BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A disparada nos preços do petróleo na esteira do conflito entre Rússia e Ucrânia levou o governo Jair Bolsonaro (PL) a discutir internamente e com o Congresso Nacional a possibilidade de segurar temporariamente os reajustes de preços da Petrobras.

Após um lucro recorde de R$ 106,6 bilhões registrado pela companhia em 2021, a avaliação no governo é de que é possível haver uma "colaboração dos acionistas" para minimizar os efeitos da cotação do petróleo sobre o preço nas bombas.

O cálculo também é político. Pré-candidatos ao Planalto, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ex-ministro Ciro Gomes (PDT), têm defendido abertamente um maior controle sobre os preços praticados pela estatal.

Nesse contexto, interlocutores do presidente afirmam que uma contenção temporária de preços agora seria preferível a um tabelamento posterior mais duradouro, caso algum dos adversários de Bolsonaro vença as eleições.

A leitura de auxiliares do chefe do Executivo é que a manutenção da política de paridade internacional de preços da Petrobras fortaleceria candidatos de oposição, ao obrigar a companhia a promover reajustes superiores a 20% nos combustíveis.

Integrantes do governo também admitem a possibilidade de acionar o botão de calamidade se daqui a três meses o conflito não houver cessado —o período é considerado uma janela razoável para se ter uma ideia do rumo da guerra, se terá fim ou uma escalada.

Em caso de acionamento dessa cláusula, o governo teria mais liberdade para ampliar gastos, inclusive por meio de créditos extraordinários (fora do teto), ao mesmo tempo em que ficariam proibidas as concessões de reajustes ao funcionalismo.

Na ala política, há defensores da decretação imediata de calamidade, uma vez que a cotação do barril de petróleo já ultrapassou os US$ 100 em meio à guerra na Europa. Um grupo de ministros acredita que seria possível editar uma medida provisória para criar um fundo de compensação à alta do combustível. A equipe econômica, porém, avalia não ser o momento de recorrer à calamidade, pois é preciso acompanhar os desdobramentos do conflito.

Nesta segunda-feira (7), o presidente chegou a admitir a possibilidade de mudanças na política de preços da Petrobras.

"Tem uma legislação errada feita lá atrás que você tem uma paridade com o preço internacional [dos combustíveis]. Ou seja, o petróleo —o que é tirado do petróleo— leva-se em conta o preço fora do Brasil. Isso não pode continuar acontecendo", disse Bolsonaro, durante entrevista a uma rádio de Roraima.

O presidente também já defendeu a redução do lucro da companhia para conter a alta nos combustíveis.

Auxiliares do chefe do Executivo afirmam que ele é simpático à ideia de segurar temporariamente os reajustes e que, em decorrência disso, é possível que o lucro da Petrobras seja menor este ano.

Um dos projetos de lei em tramitação no Senado Federal sob a relatoria do senador Jean Paul Prates (PT-RN) traz algumas diretrizes para a política de preços internos dos combustíveis, incluindo a redução da volatilidade. O governo não deve se opor à aprovação desse trecho, que daria a base para seguir adiante com a trava temporária.

Técnicos ressaltam, porém, que o texto não é taxativo, e sua adoção dependeria de aprovação pela Petrobras. Nesse sentido, a indicação de Rodolfo Landim para a presidência do Conselho de Administração da estatal é considerada um ativo para avançar na discussão.

Segundo um integrante do governo, a ideia é fazer uma contenção dos preços por alguns meses, para evitar que o excesso de valorização do barril de petróleo —que já passa dos US$ 120— onere demais o bolso dos consumidores. Isso seria razoável porque parte dos custos da estatal se dá em reais, sem impactos das oscilações no mercado internacional.

A expectativa é que, ao fim do conflito, os preços não se manterão nessas cotações. Por isso, não há necessidade de repassar todo e qualquer movimento de preços para as bombas. O congelamento dos reajustes seria uma "condição transitória e de guerra", segundo uma fonte do governo.

A possibilidade representa uma mudança no discurso do governo. No início de 2021, Bolsonaro chegou a dizer que jamais interferiria na companhia.

