SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - "Somos oito. Incluindo dois bebês recém-nascidos. Íamos para a Polônia quando soou a sirene de ataque aéreo. Tivemos que descer e nos abrigar no metrô."

Com essas palavras, a brasileira Lys Silva Conceição, 28, mandou notícias na manhã desta segunda-feira (28) à reportagem sobre sua situação em meio à guerra em Kiev.

O grupo, formado por ela, dois casais com suas filhas e uma familiar de um deles, foi até a estação de trem tentar embarcar em algum vagão que os levasse para fora da capital ucraniana, cercada por tropas russas e alvo de bombardeios desde a última semana, em direção à Polônia.

O problema é que quase todos os civis na cidade de mais de 3 milhões de habitantes fizeram a mesma coisa.

Após 38 horas de toque de recolher, nas quais quem pusesse o pé na rua seria considerado membro de grupos inimigos e poderia ser alvejado -segundo as palavras do próprio governo ucraniano-, a população saiu desesperada para comprar comida e tentar deixar o país por terra, já que os aeroportos estão fechados por causa da guerra.

Lys gravou vídeos da multidão tentando entrar nos trens. "Eles mudaram a plataforma de última hora, a gente teve que correr, mas no final nenhum trem saiu porque começou esse bombardeio", disse ela, que teve que deixar a casa onde vive com o marido ucraniano após o bairro ser bombardeado, na quinta-feira (24).

No abrigo do metrô, eles tiveram acesso a chá, café e banheiro, além de um espaço mais aquecido para os bebês.

As pequenas Mikaela e Giovana nasceram na Ucrânia, mas são brasileiras. Os pais delas recorreram a uma clínica de barriga de aluguel no país, que se tornou um destino muito popular para estrangeiros que buscam o procedimento, devido ao custo mais baixo do que em outros países e à legislação favorável.

Eles viajaram até Kiev para acompanhar o parto e cuidar dos trâmites burocráticos para o registro da nacionalidade das filhas, mas acabaram surpreendidos pela invasão russa à cidade.

Passaram os últimos dias no subsolo de um restaurante, acompanhados de outros casais estrangeiros na mesma situação, dez recém-nascidos -alguns deles, sem os pais, que não conseguiram viajar a tempo para a Ucrânia- e algumas enfermeiras.

Nesta segunda, o restaurante iria fechar as portas e eles não tinham para onde ir. Para piorar, o leite para os bebês estava acabando, e a dificuldade de conseguir veículo e combustível para fazer o trajeto até a estação de trem também era gigantesca.

"Todo mundo foi embora e deixaram eles lá. Estávamos com muito medo de eles ficarem sem abrigo. Acabamos conseguindo um carro com a clínica [contratada para cuidar da gestação de substituição], que foi buscá-los", diz a servidora pública Pamella Drummond, 28. Os pais de Giovana são padrinhos de Pamella, e a mãe dela também foi na viagem à Ucrânia, para dar apoio ao casal .

Sem poder pegar os trens noturnos por causa do alerta de bombas, o grupo vai tentar novamente embarcar pela manhã. O marido de Lys teve que ficar -por ser ucraniano, não pode deixar o país porque deve ficar disponível para lutar no Exército.

Mulheres e crianças estão tendo prioridade no embarque, mas o caos para entrar nos trens é grande, e há relatos de estrangeiros que são barrados por guardas que dão prioridade a famílias ucranianas.

Na mesma estação de trem, três brasileiros também tentavam uma forma de escapar. O estudante de medicina David Abu Gharbil e os jogadores de futsal profissional Moreno Santiago e Matheus Ramires postaram em suas redes sociais vídeos do trajeto e da multidão tentando entrar nos vagões lotados.

Depois da invasão russa, os jovens foram para um hotel onde também estavam dezenas de outros brasileiros, a maioria jogadores de times de futebol da primeira divisão ucraniana e seus familiares. No sábado (26), o grupo maior conseguiu sair em vários carros e já está na Romênia. O trio, no entanto, ficou para trás --eles fizeram um vídeo nas redes sociais queixando-se de terem sido abandonados.

Nesta segunda, eles chegaram a entrar em um trem, mas acabaram sendo empurrados para fora pelo maquinista, ao som de palavras racistas.

"Ele tinha aceitado nos levar, mas do nada nos colocou para fora", contou Moreno Santiago, em um vídeo postado em seu Instagram. "Ele empurrou o David, o David se machucou. Ele não queria mais nos levar, quando viu que a gente é moreno, que tinha preto junto, ficou falando besteira, então não deu certo. Aqui tem muito racismo, e o pessoal está se aproveitando da situação difícil das pessoas", relatou.

Eles conseguiram comprar um bilhete online para tentar sair dentro de dois dias.

"Tem que comprar muito rápido, você atualiza o site e já acaba. A gente está tentando o que pode, está estressante demais. Não tem mais gasolina, tem o perigo de tomar um tiro, o risco de ficar parado, ser preso", afirmou. "Mas a gente ainda tem que pensar em viver, em sair da guerra, ficar vivo. A gente só quer sair daqui."