BRASÍLIA, DF, E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O governo assinou nesta sexta-feira (25) uma MP (Medida Provisória) que flexibiliza regras para a contratação por teletrabalho e altera a regulação do auxílio-alimentação.

Bruno Dalcolmo, secretário-executivo do Ministério do Trabalho e Previdência, disse que a medida permite a adoção do modelo híbrido para os funcionários das empresas, com prevalência do presencial sobre o remoto e vice-versa.

"[O teletrabalho] Era algo binário, ou a pessoa estava no teletrabalho ou no presencial. As pessoas querem algo flexível, e as empresas entendem que na formação ética das pessoas é importante que elas estejam em algum momento dentro das empresas. A medida lançada hoje permite essa flexibilidade", disse.

O texto estabelece que a presença do trabalhador no ambiente de trabalho para tarefas específicas, ainda que de forma habitual, não descaracteriza o trabalho remoto.

A medida também passa a prever expressamente que o teletrabalho poderá ser contratado por jornada, produção ou tarefa. No caso de contrato por produção não será aplicado o capítulo da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) que trata da duração do trabalho e que prevê o controle de jornada.

Caso a contratação seja por jornada, a medida permite o controle remoto da jornada pelo empregador, viabilizando o pagamento de horas extras caso ultrapassada a jornada regular.

De acordo com o governo, os trabalhadores com deficiência ou com filhos de até quatro anos completos devem ter prioridade para as vagas em teletrabalho.

Para aquelas atividades em que o controle de jornada não é essencial, o trabalhador terá liberdade para exercer suas tarefas na hora que desejar. O teletrabalho também poderá ser aplicado a aprendizes e estagiários.

Segundo o governo, fica permitido que os detalhes constem no acordo individual entre a empresa e o trabalhador.

MEDIDA ALTERA O AUXÍLIO-ALIMENTAÇÃO

No caso do auxílio-alimentação, a medida altera as regras de pagamento proibindo, por exemplo, a cobrança de taxas negativas ou descontos na contratação de empresas fornecedoras de auxílio-alimentação.

O modelo em uso até agora permitia descontos pelas empresas emissoras dos vales-refeição e alimentação às empresas beneficiárias, que recebem isenção tributária para implementar programas de alimentação a seus trabalhadores.

Com isso, diz o governo, as empresas "tiqueteiras" equilibram essa perda exigindo altas taxas dos estabelecimentos comerciais credenciados. Para o Ministério do Trabalho e Previdência, a prática desvirtua a política pública, retirando o trabalhador da condição de maior beneficiado.

"O programa mantém sua relevância, mas ele foi deturbado por agentes de mercado que transformaram aquilo em uma organização financeira. Passaram a negociar empresa com empresa, os trabalhadores passaram a ter refeições mais caras", disse.

O governo já tinha publicado um decreto em novembro para tornar as regras mais rigorosas, mas as empresas especializadas no setor se queixavam que o aperto deixou de fora o auxílio-alimentação —instrumento criado na reforma trabalhista de 2017 do governo Michel Temer (MDB) e que ainda podia ser usado por empresas para driblar as regras.

A ABBT (Associação Brasileira das Empresas de Benefícios ao Trabalhador) —que representa companhias como Alelo, Sodexo e Ticket— chegou, na época, a lamentar que o decreto não tinha incluído o auxílio-alimentação e disse que empresas têm explorado o instrumento de forma irregular.

Segundo o governo, a nova medida faz as regras valerem tanto para o PAT (Programa de Alimentação do Trabalhador) quanto para o auxílio-alimentação, estabelecendo multa para os casos de execução inadequada.

O governo afirma ainda que as mudanças visam garantir que os recursos sejam efetivamente usados para comprar gêneros alimentícios e corrigir as distorções de mercado existente na contratação das empresas fornecedoras.

GOVERNO EDITA MP PARA PERMITIR RESPOSTA RÁPIDA EM ESTADO DE CALAMIDADE

O governo assinou ainda outra MP, com ações que visam proteger os trabalhadores e seus familiares em momentos de estado de calamidade. Segundo o Palácio do Planalto, são medidas de resposta rápida às necessidades imediatas nessas situações.

"A norma permite ao setor público agir tempestivamente, com um conjunto de ações que geram a preservação dos empregos, das empresas e da renda do trabalhador –em âmbitos nacional, estadual ou municipal", afirma texto do governo.

Entre as medidas estão a facilitação do regime de teletrabalho, a antecipação de férias, o aproveitamento e antecipação de feriados e o saque adiantado de benefícios.

Os gestores poderão usar ainda as medidas previstas no Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da renda, como redução proporcional da jornada de trabalho e do salário ou suspensão temporária do contrato de trabalho mediante acordo com pagamento do Bem (Benefício Emergencial).

