WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) - Quando estouraram os conflitos entre cidadãos árabes e judeus dentro de Israel, com linchamentos nas ruas, as sirenes dos analistas começaram a soar. O prefeito da cidade de Lod, de população mista, chegou a falar em guerra civil. Outros sugeriram que o tecido social estava esgarçado, prestes a se romper. São receios infundados, diz o professor israelense Elie Rekhess.

“Há uma ruptura entre árabes e judeus, e há um preço a pagar”, ele diz. “Talvez seja um alerta para que os políticos de ambos os lados lidem com esse problema. Mas não teremos uma guerra civil.” Rekhess é um professor convidado da cadeira Crown de estudos israelenses na Universidade Northwestern, no estado americano de Illinois, um renomado pesquisador do tema.

Quando Israel foi criado em 1948, expulsando centenas de milhares de árabes de seus lares, cerca de 150 mil deles permaneceram nas fronteiras daquele novo Estado. Chamados de árabes-israelenses, eles hoje formam uma população de 1,9 milhão —ou 21% do total— de habitantes.

São cidadãos como os demais, com os mesmos direitos, incluindo o de votar nas frequentes eleições legislativas. Árabes-israelenses ocupam cadeiras no Knesset, o parlamento israelense, e são peças-chave para a formação de coalizões. “A minoria árabe está integrada em Israel”, diz Rekhess.

Por outro lado, Israel aprovou uma legislação há três anos insistindo em que o país deve ser acima de tudo judeu, algo que aliena a população árabe, a maior parte dela muçulmana. Os índices de pobreza entre árabes são mais altos do que os dos judeus. Soma-se a isso um acesso mais precário à infraestrutura. São razões que alimentam as crescentes acusações de que árabes vivem como cidadãos de segunda classe, abaixo dos judeus —no que chamam de apartheid, como o vivido por negros na África do Sul.

Essa situação faz com que árabes-israelenses vivam um dilema, com duas identidades nacionais que nem sempre convivem bem e que por vezes são postas em conflito pela situação política. Árabes-israelenses são israelenses no papel, mas também palestinos. Clamam um laço com os árabes que vivem do outro lado das fronteiras, na Faixa de Gaza e na Cisjordânia.

São esses laços que se ativam em contextos como o atual. Árabes-israelenses têm protestado contra a expulsão de moradores do bairro palestino de Sheikh Jarrah, em Jerusalém Oriental, um território ocupado por Israel desde 1967. Eles também denunciam a violência policial israelense na mesquita de Al-Aqsa, a terceira mais sagrada para o islã, onde centenas foram feridas nestes dias. Por fim, posicionam-se contra os bombardeios israelenses em Gaza —ao menos 65 pessoas morreram ali, e prédios inteiros foram destruídos. Seis foram mortos em Israel por ataques de mísseis da facção radical palestina Hamas, que atualmente controla a Faixa de Gaza.

Em seus estudos, Rekhess cunhou um termo para descrever a identificação de árabes-israelenses com os territórios hoje sob comando do Hamas e da Autoridade Nacional Palestina: palestinização. É um processo, ele explica, que começou nos anos 1970, com o fortalecimento do movimento que exige a criação de um Estado palestino. Ainda assim, diz, é uma identificação complexa. “Eles querem um Estado palestino ao lado de Israel, mas não em vez dele. Se tivessem que escolher entre abrir mão de seu pertencimento a Israel, a maioria diria que não. Em especial, quando veem como vivem seus irmãos na Faixa de Gaza e na Cisjordânia. É um dilema constante”, afirma.

Uma crise de identidade que explode em momentos como este, com confrontos entre cidadãos árabes e judeus dentro de Israel. Nos últimos dias, houve linchamentos de árabes e ataques a seus estabelecimentos comerciais em diversas partes do país. Houve também ataques contra judeus. As imagens, que circularam nas redes sociais, dão testemunho da tensão latente entre os grupos.

Nada disso, Rekhess insiste, significa que o abismo entre árabes e judeus é incontornável. “Árabes e judeus estão intercalados em Israel. É impossível separá-los.” Mas é preciso lidar com as questões urgentes, diz, como a grande disparidade socioeconômica, que hoje favorece os judeus. “Não é que precisemos de uma revolução. O que precisamos é de uma liderança política que trabalhe para resolver essas tensões”, diz. Algo presentemente difícil, dado que Israel está penando para formar um governo, e a liderança do premiê Binyamin Netanyahu está aos frangalhos.

“É bastante preocupante. Esses embates indicam a fragilidade dessas relações. A situação pode deteriorar. Com um erro estúpido de qualquer um dos lados, a bola de neve pode rolar”, Rekhess afirma. Mas ele diz também que vê razões para otimismo. “Eu acredito nos laços entre árabes e judeus em Israel. Eles não estão condenados. As raízes são profundas o bastante para persistir.”