BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Primeiro nome apresentado por Sergio Moro como auxiliar na área macroeconômica de sua possível candidatura à Presidência da República em 2022, o ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore afirmou nesta quinta-feira (18) que o auxílio emergencial de R$ 600 foi pago a muito mais gente do que deveria, se mostrando um dos principais exemplos de erros do governo Jair Bolsonaro na área fiscal.

Em audiência pública na Câmara dos Deputados, à qual participou de modo virtual, Pastore também afirmou ter restrições ao teto de gastos, fez críticas ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e classificou a tentativa de usar parte da folga orçamentária com a aprovação da PEC dos Precatórios de "clientelismo político de péssima qualidade".

"Não preciso ir muito longe para dizer que houve um enorme desperdício na utilização dos recursos", afirmou o economista na audiência, cujo tema era a discussão sobre a dívida pública brasileira.

"Em um país que é avaliado por um economista que é o criador do Bolsa Família, chamado Ricardo Paes de Barros, que estima a pobreza absoluta no país, olhando por cima, em algo como 25 milhões de habitantes, foi dado os R$ 600 para 66 milhões de pessoas. Quer dizer, tinha gente que não tinha que receber", afirmou Pastores em sua exposição.

Ele comparou o gasto em relação ao PIB de outros países desenvolvidos durante a crise da Covid, argumentando ser este um exemplo de "gasto mal feito, de um erro de dimensionamento para aquilo que o governo podia gastar".

O auxílio emergencial teve início em abril de 2020 como forma de atenuar os impactos econômicos causados pela pandemia do novo coronavírus. Seu valor inicial foi de R$ 600, diminuído no segundo semestre daquele ano para R$ 300. O programa foi suspenso em dezembro e retomado em abril deste ano, com valores de R$ 150 a R$ 375.

Em 2020, o auxílio emergencial chegou a mais de 68 milhões de pessoas. Com a mudança das regras para 2021, que só permitiu o recebimento para uma pessoa por família, o número caiu a quase a metade.

Em seu discurso de filiação ao Podemos, no dia 10, ocasião em que esboçou parte de suas propostas para eventual candidatura, Moro ressaltou a criação de uma "força tarefa" para erradicação da pobreza, afirmando ser possível atingir essa meta sem furo do teto de gasto ou outra irresponsabilidade fiscal.

"Uma das prioridades do nosso projeto será erradicar a pobreza, acabar de vez com a miséria. Isso já deveria ter sido feito anos atrás. Para tanto, precisamos mais do que programas de transferência de renda como o Bolsa Família ou o Auxílio Brasil. Precisamos identificar o que cada pessoa necessita para sair da pobreza", discursou o ex-juiz.

Sem detalhar como pretende atingir essa meta, afirmou apenas que "mesmo quando se quer uma coisa boa, com esse aumento do Auxílio Brasil ou do Bolsa Família (...) vem alguma coisa ruim junto, como o calote de dívidas, o furo no teto de gastos e o aumento de recursos para outras coisas que não são prioridades".

"Não é, e nem precisa destruir o teto de gastos ou a responsabilidade fiscal para fazê-lo. Nós podemos erradicar a pobreza e esse é o desafio da nossa geração", completou Moro, em uma fala interpretada como tentativa de mandar recado à base eleitoral do ex-presidente Lula (PT).

Após fazer as considerações sobre o auxílio emergencial, Pastore fez nessa quinta críticas diretas a Arthur Lira, um dos principais oponentes de Moro no mundo político.

"Do mesmo jeito [gasto desnecessário] que está sendo feita agora, tem emenda de relator que está mandando dinheiro pra deputado cujo pai é prefeito de Alagoas [o pai de Lira é prefeito de Barra de São Miguel]. Desculpa ser duro. Mas esse é um cidadão que está vendo esse tipo de alocação de recursos e que se revolta", afirmou o economista.

Lira liderou no Congresso, com o apoio de Bolsonaro, uma ofensiva para mudar pontos da legislação em resposta à Lava Jato, operação que teve em Moro a sua principal figura pública.

Moro, que se filiou ao Podemos com o intuito de disputar a Presidência em 2022, anunciou o nome de Pastore em entrevista ao Conversa com Bial, da TV Globo, exibida na madrugada de quarta-feira (17).

Ele disse que o ex-presidente do Banco Central na gestão de João Batista Figueiredo, o último general-presidente, faz parte de um grupo que ele reuniu para discutir os rumos econômicos do Brasil. "É um dos melhores nomes do país", afirmou.

Na audiência pública desta quinta, da qual participou também o ex-presidente do BNDES André Lara Resende, Pastore também afirmou ter restrições ao teto de gastos

"Não acho que esse é o melhor regime que o país podia ter. Ele não tem que ter uma rigidez dessa natureza, ele tem que ter obediência a critérios de como gastar, como retorno etc."

Também em seu discurso na filiação ao Podemos, Moro fez menções rápidas ao teto de gastos, sempre no sentido de que é possível erradicar a pobreza sem que ele seja rompido. Em nenhum momento, o ex-juiz criticou o modelo.

Pastore também atacou nesta quinta a PEC dos Precatórios, prioridade do governo Jair Bolsonaro, de quem Moro foi ministro da Justiça quase 16 meses.

"Não tenho nada contra você estourar um teto de gasto para fazer uma ajuda emergencial como foi feita agora, entre R$ 30 e R$ 40 bilhões. Mas eu tenho muito contra você dar um calote em cima de precatórios e abrir R$ 16,6 bilhões em emendas secretas, mais o fundo partidário. Isso não é forma de fazer política fiscal. Isso é clientelismo político de péssima qualidade, vocês deputados, me desculpe."

A PEC dos Precatórios, já aprovada pela Câmara e em análise no Senado, dribla o teto de gastos e permite ao governo gastar mais R$ 91,6 bilhões em 2022 sem a necessidade de cortar outras despesas --o que eleva o déficit nas contas públicas e o endividamento do país.

O Brasil está no vermelho desde 2014, sua dívida passa de R$ 5,4 trilhões e os custos com juros são pagos pela sociedade como um todo.

Além de abrir margem para o pagamento do Auxílio Brasil, que sucede o Bolsa Família, a proposta deve abrir margem para aumento das emendas orçamentárias controladas pela cúpula do Congresso, além de eventual aumento do fundo eleitoral destinado a partidos e candidatos na disputa de 2022.

Lira controla na Câmara a distribuição e execução das chamadas emendas de relator, cuja divisão atende a critérios estritamente políticos. Esse tipo de emenda teve sua execução suspensa pelo Supremo Tribunal Federal, mas o Congresso se articula para tentar reverter a decisão.

O Congresso também deve tentar elevar a verba do fundo eleitoral, de R$ 2,1 bilhões. No começo do ano, já houve tentativa de triplicar essa verba.