BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Parecer jurídico do Ministério da Saúde usado para suspender o contrato com o laboratório indiano Bharat Biotech e a Precisa Medicamentos afirmou que havia motivos, inclusive, para a rescisão definitiva do acordo para a compra da vacina Covaxin.

Ou seja, o governo do presidente Jair Bolsonaro optou pela forma mais branda de ação, mesmo com aval do corpo jurídico para romper definitivamente o negócio sob suspeita.

O ministério anunciou no dia 29 de junho a suspensão do acordo, após descumprimento em sequência das cláusulas do acordo por parte das empresas, em particular a entrega escalonada das 20 milhões de doses previstas no negócio. O valor do contrato é de R$ 1,6 bilhão.

A suspeita de irregularidades envolvendo a compra da vacina indiana Covaxin veio à tona quando o jornal Folha de S.Paulo revelou em 18 de junho o teor do depoimento sigiloso do servidor do Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda ao Ministério Público Federal, que relatou pressão "atípica" para liberar a importação da Covaxin.

Depois da divulgação do depoimento, seu irmão, o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), afirmou que chegou a informar Bolsonaro das supostas irregularidades, em encontro no Palácio do Alvorada.

Segundo o parlamentar, o presidente teria dito que se tratava se um "rolo" do seu líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR).

A suspensão do contrato da Covaxin se deu em meio à grande pressão por causa das suspeitas.

O parecer solicitado para a consultoria jurídica do Ministério da Saúde basicamente questionava se havia elementos para a suspensão temporária do contrato -a medida que foi efetivamente adotada- e também para a rescisão unilateral do instrumento.

"Ante o exposto, considerando o inadimplemento do compromisso assumido pela empresa Bharat Biotech Limited International, representada pela empresa Precisa Comercialização de Medicamentos Ltda, apontado no relatório DEIDT (0020178265) do fiscal do contrato, bem como os riscos apresentados, sugere-se tempestivamente a suspensão ou mesmo a rescisão do instrumento do contrato nº 29/2021", afirma o parecer assinado pela advogada da União Adriele Matos de Santana Santos.

A autora do documento se refere em seu parecer a um relatório elaborado pela fiscal do contrato da Covaxin, a servidora Regina Célia Silva Oliveira.

A servidora foi convocada e prestou depoimento na CPI da Covid na última terça-feira (6), após ter autorizado a continuidade do contrato para a aquisição da imunização, mesmo com indícios de irregularidades.

Senadores da CPI acreditam que a servidora seja ligada a Ricardo Barros, mas ela indicou não ter vínculo político.

O parecer jurídico recomenda medidas relativas ao contrato baseando-se em cinco problemas principais no contrato.

O primeiro deles é o não cumprimento do cronograma de entrega de vacinas, que previa a primeira leva de doses em março e a última em maio. Nenhuma parcela -de 4 milhões de doses- foi efetivamente fornecida.

Além disso, a advogada da União afirma que houve morosidade da empresa na solicitação da autorização de importação e que essa autorização depois foi obtida mediante condições controladas.

O documento também alega que a necessidade do governo em relação à entrega dessas vacinas acabou modificada, uma vez que a administração buscou outras vacinas disponíveis no mercado para suprir a demanda.

Por último, a autora afirmou que a empresa não conseguiu até aquele momento a autorização para uso emergencial da vacina Covaxin pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

"Pois bem, o que se observa dos aspectos da Nota Técnica 967 é que não se está diante apenas de um simples atraso contratual, mas de reiterados descumprimentos pela contratada de obrigações contratuais, somados a isso, a possível ocorrência de desinteresse pela administração de receber as parcelas fora do prazo inicialmente pactuado", afirma o documento.

A respeito da falta de autorização para uso emergencial da Anvisa, a advogada afirma que a cláusula presente no documento não estabelecia um prazo máximo para a sua obtenção. Por outro lado, defende que cabe ao poder público definir até quando seria razoável ou oportuno aguardar.

"Isso porque, a depender da demora, pode-se chegar a uma impossibilidade ou desinteresse de utilização das vacinas", afirma o documento.

O parecer também cita que as "condições controladas impostas pela Anvisa para emitir a autorização de importação traz ônus ao Ministério da Saúde".

A advogada então conclui que as diversas razões apontadas parecem indicar falhas e irregularidades capazes de ensejar a rescisão contratual. Mas ressalva que seriam necessárias avaliações de órgãos técnicos do ministério.

"Acerca da possibilidade de suspensão do contrato, há amparo jurídico tanto na Lei de Licitações, quanto no poder geral de cautela", conclui o parecer.

"Quanto à rescisão, também há amparo jurídico, tanto pelo descumprimento do cronograma de entrega, quanto pela não obtenção da autorização emergencial de uso. Nesse caso, deverá ser aberto procedimento administrativo onde se oportunize contraditório e ampla defesa", completou.

O Ministério da Saúde foi questionado sobre por que optou pela opção mais branda -a suspensão-, em detrimento da rescisão definitiva do contrato, apesar do amparo jurídico e de todos os elementos existentes. A pasta não se manifestou até a publicação deste texto.

O Palácio do Planalto também foi procurado, mas não retornou o contato.