SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Após uma série de adiamentos e a suspensão de uma licitação pelo TCE (Tribunal de Contas do Estado), o governo João Doria (PSDB) desistiu de inaugurar parte da obra do trecho norte do Rodoanel ainda em 2022, a tempo da eleição presidencial que o tucano pretende disputar.

O governo paulista decidiu propor um novo modelo de concessão, que obriga a empresa vencedora a concluir as obras do trecho antes de explorá-lo comercialmente.

Na prática, isso inviabiliza a principal vitrine de legado de mobilidade que o governador pretendia apresentar na campanha eleitoral do ano que vem.

Além do porte do Rodoanel, que circunda a região central da Grande São Paulo e diminui o tráfego de carga nas marginais, a obra se arrasta há mais de 20 anos e virou símbolo de suspeitas de corrupção. O fim da construção beneficiaria não apenas a campanha de Doria ao Palácio do Planalto, mas também uma eventual tentativa de eleição ao Governo de São Paulo do atual vice-governador, Rodrigo Garcia (DEM).

O anel viário começou a sair do papel em 1998, na gestão tucana de Mário Covas, e ainda está incompleto. Falta entregar o Rodoanel Norte, uma das quatro divisões previstas no projeto, que terá ao todo 176 km.

O novo modelo de concessão foi proposto em reunião conjunta dos conselhos do programa de desestatização e do programa de parcerias público-privadas, em 10 de dezembro.

A decisão teve o aval do vice-governador e dos secretários de Logística e Transportes, João Octaviano, e de Projetos, Orçamento e Gestão, Mauro Ricardo.

Com isso, será preparada nova licitação -a previsão é de seja lançada neste segundo semestre. Já o cronograma anterior estabelecia que as obras seriam retomadas neste mês de fevereiro e começariam a ser entregues em agosto de 2022, ainda que a conclusão do trecho completo ficasse apenas para 2023.

"Até dezembro de 2021, a expectativa é assinar o contrato com retomada das obras", afirma Garcia.

No governo, a previsão é a de que parte das obras sejam entregues 12 meses após a assinatura do contrato, e o restante em 24 meses. A estimativa é que o restante da obra custe R$ 1,5 bilhão.

O trecho norte do Rodoanel começou a ser construído em 2013 e tinha previsão inicial para ser entregue em 2016. Quando pronto, terá 44 km de extensão e um acesso ao aeroporto de Guarulhos. Ao todo são seis lotes.

Três deles estão em fase de construção mais avançada e poderiam ser entregues antes, mas o potencial de arrecadação com pedágios está nos outros três lotes. A ideia inicial do governo era inaugurar a obra aos poucos e, até a entrega total, manter os pedágios gratuitos.

A medida, no entanto, traria prejuízo aos cofres públicos, segundo auxiliares de Doria. Isso porque o trecho aberto antes teria desgastes e custos de manutenção que não poderiam ser cobertos pela arrecadação com pedágios do trecho ainda em obras.

"Entendemos que o concessionário tem todo o interesse em terminar as obras e entregá-las à população para poder iniciar a sua operação", afirma o vice-governador.

Nos bastidores, aliados de Doria minimizam a perda eleitoral com a não entrega do Rodoanel Norte até 2022.

Eles afirmam que, se o governador estivesse focado apenas em eleição, determinaria a inauguração mesmo com os prejuízos previstos, mas, como o compromisso é com o estado e as próximas gerações, o legado pode atrasar.

No lugar do Rodoanel, Doria terá um pacote de obras rodoviárias, menores, para apresentar como vitrine. Isso inclui a duplicação da Estrada do M'Boi Mirim e o Programa Novas Vicinais, que irá disponibilizar R$ 700 milhões para recuperar estradas administradas pelos municípios.

Ao longo dos anos, a construção do Rodoanel Norte teve paralisações e pedidos das empreiteiras de mudanças contratuais que encareceram as obras. Em 2018, a obra foi alvo a Operação Pedra no Caminho, da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, que investigou suspeitas de fraudes na construção.

Foram presos à época o ex-secretário de Transportes Laurence Casagrande e o ex-diretor de Engenharia da Dersa (estatal de rodovias) Pedro de Souza. Ambos sempre negaram ter cometido irregularidades.

Os problemas nas obras fizeram o governo a desfazer unilateralmente os contratos com as empreiteiras, o que rendeu uma disputa na câmara de arbitragem, na qual as companhias se dizem prejudicadas e fazem cobranças financeiras ao estado.

Ao mesmo tempo, o estado de São Paulo cobra supostos prejuízos aos cofres públicos causados pelas empresas. O conflito ainda não foi encerrado.

A gestão Doria planejou a retomada da obra do Rodoanel Norte após ter encomendado do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas), órgão ligado ao governo, uma avaliação da situação das obras paradas.

O estudo identificou 59 anomalias graves no trecho paralisado. Com esse laudo nas mãos desde o início de 2020, o governo começou a preparar o lançamento do edital, mas foi atrasado pela pandemia e só publicou a concorrência em setembro passado.

Logo depois, em outubro, o TCE determinou a suspensão da licitação de R$ 1,5 bilhão após questionamentos da Prefeitura de Guarulhos e do senador Major Olímpio (PSL-SP).

Desde 2018, já havia inclusive vencedora de licitação para a operação do Rodoanel Norte, a Ecorodovias. Mas com o novo modelo de concessão, a concorrência foi cancelada.

Procurada, a Ecorodovias afirma que "entende a decisão do Governo do Estado de São Paulo" e "está confiante que haverá novas oportunidades em função do robusto pipeline de privatizações de rodovias tanto dos governos estaduais como federal".

Para a retomada das obras, o governo definiu uma série de medidas para ampliar a transparência e evitar eventuais denúncias de corrupção ou de irregularidades.

Por exemplo, o controle remoto até sobre o deslocamento dos caminhões que trabalharão nos canteiros. A ideia é que todos os veículos, inclusive tratores, tenham chips que permitam o acompanhamento em tempo real.

Além disso, será lançado um site de transparência que permitirá aos usuários acessarem em tempo real o andamento das obras, os seus gastos e ter informações sobre as empresas vencedoras.