SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Uma reunião nesta segunda-feira (18) de movimentos, centrais sindicais, partidos e entidades que compõem a Campanha Nacional Fora Bolsonaro (fórum em que a esquerda é majoritária) decidiu que o grupo deve aderir aos atos do Dia da Consciência Negra, em 20 de novembro.

Com isso, fica praticamente descartada a hipótese de uma nova mobilização nacional pelo impeachment de Jair Bolsonaro (sem partido) no dia 15 de novembro, como era a ideia inicial de alguns líderes políticos e organizadores dos protestos passados.

A expectativa era a de que o dia 15 poderia materializar uma frente ampla, com a esquerda unida e a adesão de representantes da direita e do centro --projeto que enfraqueceu nas últimas semanas e agora está em xeque.

Na reunião nesta segunda-feira, as centrais sindicais propuseram que, no dia 15, seja feito um ato simbólico e em espaço fechado, como num teatro, apenas para reunir líderes de movimentos e partidos a favor do impeachment.

Esse evento, que poderia ser palco para a frente ampla, ainda não foi confirmado nem descartado.

Entre os organizadores da campanha, há divergências em relação à construção do dia 15 e à possibilidade de uma frente ampla pelo impeachment.

Parte avalia que já não é possível e parte ainda acredita na união de forças para tirar Bolsonaro do cargo. O relatório final da CPI da Covid do Senado poderia dar força a essa segunda hipótese.

Na avaliação de líderes do movimento negro, a adesão da Campanha Nacional Fora Bolsonaro ao dia 20 é uma notícia positiva --e a luta contra o racismo e contra o presidente não são concorrentes, pelo contrário, são coincidentes.

Os ativistas negros é que estão a cargo da organização do protesto, no qual a entidade pelo impeachment será convidada.

Embora a ideia seja agregar todos que fazem oposição a Bolsonaro, não há o objetivo político de fazer uma demonstração de consenso geral da sociedade e assim pressionar pela saída do presidente --o foco é no movimento negro.

A sugestão de aderir ao dia 20, segundo membros da Campanha Nacional Fora Bolsonaro ouvidos pela reportagem, surgiu do fato de que o dia 15 não chegou a ser uma data formalizada de mobilização, enquanto o Dia da Consciência Negra já acontece tradicionalmente.

Há ainda o receio de manifestações de apoiadores de Bolsonaro no Dia da Proclamação da República.

A proposta do dia 15 surgiu em setembro, em reunião de dirigentes de PT, PSOL, PC do B, PSB, PDT, Rede, PV, Cidadania e Solidariedade. Mas, até agora, os partidos não se reuniram efetivamente para organizar o protesto.

De lá pra cá, o ato pelo impeachment de 2 de outubro foi frustrado em relação à participação de setores de centro e direita, Ciro Gomes (PDT) foi atacado por apoiadores de Lula (PT), e os dois presidenciáveis protagonizaram um bate-boca que envolveu também a ex-presidente Dilma Rousseff (PT).

Esses fatos, que explicitam a contaminação pela campanha eleitoral, além da proximidade do fim de ano, da falta de votos no Congresso para obter o impeachment e do recuo retórico de Bolsonaro depois do 7 de Setembro, esvaziaram a construção da frente ampla.

Desde maio, a esquerda teve seis datas de mobilização nacional pelo impeachment. A direita, por meio do MBL (Movimento Brasil Livre) e VPR (Vem Pra Rua), foi às ruas em 12 de setembro.

Nessas ocasiões, houve adesões do lado contrário, mas nada que chegasse perto das Diretas Já. Os pedidos de impeachment tampouco saíram da gaveta do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Nos bastidores da campanha, tanto o PT como a direita são responsabilizados pelo fracasso da frente ampla.

Os petistas porque não estariam se empenhando de fato na organização do dia 15 e pelas brigas com Ciro. Parte da esquerda acredita que o partido não quer o impeachment uma vez que Lula lidera a corrida eleitoral, tese que petistas negam.

A direita é criticada pela ausência --PSD, PSDB, MDB e União Brasil não endossam formalmente o impeachment.

No entanto, quem ainda mantém a crença na articulação pelo impeachment vê no dia 15 a chance até de uma foto da frente ampla --seja no ato sugerido pelas centrais sindicais ou em um festival, ainda não confirmado, planejado pelo Direitos Já!, fórum que reúne uma série de representantes de partidos e de associações da sociedade civil.

Douglas Belchior, da Coalização Negra por Direitos, afirma que "a direção dos atos do dia 20 estará nas mãos do movimento negro". "Os protestos serão fortalecidos por outras frentes que são nossos parceiros históricos, não há polêmica ou usurpação de agenda."

