Haiti vive crise de sucessão no governo enquanto busca por assassinos do presidente
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quinta-feira, 08 de julho de 2021
BAURU, SP (FOLHAPRESS) - Depois de declarar uma batalha contra os responsáveis pelo assassinato do presidente Jovenel Moïse, o Haiti caminha para uma nova crise, desta vez em torno do nome que deve suceder o líder autoritário morto a tiros nesta quarta-feira (7).
O primeiro-ministro interino Claude Joseph tem sido, na prática, o representante do Estado. Foi ele quem anunciou a morte de Moïse, divulgou informes sobre o estado de saúde da primeira-dama Martine, fez apelos à comunidade internacional e ao Conselho de Segurança das Nações Unidas e disse estar no comando do país.
Joseph foi nomeado premiê em abril, tornando-se o sexto a ocupar o cargo sob a liderança de Moïse. Dois dias antes de ser assassinado, no entanto, o presidente fez outra indicação: o neurologista Ariel Henry deveria substituir Joseph e se tornar o novo primeiro-ministro nesta quarta-feira.
O ataque ao presidente e à primeira-dama, porém, impôs-se como prioridade no debate público, de modo que a Henry não foi oficializado no cargo. Mas a ausência de uma cerimônia formal de posse não o impediu de considerar-se o novo premiê.
"Na minha opinião, ele [Joseph] não é mais o primeiro-ministro. Existem vários primeiros-ministros nomeados no país?", questionou Henry, em entrevista publicada nesta quinta-feira (8) pelo jornal haitiano Le Nouvelliste. "Eu não quero pôr mais lenha na fogueira. Devemos evitar tanto quanto possível inflamar o país."
Para ele, Joseph fez, em geral, um bom trabalho diante da crise provocada pela morte de Moïse, mas errou em alguns momentos, como ao decretar estado de sítio, medida que, por duas semanas, confere ainda mais poderes ao Executivo no país em que o Legislativo teve suas funções praticamente anuladas pelo presidente assassinado.
Na visão de Henry, portanto, Joseph deveria retomar suas funções de ministro de Assuntos Estrangeiros. "Se não houvesse necessidade de outro governo, acho que o presidente Jovenel Moïse não teria vindo me procurar", disse o aspirante a premiê, acrescentando que as negociações para a formação de seu gabinete estavam bem avançadas.
Questionado sobre quando as condições políticas atuais do país lhe permitiriam assumir o cargo, Henry respondeu nos seguintes termos: "Havia um cronograma planejado com o presidente Jovenel Moïse. Mas ele morreu. Acho que temos que chegar a um consenso com todos os atores, não sou o único no comando."
Para Jean Wilner Morin, presidente da associação nacional de juízes haitianos, Joseph, de fato, não cumpre os requisitos da Constituição para seguir formalmente no comando do país. O principal deles seria obter, por meio de uma votação, o aval do Parlamento.
Nesse sentido, a ação prévia de Moïse é a responsável por impedir a aprovação dada pelo Legislativo. No ano passado, ele suspendeu dois terços do Senado, toda a Câmara dos Deputados e todos os prefeitos --e vinha governando por meio de decretos desde então. Sem o Parlamento atuante, portanto, o atual premiê não encontra respaldo na lei haitiana para ocupar a Presidência.
Henry, segundo a entrevista ao Le Nouvelliste, aposta na interlocução com a classe política do país, incluindo os dez senadores que ainda seguem em seus cargos. Além disso, ele disse estar em contato com atores da comunidade internacional, embora não tenha especificado a quem se refere.
Diante do impasse, o presidente da Suprema Corte do país seria o nome a preencher a lacuna deixada por Moïse, mas o último detentor do cargo, René Sylvestre, morreu no mês passado, vítima da Covid-19.
O Haiti já vivia uma crise política e uma disputa de narrativas antes do ataque ao presidente. De um lado, a oposição defendia que o mandato presidencial havia terminado em fevereiro deste ano, cinco anos após a data em que Moïse deveria ter tomado posse, em fevereiro de 2016, caso a eleição de 2015 não tivesse sido anulada em meio a acusações de fraudes.
Do outro lado, o líder haitiano argumentava que seu mandato terminaria apenas em 2022, uma vez que ele só assumiu o cargo em 2017, após um ano de governo interino do qual ele não fazia parte --posição defendida pela Organização dos Estados Americanos (OEA) e pelos Estados Unidos.
O plano da oposição para trocar o comando do país exigia que membros da sociedade civil e líderes políticos escolhessem um novo presidente entre os juízes da Suprema Corte, em vez de esperar pelas eleições gerais marcadas para setembro.
Mas essa estratégia levou à prisão de mais de mais de 20 pessoas, entre as quais um juiz da mais alta instância da Justiça haitiana e um dos inspetores-gerais da polícia, sob a acusação de envolvimento em uma tentativa de golpe de Estado e em uma conspiração para assassinar Moïse.

