SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A guerra na Ucrânia e seus impactos sobre as cadeias de insumos e matérias-primas chegou também às micro e pequenas indústrias. O efeito mais imediato vem do custo do transporte, pressionado pela alta dos combustíveis, e dos derivados de petróleo, no geral, como as resinas.

As micro e pequenas indústrias de São Paulo começaram a recalibrar suas expectativas para os próximos meses, depois de uma melhora no otimismo até meados de fevereiro, diz o presidente do sindicato do setor, Joseph Couri.

"Não só a guerra, ainda têm Covid na China e elevação de juros. Os custos das matérias-primas já vinham altos e com muitos atrasos", afirma. A taxa básica de juros da economia, a Selic, foi a 11,75% ao ano na reunião mais recente do Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central. A elevação dos juros, prevê Couri, vai reduzir e encarecer o crédito para o setor.

No mês passado, segundo pesquisa Datafolha para o Simpi (Sindicato das Micro e Pequenas Indústrias de São Paulo), 54% dos empresários do setor avaliavam a situação dos negócios como ótima ou boa. Antes de fevereiro, a última vez em que tantos industriais paulistas disseram estar satisfeitos havia sido registrada em junho de 2014, com 53% de bom ou ótimo.

O efeito da alta dos combustíveis sobre o transporte pesa sobre as empresas a partir de diversas frentes. Uréo Pereira , a gerente de cadeia de suprimentos da Gemü, empresa de origem alemã que produz válvulas, diz que esses custos já subiram 13,5% neste ano.

A empresa tem frota própria para atender parte dos deslocamentos, mas depende de outros transportadores para movimentar mercadoria para acabamento e receber insumos.

Além do baque dos combustíveis, a empresa já se prepara para novos aumentos em peças plásticas, uma vez que as resinas são afetadas pelos preços do petróleo. Desde 2020, os plásticos tiveram alta média de 60%.

Em outra frente de altas recentes, o ferro gusa subiu 25% em fevereiro. Na indústria como um todo, esse é um material bastante utilizado. Na Gemü, diz Pereira, é usado em quase 100% do que é produzido.

"Tentamos [desde o início da pandemia] segurar o máximo possível o repasse de preços. Trabalhamos em redução de custo, implantamos ferramentas para melhorar processos, mas esse é um ano em que já não dá mais para segurar", diz.

Apesar de certo otimismo em alguns indicadores em fevereiro, a pesquisa Simpi/Datafolha mostrava a persistência das dificuldades com preços e cumprimento de prazos, ainda que em patamar menor do que o registrado no início do ano passado.

Em fevereiro de 2022, 74% das micro e pequenas indústrias de São Paulo diziam enfrentar dificuldade com alta no preço de insumos e matérias-primas. Outros 41% disseram estar lidando com a falta de materiais e 39%, com o atraso na entrega.

Na Gemü, a estratégia para lidar com a quebra das cadeias de suprimentos foi romper com a terceirização de alguns processos e investir na produção interna, o que exigiu da empresa a compra de novo maquinário. Duas rotinas da fábrica, que são a injeção de plástico e a produção de diafragmas, deixaram de vir de fora e agora são produzidas internamente.

A gerente de suprimentos da indústria diz que desde o início da pandemia o controle e formação de estoque ganharam centralidade no planejamento das empresas. "Na época [em que a pandemia começou] falávamos de redução, otimização de processos, mas, por fim, não teve como manter em nível baixo. O que antes era estoque para um mês e meio, hoje é de quatro a seis meses", diz.

A necessidade de fazer o que as empresas chamam de "imobilização de capital" -dinheiro parado em forma de produto pronto ou matéria-prima para produzir- foi sendo reabilitada no planejamento das empresas diante dos prazos cada vez mais instáveis entre os fornecedores.

"O que a gente tinha para receber de fundição e demorava 30 dias se tornou 90 e depois 120 dias."

Há casos, conta Pereira, em que os fornecedores acabaram com as tabelas de preços. Os valores de insumos passaram a ser negociados diariamente, no momento da compra.

Segundo a pesquisa Simpi/Datafolha, em fevereiro, o percentual de indústrias que disse ter registrado alta significativa de preços em relação ao mês anterior caiu. Foram 59% em fevereiro e tinha chegado a 72% em janeiro de 2021, o pico da série iniciada em março de 2013. Das que disseram ter registrado aumento de custos significativo, 47% disseram que as altas vieram de matéria-prima e insumos.

O desencanto com os efeitos da guerra sobre a economia não está restrito aos micro e pequenos industriais. A CNI (Confederação Nacional da Indústria) prevê revisar em abril a expectativa de crescimento do país em 2022, para incluir o impacto do novo choque.

A entidade diz estar preocupada principalmente com os aumentos de preços de petróleo, energia e insumos industriais. Em março, 22 de 29 setores da indústria pesquisados pela confederação registraram queda na confiança.