"São bem-vindas outras forças que queiram também denunciar o racismo, elaborar sobre seus próprios vícios e se somar a nós, nas ruas, na luta pela vida do povo negro. O racismo é um problema da sociedade inteira. Tomara que neste ano haja adesão maior de todos os campos", diz ele.

"Nesse momento da história, lutar contra o racismo é enfrentar Bolsonaro. Não há contradição em unificar os atos. Bolsonaro é responsável pelo aprofundamento e radicalização do genocídio negro. É um encontro perverso entre um estado genocida, um presidente cujo projeto é racista e fascista e o infortúnio da pandemia, que matou e contaminou mais negros", completa.

"O dia 15 nunca foi decidido. Então não é que estamos abrindo mão ou cancelando o dia 15", afirma Raimundo Bonfim, da Central de Movimentos Populares, entidade ligada ao PT, e um dos coordenadores da campanha.

"A campanha vai potencializar o dia 20, que é uma data tradicional", completa Bonfim. "A ideia não é que o dia 20 seja um 7º protesto nacional pelo 'fora, Bolsonaro'. Vamos respeitar a autonomia do movimento negro."

Bonfim já vê a frente ampla como inviável, mas descarta haver parcela de culpa do PT nisso.

"Só o PT é responsável por organizar? Estão admitindo que só o PT mobiliza? Não é correto dizer que o dia 15 não sai por causa do PT. Não é o campo democrático que não quer impeachment, é a direita e as elites. Convenhamos, a direita não apareceu no dia 2. As vaias [a Ciro] não interferem nisso, foi uma parcela pequena", afirma.

Marco Martins, do movimento Acredito, também se diz desanimado com a frente ampla.

"Tenho um resquício de esperança de que, com o relatório da CPI, haja um novo fator de mobilização, mas, sendo realista, a frente ampla está bem distante e o sintoma mais aparente disso é o desentendimento entre os dois candidatos melhor posicionados nas pesquisas sem considerar Bolsonaro [Lula e Ciro]."

Para Martins, as chances de frente ampla foram desperdiçadas até aqui e o dia 15 seria a última oportunidade, já que, em 2022, a maior proximidade da eleição vai tornar o projeto impossível.

A frente ampla, ele afirma, depende "de uma grande mudança de atitude das maiores lideranças tanto da esquerda quanto direita". "É muito ruim que Bolsonaro consiga, depois de tudo que fez, chegar à eleição sem sofrer um impeachment", completa.

Coordenador do Direitos Já, o sociólogo Fernando Guimarães aposta em um festival pela democracia no dia 15, com artistas e personalidades públicas da educação, da saúde, do esporte, além de parlamentares e dirigentes de legendas.

"A ideia é fazer a foto da frente ampla, com as pessoas uma ao lado da outra", diz. Ele não arrisca afirmar se Lula e FHC (PSDB) estarão juntos na foto, ressaltando que o evento não foi confirmado e que convites ainda serão feitos.

Na sua avaliação, o formato de ato político é que não foi capaz de gerar mobilização da sociedade. Segundo o Datafolha, 56% apoiam o impeachment, mas os protestos de rua de oposição não chegaram a superar, por exemplo, os atos bolsonaristas do 7 de Setembro.

"A melhor forma de se conectar com a sociedade é trazer figuras que possam traduzir um sentimento e produzir uma identificação. Estamos buscando uma linguagem de manifestação que mobilize a sociedade", diz.

Responsável por levar aos atos do dia 2 de outubro nomes do centro e da direita, algo que não se concretizou, Guimarães, que é alvo de críticas de membros da campanha por isso, diz que as ausências se deram por conflito de agenda e mantém "otimismo e confiança" na frente ampla.

Ele critica, por sua vez, a participação nos atos de rua de organizações "que se colocam contra a frente ampla", como o PCO (Partido da Causa Operária), que endossou as vaias a Ciro e entrou em conflito com manifestantes do PSDB na avenida Paulista.

Rud Rafael, coordenador do MTST e da Campanha Nacional Fora Bolsonaro, não vê enfraquecimento da frente ampla, pregando que o saldo do dia 2 foi positivo.

"As vaias a Ciro não representam o sentimento de unidade da campanha. Conseguimos retomar uma capacidade de mobilização importante no dia 2 e vamos continuar. O dia 20 já tem uma tradição de mobilização de esquerda, enquanto não há essa cultura no dia 15", diz.

Na sua opinião, o dia 15 ainda pode acontecer. "Pode haver um fato novo que mude a conjuntura. A frente ampla é possível e necessária e nosso empenho vai ser esse", conclui.