Governo retira precatório da educação do teto, e CCJ do Senado aprova novo texto da PEC (1)
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terça-feira, 30 de novembro de 2021
RENATO MACHADO E THIAGO RESENDE
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Para garantir a aprovação no Senado da PEC (proposta de emenda à Constituição) dos Precatórios, que viabiliza o Auxílio Brasil de R$ 400, o governo cedeu à pressão e aceitou deixar despesas com dívidas ligadas ao Fundef (fundo da área de educação) fora do teto dos gastos.
Isso abriu caminho para que a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) aprovasse nesta terça-feira (30) a nova versão da PEC, que agora segue para o plenário do Senado. O texto foi aprovado na comissão por 16 votos votos a favor e 10 contra. Na votação no plenário, o governo precisa do apoio de 49 dos 81 senadores, em dois turnos de votação.
Após a votação na comissão, o líder do governo no Senado e relator da proposta, Fernando Bezerra (MDB-PE), tentou levar a PEC para análise do plenário na noite desta terça, mas houve um adiamento para esta quarta (1).
Caso aprovada no plenário, a proposta precisa ser votada novamente pela Câmara dos Deputados. Pacheco afirmou nesta terça-feira que existe a possibilidade de promulgar após a votação no Senado apenas os trechos que já haviam sido aprovados pela Câmara e pelo Senado.
"Tecnicamente é possível [promulgar os trechos em comum], mas não há uma decisão. Vamos avaliar o texto, aquilo que for convergente de Senado e Câmara obviamente que pode ser promulgado", afirmou.
A vitória política no Senado foi resultado de uma derrota da equipe do ministro Paulo Guedes (Economia), que vinha resistindo a deixar as dívidas do Fundef fora do teto regra que impede o crescimento das despesas acima da inflação.
A mudança no texto PEC foi divulgada nesta terça (30) pelo relator Fernando Bezerra, que era pressionado pelas maiores bancadas da Casa.
A retirada dos precatórios do Fundef do teto dos gastos era uma demanda em particular do PSD, segunda maior bancada do Senado, com 12 senadores. Um dos mais ferrenhos defensores da medida era o senador Otto Alencar (PSD-BA).
Precatórios são dívidas da União que já foram reconhecidas pela Justiça (não cabe mais recurso). Para 2022, há cerca de R$ 16 bilhões em de dívidas de repasses do Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério) para Bahia, Pernambuco, Ceará e Amazonas. Há ainda R$ 1,3 bilhão devidos a municípios. A PEC parcela essa conta em três anos.
A parcela do Fundef prevista para 2022 deve ser superior a R$ 8 bilhões. Bezerra teve que colocar essa despesa fora do teto de gastos para atender a um pedido do PSD e do MDB, que é a maior bancada do Senado.
Esses partidos defendem que haja uma prioridade no pagamento dos precatórios alimentícios (para servidores públicos).
Como a PEC cria um valor máximo nos gastos com precatórios por ano, o governo teve que ceder e criar um tratamento excepcional para as dívidas do Fundef. O argumento é que as transferências do Fundeb (que substituiu o Fundef) não são atualmente contabilizadas dentro do teto de gastos.
Dessa forma, devem ser pagos, dentro do teto, cerca de R$ 34 bilhões para dívidas de pequenos valores e para idosos, além de cerca de R$ 8 bilhões para as alimentícias.
A PEC dos Precatórios é hoje a principal pauta de interesse do presidente Jair Bolsonaro no Congresso. Ela autoriza o governo a gastar mais e viabiliza promessas do governo na área social, como o aumento no Auxílio Brasil, que buscam dar impulso a Bolsonaro na campanha à reeleição em 2022.
Para ampliar em cerca de R$ 106 bilhões as despesas do próximo ano, a PEC tem dois principais pilares.
Uma medida permite um drible no teto de gastos, fazendo um novo cálculo retroativo desse limite. A outra medida cria um valor máximo para o pagamento dos precatórios.
Apesar do valor vultoso a ser acrescentado nas despesas de 2022, o espaço orçamentário não é suficiente para bancar todas as promessas de Bolsonaro, como auxílio financeiro a caminhoneiros e reajuste salarial a servidores públicos federais.
A primeira versão do relatório de Bezerra foi apresentada na semana passada, mas houve um pedido de vistas de diversos partidos, para que a proposta apenas fosse votada nesta terça (30). Os partidos com bancadas mais numerosas chegaram inclusive a ameaçar impor uma derrota ao governo, se não houvesse mudança.
"Não posso concordar em hipótese alguma com o relatório do senador Bezerra. Nós temos alternativas. Nós não precisamos mexer na regra do teto. Nós não precisamos dar calote em precatórios. E nós temos, sim, como fazer o Auxílio Brasil", disse o senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), que articula uma proposta alternativa à PEC do governo, cujo objetivo é tirar todos os pagamentos de precatórios da conta do teto de gastos --o que não agrada a Guedes.
Ao longo dos últimos dias de negociação, Bezerra havia dito que estava confiante com a aprovação na CCJ, mas já previa uma votação apertada. O líder do governo no Senado chegou a prever nesta terça (30) inclusive um placar mais pessimista do que vinha afirmando na semana passada, com 14 ou 15 votos a favor chegou a falar em 17 na semana passada.