Durante a cerimônia, foi lançado ainda o Programa Caminho Digital. De acordo com o governo, a iniciativa oferecerá capacitação digital e inserção profissional aos participantes.

A pasta afirma que mais de 5 milhões de trabalhadores serão capacitados. O projeto foi desenvolvido em parceria com a Microsoft Brasil e oferece mais de 40 cursos gratuitos em habilidades digitais, informou o Planalto.

As íntegras de cada medida lançada nesta sexta não haviam sido divulgadas pelo governo até a publicação deste texto.

TRECHOS DA MP PODEM SER CONSIDERADOS INCONSTITUCIONAIS, DIZ PGT

A dispensa do controle de jornada para os contratos por produção e tarefa podem ser considerados inconstitucionais, diz o procurador-geral do Trabalho, José de Lima Ramos Pereira. Segundo o Ministério do Trabalho e Previdência, nesse modelo não será aplicado o trecho da CLT que trata da duração do trabalho.

"O contrato ser por produção não pode afastar o limite de 8 horas diárias. O empregador precisa garantir que esse trabalhador não tenha uma jornada de 20 horas por dia, por exemplo. Por isso, entendo que fere a Constituição", diz.

O chefe do Ministério Público do Trabalho diz que o controle de horas já pode ser feito de maneira automatizada e, por isso, não há porque as empresas serem dispensadas da aplicação desse tipo de parâmetro.

"Vejo também com preocupação que esse contrato por produção seja usado apenas para afastar o pagamento de horas extras, o que será considerado fraude."

Outro ponto considerado falho por Pereira é a aplicação do teletrabalho para aprendizes e estagiários, o que, na avaliação dele, viola o princípio desse tipo de função. "Ora, eles precisam de educação profissional e isso demanda contato presencial. É uma preocupação o modo como isso será desenvolvido."

A prioridade, nas vagas de teletrabalho, a trabalhadores com deficiência e aos que têm filhos de até quatro anos, são considerados positivos pelo PGT. Ele aponta ainda o que considera omissões do texto: a definição de que a estrutura do teletrabalho seja custeada obrigatoriamente pelo empregador e que haja algum tipo de capacitação.

Na avaliação do procurador, as mudanças propostas pelo governo Jair Bolsonaro deveriam ter sido apresentadas por projeto de lei. "Não há nenhuma urgência que justifique a necessidade da efetividade antecipada trazida pela medida provisória."

TELETRABALHO

Na avaliação do advogado Jorge Matsumoto, do Bichara Advogados, o governo parece ter buscado aparar arestas na legislação que trata do teletrabalho, especialmente quanto à caracterização desse modelo.

Segundo o Ministério do Trabalho e Previdência, o teletrabalho não será descaracterizado pela presença do funcionário em atividade presencial. Os empregadores também poderão, se assim quiserem, definir controle de jornada.

Matsumoto diz que a legislação vigente previa a ausência do controle de jornada e tinha um critério objetivo para a caracterização do teletrabalho, que era ser predominantemente realizado em casa. De cinco dias, ele ficava limitado a até dois dias de atividade presencial. Para o advogado, a mudança dá mais flexibilidade para as empresas.

"Não precisa mais ter a predominância [em casa ou presencialmente]. A empresa vai poder definir se controla ou não a jornada", diz. "É uma mudança bem-vinda porque deixa para as partes decidirem como o trabalho vai ser desenvolvido e se haverá ou não controle."

O advogado Alexandre Cardoso, do escritório TozziniFreire, também vê a medida como um detalhamento maior do que já existe na legislação para o formato. O governo diz que a MP também prevê a contratação por tarefa, e não por jornada.

Para o advogado, a única inovação, com base no que o Ministério do Trabalho e Previdência divulgou nesta sexta, é a de que os trabalhadores com deficiência ou que tenham filhos de até quatro anos tenham prioridade nas vagas de teletrabalho.

Para a Força Sindical, do que foi possível saber da medida até agora -o texto ainda não foi publicado- as notícias não são boas para os trabalhadores.

"Pelo que a gente viu, é mais uma medida que prevê decisões unilaterais, a partir apenas da vontade do patrão. Isso é uma coisa grave que se repete a todo momento nesse governo", diz o secretário-geral da central sindical, José Carlos Gonçalves, o Juruna.

Nos casos de declaração de calamidade, por exemplo, a avaliação do dirigente sindical é a de que a medida não considera qualquer tipo de negociação na aplicação de redução de salário, antecipação de férias ou uso de feriados.

Medidas similares a essas foram adotadas em 2020, no início da pandemia, também por meio de medida provisória.