RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - A disparada da cotação do petróleo provocada pelo início da guerra da Ucrânia, a poucos meses do início da campanha eleitoral é vista como um teste sobre a resistência da Petrobras com sua política de preços dos combustíveis.

De acordo com cálculos da Abicom (Associação Brasileira das Importadoras de Combustíveis), a estatal já vem praticando preços abaixo das cotações internacionais desde o fim do ano passado. Na segunda semana de fevereiro, a diferença chegou a superar os R$ 0,40 por litro na gasolina e bateu R$ 0,50 por litro no diesel.

Nas últimas semanas, a valorização do real frente ao dólar deu um alívio, mas com o início da guerra, os indicadores usados pela estatal para definir seus preços voltaram a subir, pressionando por novos reajustes.

Os últimos reajustes nos preços da gasolina e do diesel foram feitos no dia 12 de janeiro, o que leva o mercado a apostar em uma mudança de postura no ano eleitoral, com reajustes menos frequentes e mais tempo abaixo das cotações internacionais.

Na quinta-feira (24), após o início dos ataques russos à Ucrânia, o petróleo Brent chegou a tocar os US$ 105 (cerca de R$ 540) por barril pela primeira vez desde 2014. No mesmo dia, a direção da Petrobras disse que observaria o mercado antes de decidir por qualquer mudança nos preços.

As declarações sobre o tema foram dadas em eventos públicos para detalhar o lucro recorde de R$ 106,6 bilhões registrado pela empresa em 2021, resultado impulsionado pela escalada dos preços do petróleo e dos combustíveis durante o ano.

Em 2021, a Petrobras vendeu sua cesta de derivados de petróleo pelo maior preço médio já registrado em balanço, R$ 416,40 por barril, 15,6% superior ao praticado em 2018, ano da greve dos caminhoneiros, já descontada a inflação do período.

Os impactos da alta na inflação e no poder de compra dos brasileiros levaram o presidente Jair Bolsonaro (PL) a começar a pressionar a empresa -- ele chegou a dizer que gostaria de privatizar a estatal para se livrar das críticas.

Para o analista Daniel Cobucci, do BB Investimentos, o choque nos preços do petróleo provocado pela guerra tende a ser favorável à empresa, mas até um determinado ponto em que a pressão contra reajustes possa interferir na gestão da companhia.

"É interessante para a Petrobras ver seu principal produto ter cotações mais elevadas, mas entendemos que acima de um determinado limite isso pode gerar consequências negativas como reação à manutenção da política de paridade internacional", escreveu, em relatório divulgado na sexta (25).

A história recente da Petrobras tem exemplos de intervenções na política de preços dos combustíveis em anos eleitorais.

Em 2002, o então candidato da situação à Presidência da República, José Serra (PSDB), reclamou publicamente dos efeitos negativos de reajustes no gás de cozinha sobre sua campanha, levando a estatal a segurar novos aumentos.

Em 2014, o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, que presidia o conselho de administração da empresa, negou insistentes pedidos da direção para autorizar aumentos, o que só foi feito após a vitória de Dilma Rousseff (PT) no segundo turno.

Esta semana, o início do conflito na Ucrânia gerou na equipe econômica do governo receio de que a escalada do petróleo intensifique a busca do presidente Jair Bolsonaro (PL) e do Congresso por "medidas heroicas" para tentar segurar os preços dos combustíveis "mas que, na prática, não funcionam". Com o início antecipado da campanha, o tema já vem sendo debatido por candidatos de oposição, que querem colar em Bolsonaro a responsabilidade pelos elevados preços. O Congresso, por sua vez, debate mudanças legais para tentar reduzir os preços ou suavizar variações.

O pesquisador do Ineep (Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás e Biocombustíveis) e do Núcleo Desenvolvimento, Trabalho e Ambiente da UFRJ, Mahatma Santos, diz que o represamento atual de preços já pode ser um indicador de mudanças na política.

"2022 vai ser um ano desafiador para essa atual estratégia, em função das eleições", diz ele. "A manutenção de altos preços dos derivados tem impacto na inflação e na capacidade do poder de compra das pessoas. Isso vai aparecer no debate eleitoral."

O Ineep espera reajustes menos frequentes no ano, para minimizar os impactos na campanha. Mas diz acreditar que a Petrobras tentará manter a estratégia de gerar valor ao acionista e distribuir fortes dividendos, como fez em 2021.

Questionada, a Petrobras afirmou que mantém "compromisso com a prática de preços competitivos e em equilíbrio com o mercado, acompanhando as variações para cima e para baixo, ao mesmo tempo em que evita o repasse imediato para os preços internos das volatilidades externas e da taxa de câmbio causadas por eventos conjunturais".

De acordo com a petroleira, esse equilíbrio é fundamental para garantir "que o mercado siga sendo suprido em bases econômicas e sem riscos de desabastecimento".

Na quinta, em conferência para detalhar o balanço, o diretor de Comercialização e Logística da empresa, Cláudio Mastella, disse que a valorização do real frente ao dólar nas últimas semanas compensou a alta do preço do petróleo, permitindo à empresa manter os mesmos preços desde janeiro.

Sobre o cenário atual, a empresa diz que precisa observar a evolução do quadro antes de decidir por reajustes. "Nesse cenário, vamos continuar observando [a evolução das cotações] minuto a minuto", resumiu o presidente da Petrobras, Joaquim Silva e Luna.