SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Um dos principais teóricos que inspiram o presidente Vladimir Putin a expandir a presença russa em países vizinhos, o filósofo e cientista político Aleksandr Dugin, 60, tem uma legião de seguidores no Brasil e diversos laços com o país.

Chamado por muitos de "ideólogo de Putin" e comparado em influência ao brasileiro Olavo de Carvalho, Dugin já veio duas vezes ao Brasil, fala português, fundou um centro de estudos em São Paulo e é admirador de MPB, bossa nova e literatura brasileira. Gosta de Ariano Suassuna, Darcy Ribeiro e Vinicius de Moraes.

O russo é criador da Quarta Teoria Política, em que defende uma alternativa às três ideologias que dominaram o século 20: liberalismo, comunismo e fascismo.

Segundo sua proposta, formulada em um livro de 2009, o sujeito principal da história seria o povo, e não o indivíduo ou o Estado. No contexto europeu, ela se reflete no "eurasianismo", a expansão da presença de Moscou para todas as regiões de influência histórica do povo russo --não importa se pertencentes a outros países soberanos, como a Ucrânia.

Em uma entrevista ao jornal Folha de S.Paulo em 2014, Dugin afirmou que a Ucrânia é um "Estado falido criado artificialmente". Naquele ano, ele veio ao Brasil para um seminário sobre as ideias do filósofo Julius Evola (1898-1974), considerado um dos teóricos do neofascismo italiano.

Na época, o russo já tinha admiradores no Brasil. Com uma seguidora, a filósofa Flávia Virgínia, criou o Centro de Estudos da Multipolaridade, um think tank para difundir a ideia de que é preciso haver polos alternativos de poder no mundo para além do Ocidente.

Filha do cantor Djavan, Virginia tocou o centro, atualmente desativado, com a participação de alguns acadêmicos da USP em eventos. Procurada, ela não quis dar entrevista.

Os discípulos do russo não chegam nem perto da massa crítica de seguidores de Olavo de Carvalho, mas existe um incipiente duguinismo no Brasil. Uma das principais organizações é a Nova Resistência (NR), criada em 2015 no Rio de Janeiro e que reúne cerca de 250 militantes em células espalhadas por 20 estados. Dedica-se à propagação das ideias de Dugin e da sua Quarta Teoria.

Um dos fundadores da entidade, o jornalista Lucas Leiroz afirma que não é correto caracterizar Dugin como extremista. "Para alguém falar isso ou é porque não conhece a obra dele ou conhece e quer difamá-lo. Tem gente que o acusa de ser de extrema esquerda, outros dizem que é de extrema direita. É um pensador amplo, que não se encaixa em nenhuma teoria."

Mesmo o conservadorismo de Dugin, segundo ele, é mais uma decorrência de sua defesa do conceito de povo, que por definição deve manter suas tradições.

Já a propalada ascendência sobre o presidente russo é algo relativo, acredita o discípulo brasileiro. "Há um fundo de verdade nisso, mas uma parte é exagero. O nível de influência dele sobre Putin hoje é menor do que já foi. E ele concorre com outros conselheiros do presidente, que têm mais acesso a ele", afirma.

Nos anos 90, Dugin era um saudosista aberto da União Soviética, tendo sido um dos fundadores do Partido Nacional Bolchevique. Sua posição mudou para a defesa do "espaço eurasiano" no começo deste século, período que coincidiu com a chegada de Putin ao poder.

A década seguinte foi a de maior proximidade entre os dois. O filósofo trabalhou nesse período o conceito do "espaço pós-soviético", que foi absorvido pelo presidente. Isso não significa, de acordo com Leiroz, a conquista de países --nem mesmo da Ucrânia, apesar do avanço rápido dos tanques rumo a Kiev.

"Se houver uma anexação será uma grande surpresa. O objetivo da Rússia é evitar que a Otan ocupe a Ucrânia", afirma.

A Nova Resistência não é o único expoente do duguinismo no Brasil. Recentemente, a entidade sofreu uma dissidência, com parte de seus membros criando um novo movimento, batizado de Frente Sol da Pátria.

"Embora a imprensa muitas vezes apresente Dugin como um tipo de 'Rasputin' ou como um Olavo de Carvalho, a verdade é que o russo tem um trabalho acadêmico sólido como cientista social e professor universitário. E teses consistentes que se fundamentam na geopolítica clássica", diz o professor André Luiz dos Reis, um dos fundadores da nova entidade, que no momento reúne algumas dezenas de membros.

O racha, ele explica, foi gerado por questões administrativas, sem relação com o conflito na Ucrânia. Para Reis, a responsabilidade pela guerra, que ele diz ser "sempre uma tragédia e uma calamidade", não é apenas de Putin.

"As causas do conflito não estão em supostas idiossincrasias de Putin. Há uma transformação na estrutura das relações internacionais e uma transição para a multipolaridade", afirma ele, que aponta eventos como a expansão da Otan e as "revoluções coloridas" na Geórgia e na própria Ucrânia como fatores que pressionam o presidente russo.

"Todas as justificativas que Putin dá para intervir na Ucrânia foram usadas pelos EUA para defender a independência de Kosovo, invadir o Iraque, bombardear a Líbia, apoiar grupos extremistas na Síria etc."

Em 2012, Reis ajudou a trazer Dugin pela primeira vez ao Brasil para uma série de eventos. O filósofo tomou chimarrão em Curitiba, foi a um boteco no Rio de Janeiro e participou de debates em São Paulo e João Pessoa.

"Ele conhece mais sobre o Brasil do que muitos brasileiros", diz Uriel Irigaray Araújo, tradutor e doutorando em Antropologia Social pela Universidade de Brasília (UnB).

Seguidor de Dugin e analista do site Infobrics, Araújo mantém contato constante com o filósofo. "A primeira coisa que você vai encontrar em pesquisas é que ele é de extrema direita. Nos anos 1990 ele era nacional-bolchevique, uma ideologia que alguns especialistas comparam ao fascismo, porém outros consideram mais próxima do stalinismo."

Mas ele renunciou a isso, afirma. "Conservador ele é, isso é inegável, mas é um cara importante, que já debateu com [Francis] Fukuyama, [Bernard] Henri-Lévy, entre outros."

Sobre a guerra, Araújo reforça a avaliação de que a Rússia está reagindo a uma cadeia de eventos. "Ninguém quer justificar nem aplaudir uma escalada de violência, mas há um contexto. A Ucrânia vinha se recusando a implementar os Acordos de Minsk e uma semana antes [da invasão] bombardeou a região do Donbass [leste]. Mas ninguém fala isso, é um não fato", diz.

Um ponto que une duguinistas e olavistas é a rejeição à comparação feita entre ambos. Embora na forma e no conservadorismo possa haver semelhanças, ambos tiveram discussões ásperas, que até viraram um livro. Olavo, morto em janeiro, era radicalmente pró-ocidental, anticomunista e anti-China, ao contrário de Dugin, que consegue encaixar Pequim na sua visão eurasiana.

Além disso, diversos seguidores de Dugin se colocam como opositores de Bolsonaro, embora também partilhem com ele ideias conservadoras.

"Militamos intensamente contra Jair Bolsonaro em todas as frentes", diz Reis, para quem o atual presidente é uma "expressão do esgoto da sociedade brasileira, onde vicejam milicianos que são herança dos porões do regime civil-militar".