Grupo de principais empresas do agronegócio critica projeto que libera mineração em terras indígenas
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quinta-feira, 10 de março de 2022
VINICIUS SASSINE
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A coalizão que reúne as principais associações do agronegócio brasileiro, grandes empresas do setor, bancos, academia e sociedade civil elaborou uma nota com críticas ao projeto de lei que libera mineração em terras indígenas.
A Câmara dos Deputados atendeu a um desejo do presidente Jair Bolsonaro (PL) e aprovou na noite desta quarta-feira (9) a urgência da votação, que ignorará as comissões da Casa. A apreciação em plenário está prevista para abril.
A posição da organização foi enviada a todos os deputados federais.
A Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, que tem 324 integrantes, apontou que o projeto de lei, da forma como está, coloca em risco a integridade ambiental das terras indígenas, "áreas importantíssimas para a estabilidade climática e proteção da diversidade cultural do país".
Além disso, segundo a coalizão, o garimpo em terras indígenas não resolverá eventuais crises de escassez de fertilizantes.
Integram a coalizão a Abag (Associação Brasileira do Agronegócio), a ABBI (Associação Brasileira de Biotecnologia Industrial), a Abia (Associação Brasileira da Indústria de Alimentos), a Abiec (Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes), Amaggi, Basf, Bayer, Cargill, Gerdau, Marfrig, Nestlé, Suzano, Bradesco, Itaú Unibanco, BTG Pactual e Santander, entre outros.
"A possível votação em regime de urgência está sendo justificada com o equivocado argumento de que a mineração em terras indígenas resolveria a escassez de fertilizantes, em especial potássio, vindos da Rússia, na esteira da guerra entre aquele país e a Ucrânia", afirma a organização na nota com a posição em relação ao projeto de lei.
O Congresso deveria discutir os reais obstáculos à produção de fertilizantes, conforme a nota, como insegurança jurídica, sistema tributário e outros problemas regulatórios "que fazem com que produtos importados sejam mais competitivos do que os nacionais".
"A guerra entre Rússia e Ucrânia não deve ser um pretexto para a aprovação de um PL que ainda não foi adequadamente debatido pela sociedade e, sobretudo, não foi consultado com as organizações representativas dos povos indígenas, os maiores interessados no assunto", diz o texto.
A guerra é usada como pretexto por Bolsonaro, que se baseia em argumentos falsos sobre ocorrência de potássio em terras indígenas. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o centrão encamparam esse pretexto para ver avançar o projeto que libera mineração em terras indígenas.
Na nota divulgada, a Coalização Brasil Clima cita estudo da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) que mostra que dois terços das reservas brasileiras de potássio estão fora da Amazônia. E, entre reservas existentes no bioma, apenas 11% estão sobrepostas a terras indígenas.
"A ausência de sobreposição significativa de reservas de potássio e terras indígenas foi também confirmada por um estudo independente realizado pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa Mineral e Mineração."
A pesquisa da UFMG mostra que as reservas existentes no país são suficientes para além de 2100, conforme citado na nota.
"Além disso, a ANM [Agência Nacional de Mineração] conta com mais de 500 processos ativos de exploração de potássio em andamento e que poderiam ser viabilizados sem agressão aos territórios dos povos originários", cita o documento.
O projeto com urgência aprovada na Câmara busca regulamentar a mineração em terras indígenas, a partir do que prevê a Constituição Federal. Como nunca houve essa regulamentação, a atividade é vetada nesses territórios.
Há quase 50 anos, o Estatuto do Índio, de 1973, restringe aos indígenas a exploração de riquezas em suas terras. O projeto de lei patrocinado pelo governo Bolsonaro derruba o artigo que faz essa restrição. E vai além, permitindo até pesquisa e cultivo de transgênicos em terras indígenas.
Para o MPF, existem "vício insanável", "falácia" e "patrocínio de conflito de interesses" na proposta. Procuradores da República que atuam na Amazônia pretendem contestar eventual lei que libere mineração em terra indígena, dentro de mais de dez ações contra garimpos em áreas demarcadas.
O projeto de lei foi apresentado ao Congresso pelo ministro de Minas e Energia, almirante Bento Albuquerque, e pelo então ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro. Os dois assinaram a justificativa da proposta. Hoje, Moro se diz desafeto de Bolsonaro e é pré-candidato à Presidência.
A Câmara aprovou requerimento de urgência do projeto, mas um acordo de Lira com a oposição adiou a votação do mérito do texto para abril, após a análise por um grupo de trabalho.
A votação ocorreu enquanto do lado de fora do Congresso era realizado o Ato pela Terra contra o que chamam de pacote da destruição, uma série de projetos criticados por ambientalistas.
A urgência foi aprovada por 279 a 180 --precisava da maioria absoluta de deputados para passar (pelo menos 257). Antes da votação, Lira anunciou a criação de um grupo de trabalho para debater a proposta, que deve ser votada em plenário até 14 de abril.