Em evento no BTG, em 23 de fevereiro, o presidente atrelou a mudança nos preços como algo defendido pelo seu principal adversário político, o ex-presidente Lula (PT).

"O que os senhores achariam se essas medidas fossem implementadas: se revogarmos a autonomia do Banco Central, a reforma trabalhista, se volta o imposto sindical, se reestatizarmos as empresas que foram desestatizadas, se o governo começar a interferir nos preços da Petrobras e da energia, se viermos a fortalecer o MST", disse no evento.

O governo Dilma Rousseff (PT) chegou a ser acusado de usar a Petrobras como ferramenta macroeconômica para controle da inflação. Durante o período da petista, a estatal não repassava os aumentos provenientes da flutuação do preço no exterior, o que gerou críticas sobre o impacto nas contas da empresa.

A intervenção deixou de existir a partir do governo de Michel Temer (MDB), quando o então presidente da Petrobras Pedro Parente implementou a regra de preço atrelado aos valores negociados no exterior.

Na prática, a Petrobras já tem segurado o ritmo dos aumentos nos preços dos combustíveis no governo Bolsonaro. Os últimos reajustes nos preços da gasolina e do diesel foram feitos no dia 12 de janeiro, ou seja, os valores praticados já estão defasados. Dentro do governo há quem cite que a contenção não gerou maiores ruídos no mercado financeiro.

Nos últimos dias, Bolsonaro foi aconselhado por ministros da ala política a apresentar alguma solução. Segundo fontes do governo, o presidente chegou a discutir o problema dos combustíveis com o ministro da Economia, Paulo Guedes, no fim de semana e também na manhã desta segunda-feira.

O chefe da Economia tem evitado falar sobre o assunto, mas não deve ser obstáculo para a proposta de congelar temporariamente os preços praticados pela Petrobras. .

Nos bastidores, a equipe de Guedes tem se posicionado contra ideias que que envolvam o uso de dinheiro do Tesouro Nacional na concessão de subsídios ao preço do diesel e da gasolina.

Em meio à escalada nas cotações do petróleo, outros ministros do governo voltaram à carga com propostas para a União bancar um subsídio usando receitas de dividendos da Petrobras e royalties de petróleo. A ideia seria usar o dinheiro para ressarcir a companhia e outros importadores pelo não repasse dos reajustes, em modelo semelhante ao adotado no governo Temer em 2018 para contornar a greve dos caminhoneiros.

Na avaliação da equipe econômica, a medida poderia gerar uma fatura de R$ 120 bilhões, comprometendo o teto de gastos, a principal âncora fiscal do governo.

Interlocutores da equipe econômica afirmam reservadamente que a missão do governo é defender as contas públicas. Além disso, há integrantes do governo que dizem preferir lidar com as consequências de um congelamento temporário nos preços do que os efeitos adversos de um rombo maior.

Já uma solução estrutural, na avaliação da Economia, depende do aumento da concorrência no mercado de combustíveis (hoje concentrado nas mãos da Petrobras) e da aprovação de um projeto de lei complementar que altera a cobrança do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), para mudar a alíquota atual (um porcentual sobre um valor) para uma cobrança fixa sobre o litro.

O projeto está em tramitação no Senado Federal e deve ser votado nesta semana. Há uma articulação do governo para incluir, em acerto com o Ministério da Economia, a desoneração de PIS/Cofins sobre o diesel. A medida deve drenar R$ 18 bilhões dos cofres públicos e, segundo cálculos internos, teria um impacto de até R$ 0,50 nas bombas.

Para tentar conciliar o texto, o senador Jean Paul Prates enviou uma carta a governadores se colocando à disposição para conversar sobre os projetos.

No documento, o relator avalia que o texto que cria um fundo de compensação "é uma boa solução emergencial e estrutural para o atual e futuros momentos de volatilidade no custo internacional do petróleo, mas que não basta".

Além disso, ressalta não ver a mesma disposição para o diálogo no que diz respeito ao projeto de lei complementar que muda o cálculo do ICMS.