Governo apresenta a líderes proposta para adiar pagamento de precatórios e turbinar Bolsa Família
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segunda-feira, 02 de agosto de 2021
FÁBIO PUPO, BERNARDO CARAM, THIAGO RESENDE, MATEUS VARGAS E WASHINGTON LUIZ
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O governo apresentou a líderes do Congresso uma proposta que dribla a regra do teto de gastos em 2022 ao adiar o pagamento de dívidas reconhecidas pela Justiça para dar espaço a um Bolsa Família turbinado e impulsionar a popularidade do presidente Jair Bolsonaro.
A proposta adia o pagamento de quase metade de dívidas reconhecidas pela Justiça, que teriam de ser pagas em 2022. Atualmente, a demanda projetada para o ano que vem é de R$ 89,1 bilhões um crescimento de 60% em relação ao projetado para 2021.
A ideia do governo é criar uma PEC (proposta de emenda à Constituição) com um aval para que o pagamento dos precatórios possa ser parcelado em até dez anos, o que geraria uma folga no espaço orçamentário de 2022 para outras ações. Apesar de ainda esperarem os detalhes do texto, economistas criticam a ideia.
De acordo com integrantes do governo, a PEC vai servir para que o espaço do teto de gastos não seja inteiramente consumido pelo crescimento dos precatórios. Um instrumento à parte, uma MP (medida provisória), vai definir o formato do novo Bolsa Família.
O novo programa social vem sendo desenhado na equipe econômica para ter um valor próximo a R$ 300.
A proposta do governo também cria um fundo com ativos de estatais e imóveis da União. A ideia da equipe econômica é inserir recursos oriundos de dividendos e venda de ações para expandir a área social e fazer outros gastos. A medida também pode aliviar a regra do teto porque prevê pagamentos diretos por fora da regra.
A proposta foi discutida pelo titular da área econômica Paulo Guedes com os ministros Ciro Nogueira (Casa Civil) e Flávia Arruda (Secretaria de Governo) e com os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Após o encontro, o ministro da Cidadania, João Roma, disse que a reestruturação do Bolsa Família ocorrerá por meio de MP e não tratará de valores. O texto, segundo Roma, deve ser entregue ao Congresso ainda nesta semana.
A discussão é acerca de uma modulação, acerca dos precatórios. De alguma forma, isso impacta o Orçamento do próximo ano, que por sua vez poderia impactar no programa social, mas o programa social não visa de forma nenhuma sair do teto.
Pacheco afirmou que foram discutidas alternativas para se compatibilizar o pagamento de precatórios pela União e um programa social que atenda a população vulnerável "com a responsabilidade fiscal necessária".
"Envidaremos os esforços para essa solução, com especial destaque ao fato de que a população carente precisa ser assistida com uma renda mínima que minimize a fome e a miséria no Brasil", afirmou em rede social.
De acordo com técnicos que participam da formulação do texto, o primeiro eixo da proposta terá como alvo os chamados superprecatórios, dívidas judiciais do governo com valores acima de R$ 66 milhões (60 mil salários mínimos).
A medida deve prever um alongamento desses débitos, com pagamento de entrada e parcelamento em nove anos. Esse ponto traria um alívio de aproximadamente R$ 20 bilhões aos cofres do Tesouro Nacional em 2022.
Cálculo interno do Ministério da Economia aponta que os precatórios com valor superior a R$ 66 milhões, que serão alvo do parcelamento, representam 3% do total desses passivos.
Outro mecanismo estabelece que o gasto total do governo com precatórios será limitado a 2,6% da receita corrente líquida anual (somatório da arrecadação tributária, deduzidas as transferências constitucionais). O potencial de economia com esse dispositivo ultrapassa R$ 20 bilhões.
O texto ainda estabelece um sistema especial para dívidas entre entes da federação. Se um estado, por exemplo, tem um precatório a receber do governo federal, ele poderá usar esse valor para abater outra dívida com a União.
Segundo fonte da pasta, uma das versões formuladas da PEC previa que o governo pagasse de imediato os precatórios com valor de até R$ 66 mil, o que reduziria o impacto da medida sobre pessoas que não possuem renda alta. Ainda havia dúvidas se o dispositivo estaria na versão final do texto.
O analista do Senado e especialista em contas públicas Leonardo Ribeiro discorda da proposta do time de Guedes. Para ele, a medida sinaliza que o governo não pretende honrar suas dívidas e pode ser lida como uma espécie de calote.
Cumprir o teto dessa forma, criando espaço fiscal para um novo programa social, é uma medida fiscalmente irresponsável, disse.
