias”, disse Zilberman.

O porta-voz disse que "todas as opções estão na mesa", incluindo um conflito mais amplo com uma operação terrestre, bem como operações para matar líderes terroristas. "Temos um endereço claro: o Hamas. O grupo pagará um preço caro por suas ações. Vamos responder com veemência.”

Diante da escalada de violência, o governo dos EUA, que mais cedo havia pedido calma a israelenses e palestinos, divulgou um alerta para que funcionários dos postos diplomáticos americanos em Jerusalém não saiam de casa até pelo menos o próximo domingo (16).

Nesta segunda, o Conselho de Segurança da ONU se reuniu para avaliar a violência dos últimos dias em Israel, mas não chegou a uma decisão conjunta. Segundo relatos de diplomatas à agência de notícias AFP e ao jornal Times of Israel, os EUA se opuseram a uma declaração pública por considerar o momento inoportuno.

A proposta de resolução, apresentada pela Noruega em conjunto com China e Tunísia, exige "que Israel interrompa as atividades de colonização, demolição e expulsão" de palestinos "incluindo em Jerusalém Oriental". Além disso, o documento expressa a "profunda preocupação" do Conselho com os incidentes e solicita às partes que evitem "medidas unilaterais que exacerbem as tensões e minem a viabilidade da solução de dois Estados".

A sequência de conflitos em Jerusalém já dura quatro dias e deixou centenas de feridos. Só nesta segunda, de acordo com a ONG Crescente Vermelho Palestino, ao menos 330 palestinos ficaram feridos ao serem atingidos por balas de borracha e granadas de atordoamento.

Segundo a polícia, 21 agentes também se feriram, atingidos pelas pedras lançadas pelos palestinos.

Nabil Abu Rudeineh, porta-voz do presidente da ANP (Autoridade Nacional Palestina), Mahmoud Abbas, acusou as "forças de ocupação israelenses" de conduzirem um "ataque brutal" em Al-Aqsa. Abbas, há semanas, denunciou o "incitamento ao ódio" de grupos israelenses de extrema direita e instou a comunidade internacional a "proteger" os palestinos em Jerusalém Oriental.

O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, que pode deixar o cargo se a oposição conseguir formar um governo de coalizão, disse que Israel vai responder aos ataques "com muita força".

Antes, ele chegou a convocar uma reunião de emergência e pediu calma a todas as partes envolvidas. O pedido, no entanto, não cessou os enfrentamentos, ainda que o premiê tenha afirmado que a liberdade de culto está sendo mantida para todos os residentes e visitantes de Jerusalém.

O Dia de Jerusalém é o feriado em que Israel celebra a reunificação do país, ocorrida em 1967, após o conflito que ficou conhecido como Guerra dos Seis dias. A comemoração, porém, aborda tópicos delicados dos conflitos na região, já que parte do território capturado por Israel naquele ano inclui locais que também são sagrados para muçulmanos e cristãos.

Em um esforço para amenizar a onda de violência dos últimos dias, a polícia israelense proibiu grupos judeus de visitarem a praça sagrada que abriga a mesquita de Al-Aqsa, apesar de a área também ser reverenciada pelos judeus como um local dos templos bíblicos.

As autoridades também cancelaram a tradicional marcha do Dia de Jerusalém, durante a qual milhares de jovens judeus com bandeiras de Israel passam pelo Portão de Damasco, uma das entradas da Cidade Antiga, e pelo bairro Muçulmano. Vídeos nas redes sociais mostram pequenos grupos de judeus correndo enquanto soam as sirenes de alerta para ataques de foguetes.

Segundo o jornal Times of Israel, a polícia de Jerusalém autorizou, pouco após os disparos, a retomada das celebrações na Cidade Antiga.

No mês passado, uma marcha menor, formada por judeus ultranacionalistas que entoaram gritos de "morte aos árabes" e "morte aos terroristas", serviu de gatilho para os confrontos entre israelenses e palestinos em meio ao clima de tensão desde o início do ramadã, mês mais importante para a tradição religiosa dos muçulmanos. Na ocasião, houve mais de 120 feridos e 50 presos.

Quando a violência na Esplanada das Mesquitas diminuiu nesta segunda mais cedo, a polícia israelense começou a permitir a entrada de palestinos com mais de 40 anos. O impedimento da passagem era visto como provocação e também serviu de combustível para os conflitos.

Outro fator que contribuiu para o aumento das tensões foi a decisão em primeira instância que prevê o despejo de famílias palestinas de uma área disputada em Jerusalém. Neste domingo (9), a Suprema Corte de Israel adiou uma audiência sobre o tema, como forma de ganhar tempo e acalmar os ânimos.

A disputa central envolve a retirada de quatro famílias palestinas do bairro de Sheik Jarrah que, por decisão do tribunal regional de Jerusalém, devem devolver os terrenos a famílias judias —o local abriga um espaço sagrado para os judeus: a tumba de Simeão, o Justo, sumo sacerdote por volta do ano 300 a.C.

Pela lei de Israel, se judeus provarem que suas famílias viviam em Jerusalém Oriental antes de 1948, eles podem pedir a restituição de seus direitos de propriedade.

A regra é contestada pelos palestinos, mas o governo de Israel argumenta que eles estão "tratando uma disputa imobiliária entre partes privadas como uma causa nacionalista, para incitar violência".

Ainda que o tribunal de primeira instância tenha decidido a favor dos colonos judeus, em um movimento legal de última hora os apelantes pediram à corte para buscar a opinião do procurador-geral Avichai Mandelblit, o que abriu caminho para o adiamento da audiência que estava prevista para esta segunda.

Jerusalém está no centro do conflito israelense-palestino. Israel reivindica a cidade inteira, incluindo seu setor oriental capturado na guerra de 1967, como sua capital. Os palestinos, por sua vez, buscam fazer de Jerusalém Oriental a capital de um futuro Estado palestino na Cisjordânia e em Gaza.

No mês passado, a ONG Human Rights Watch (HRW) publicou um relatório em que acusa Israel de cometer crimes de apartheid e perseguição contra árabes e palestinos, o que, no direito internacional, equivale a crimes contra a humanidade.

No documento com mais de 200 páginas, intitulado "Um Limite Ultrapassado: Autoridades Israelenses e os Crimes de Apartheid e Perseguição", a HRW aponta restrições impostas por Israel à movimentação dos palestinos e a apreensão de terras para a construção de assentamentos judaicos em territórios ocupados desde a guerra de 1967 como exemplos dos crimes cometidos. ​