A nova versão apresentada pelo relator nesta terça (30) visa atender a pedidos de senadores e de governadores. O objetivo é reduzir as críticas à PEC, que precisa de amplo apoio no plenário.
Uma das mudanças flexibiliza as regras para estados que renegociaram dívidas com a União e acabaram descumprindo o acordo de não romper o teto de gastos estadual.
"Não é assunto da PEC dos Precatórios, mas é uma demanda que foi solicitada pelos senadores", afirmou Bezerra.
A emenda permite que esses estados possam restituir a União ainda pelo prazo mais longo (benefício da renegociação da dívida) desde que adotem medidas de controle de gastos, como impedir aumento salarial a servidores, barrar a realização de concursos e vedar a criação de novas despesas obrigatórias.
O relator afirma que não haverá prejuízo financeiro para a União. "Seu impacto é neutro para a União, porque os recursos lhes serão devolvidos com encargos de adimplência", afirma o senador.
No novo relatório, o texto foi alterado para que novos aumentos a serem concedidos no valor do Auxílio Brasil e no número de famílias atendidas pelo programa só sejam liberados após o Executivo apresentar uma medida compensatória (criação de novos impostos ou corte de despesas).
Na semana passada, o líder do governo incluiu uma brecha para que o Auxílio Brasil se torne um programa social permanente, como defendem líderes do Senado, e livra o governo de encontrar uma medida que compense o aumento de gastos nessa área.
Na avaliação de economistas e técnicos do Congresso, isso representa um drible na LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal), que exige a compensação quando o governo tiver um novo gasto permanente.
Inicialmente, o governo previa elevar o benefício do Auxílio Brasil dos atuais R$ 224 para R$ 400 mensais apenas entre dezembro de 2021 e dezembro de 2022. Como a medida teria caráter temporário, não seria necessário encontrar uma medida compensatória.
O Senado, porém, pressionou para que o programa no valor de R$ 400 seja permanente. Por isso, o governo teve que buscar uma solução para viabilizar a medida no próximo mês sem precisar aprovar um projeto de aumento de imposto ou de corte de despesas.
"Com isso [mudança no texto nesta terça], novos aumentos futuros dos valores dos benefícios do Programa Auxílio Brasil precisariam indicar como fonte de custeio a redução permanente de despesa ou o aumento permanente de receita", afirmou o relator.
Outra mudança feita por Bezerra foi deixar claro que o limite previsto na PEC é para o pagamento de precatórios. No texto anterior, estava escrito que o limite seria para a expedição de precatório, mas esse ato (que gera a dívida a ser quitada pela União) é do Judiciário. Portanto, haveria uma trava à atuação do Judiciário, e não ao valor a ser pago no ano.
Bezerra também incluiu um prazo de 90 dias para o início de vigência dos termos previstos na PEC, para a regulamentação de aspectos operacionais do acerto de contas entre União e os credores privados.
Para atender a mais pedidos de senadores, o líder do governo afirma que vai deixar claro que o programa social, denominado Auxílio Brasil, é de caráter permanente e que o espaço aberto no Orçamento com a PEC visa atender à área social.
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ENTENDA OS PRINCIPAIS PONTOS DA PEC DOS PRECATÓRIOS
1) Mudança no indexador do teto de gastos
- O que é o teto: regra constitucional aprovada em 2016 que limita o aumento da maior parte das despesas federais à inflação do ano anterior
- Como é hoje: o teto é corrigido pela inflação medida pelo IPCA em 12 meses até junho do ano anterior
- Como fica: o valor é recalculado, retroativamente, com base no IPCA de janeiro a dezembro; na prática, isso amplia o teto
2) Teto para pagamento de precatórios
- O que é precatório: dívidas da União já reconhecidas pela Justiça e sem possibilidade de recurso
- Como é hoje: precatórios inscritos no Orçamento são pagos
- Como fica: é criado um valor máximo a ser quitado no ano (cálculo usa como base o montante pago em sentenças judiciais em 2016 e corrige esse número pela inflação); os precatórios que ficarem fora desse limite deverão ser pagos em outros anos
- Prioridade no pagamento: precatórios de pequenos valores, para idosos e alimentícios, terão preferência para serem quitados no ano em que forem emitidos; Senado quer tirar as dívidas do Fundef (fundo de educação) do teto de gastos
3) Refis a municípios
- O que diz a PEC: possibilidade de municípios parcelarem dívidas com a União caso aprovem reformas da Previdência locais
- Condições: municípios terão que comprovar mudanças específicas nas regras previdenciárias. Uma delas é que os servidores municipais não poderão pagar alíquotas menores que os servidores da União
PRINCIPAIS MUDANÇAS NO SENADO
- Programa social (Auxílio Brasil) deverá ser permanente, mas não precisará de compensação pelo aumento de despesas (como corte de outros gastos ou criação de imposto)
- Fica claro que o aumento nas despesas após a promulgação da PEC será usado para gastos obrigatórios e para a área social; há ainda um acordo para bancar a prorrogação da desoneração da folha de 17 setores
- Há uma flexibilização para estados que renegociaram dívidas com a União e acabaram descumprindo acordo de não romper teto de gastos estadual
- Pagamento de precatório do Fundef fica fora do teto de gastos; professores receberão recursos como abono salarial, sem que a verba vire aumento de remuneração permanente
PLACAR NA CCJ DO SENADO
16 votaram a favor
10 votaram contra