Na avaliação do economista, o parcelamento de precatórios faz sentido apenas para estados e municípios quando há forte dificuldade em caixa para manter a prestação de serviços públicos básicos.
A União pode emitir dívida, via emissão de títulos públicos no mercado, para pagar os precatórios em vez de dar calote, afirmou, ressaltando que os governos regionais não têm essa prerrogativa.
O economista Marcos Mendes, um dos pais do teto de gastos e colunista da Folha, diz considerar a proposta de adiamento dos precatórios equivocada por vários motivos. Já tentaram isso antes e houve uma reação muito grande porque disseram que seria calote e pedalada. É empurrar despesa para a frente, é um artificio que você está usando para burlar a regra do teto, disse.
Mendes afirma que o governo não está sendo surpreendido por uma conta que apareceu de repente porque vários órgãos, como a AGU (Advocacia-Geral da União) e a PGFN (Procuradoria-geral da Fazenda Nacional), fazem o acompanhamento de decisões judiciais contra o governo.
Mendes diz que a medida não resolve o problema fiscal, apenas posterga as dívidas, e que o país vai pagar mais caro pelas sentenças judiciais graças à correção monetária. Além disso, há margem para contestações judiciais. Em sua visão, a proposta se soma a outra medida em discussão que afeta as contas públicas a reforma tributária, que tira pelo menos R$ 30 bilhões dos cofres públicos anualmente (e também viabiliza juridicamente o Bolsa Família).
Tudo isso com objetivo claro de aumentar despesa em ano eleitoral. Tem um discurso otimista de que vão cumprir o teto, quando estão empurrando despesas para outros anos, afirma.
Caio Megale, economista-chefe da XP, pondera que o nível de precatórios já está elevado e considera que a proposta pode ser discutida. "Do ponto de vista legal, não tem dúvida. Tem que ser pago e ponto. [Mas] faz sentido debater", afirma.
Ele afirma, no entanto, que a flexibilização deve ficar restrita somente aos precatórios que cresceram em relação a 2021 e que, caso o texto vá além disso, a credibilidade da proposta ficará comprometida.
De qualquer forma, ele considera arriscado lançar a proposta em um ambiente de proximidade do calendário eleitoral. O maior receio é que o texto seja flexibilizado durante a tramitação no Congresso e abra mais brechas para gastos.
"A gente está num momento particularmente delicado para essa discussão. Acho que pode existir uma discussão mais aberta e fora de hora sobre flexibilizar o arcabouço fiscal", afirma ele.
A proposta agora colocada à mesa de negociação por Guedes já foi apresentada e descartada em 2020 após reações negativas do mercado.
Em setembro do ano passado, após reunião com o presidente Jair Bolsonaro e Guedes, parlamentares apresentaram o plano de limitar o pagamento de precatórios. A sobra de recursos seria usada para bancar um programa social mais robusto do que o Bolsa Família.
O anúncio gerou uma onda de críticas de especialistas e criou uma disputa de versões, com parlamentares e membros da equipe econômica alegando que não eram os autores da ideia.
O plano acabou descartado. Guedes passou a dizer que defendia a revisão dos precatórios, conta que crescia fortemente. Ele negava, no entanto, que a medida seria vinculada ao novo programa social.
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ENTENDA
O que são precatórios?
O precatório é emitido no caso de condenações da Justiça contra o Estado em valores acima de 60 salários mínimos (ou seja, R$ 66 mil).
O que são RPVs?
As RPV (requisições de pequeno valor) são condenações abaixo desse limite.
Hoje, quando esse pagamento deve ser feito?
Os precatórios devem ser quitados até o final do exercício seguinte à sua expedição. No caso da RPV, esse prazo é de até 60 dias após a expedição da requisição de pagamento
O que o governo planeja fazer?
Adiar esses pagamentos. No caso dos RPVs, a execução é mantida. Mas os precatórios seriam parcelados em até 10 anos.
Qual o objetivo?
Abrir espaço no teto de gastos para turbinar o Bolsa Família em 2022. O teto impede o crescimento real das despesas do governo.
O projeto resolve o problema fiscal?
Não, apenas joga a despesa para anos seguintes.
Qual o valor total de precatórios previsto para 2022?
Serão R$ 69,2 bi de precatórios e mais R$ 19,8 bi de RPVs, totalizando R$ 89,1 bi
Se a proposta do governo for aprovada, qual o valor postergado?
Caso a ideia vá adiante, a estimativa é que R$ 41,3 bi serão adiados (o equivalente a 46% do total previsto)