BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O general Carlos Alberto Santos Cruz, ex-ministro de Jair Bolsonaro, filiou-se nesta quinta-feira (25) ao Podemos, em evento ao lado do ex-juiz Sergio Moro.

Durante o discurso, o general afirmou que não se pode criminalizar a política e que há pessoas boas nesta classe, repetindo algo que o próprio Moro tem dito.

A fala constitui uma inflexão, já que, quando comandou a Secretaria de Governo de Bolsonaro, por seis meses, Santos Cruz foi fortemente criticado no Congresso por entraves no diálogo com parlamentares. A pasta era uma das responsáveis pela articulação política com o Parlamento.

Neste ano, em entrevista à Folha, o militar avaliou que houve compra de apoios políticos do centrão, hoje base de Bolsonaro, por meio de emendas parlamentares e que essas alianças não seriam consistentes.

O general é o primeiro ex-integrante do atual governo a apoiar abertamente o ex-magistrado. Nesta quinta, o general afirmou que acredita "na pessoa e no projeto do doutor Sergio Moro", mas também disse que não se buscar um "salvador da pátria".

Durante a filiação, que ocorreu em Brasília e teve participação de dirigentes do Podemis, Santos Cruz não afirmou a qual cargo concorrerá. Nos bastidores, porém, o Podemos considera lançar o ex-ministro à disputa pelo Senado pelo Distrito Federal ou Rio de Janeiro.

O gesto é simbólico já que busca demonstrar apoio de generais que uma vez estiveram ao lado do atual presidente da República e que são parcela considerada relevante do eleitorado bolsonarista.

Santos Cruz foi demitido por Bolsonaro em junho de 2019 após divergências a respeito da comunicação do governo. Ele foi o terceiro ministro a deixar a gestão do presidente. Antes dele, saíram o ex-ministro Gustavo Bebianno (Secretaria Geral da Presidência) e Ricardo Veléz (Educação).

O general teve embates com os filhos do presidente, em especial o vereador Carlos Bolsonaro, e também com com o escritor Olavo de Carvalho.

Desde que deixou o governo, o general tornou-se um crítico da gestão Bolsonaro. O militar já disse ser uma "ameaça absurda" as falas do presidente de que poderia não haver eleição no Brasil em 2022 caso não fosse adotado o voto impresso, em julho deste ano.

Santos Cruz também afirmou ter se sentido envergonhado pela decisão do Exército de não punir o ex-ministro Eduardo Pazuello (Saúde) por ter participado de ato político ao lado de Bolsonaro.

Como ele, Sergio Moro deixou o governo em abril do ano passado e disparou críticas ao presidente, acusando-o de ter tentado interferir na Polícia Federal.

Nesta quinta, Moro enalteceu a figura de Santos Cruz e afirmou que ele não estava na filiação representando as Forças Armadas.

"Ele não está representando as Forças Armadas. Temos de separar as pessoas das instituições. (...) Mas ele carrega a credibilidade de uma carreira militar e do serviço cível em prol do país", afirmou Moro.

O ex-juiz também avaliou que Santos Cruz demonstrou caráter ao deixar o governo Bolsonaro quando percebeu que "o objetivo era atender a interesses pessoais" do mandatário e que é preciso "superar a separação entre militares e civis".

Após a fala de Moro, Santos Cruz justificou a decisão de se filiar à vontade de ter "maior participação na vida pública e nos problemas nacionais".

"A política nao pode ser criminalizada. A política é a única ferramenta, forma de mudar a realidade, aquilo que se acha prblemático na sociedade. As solucões tem que aparecer dentro do processo politico. A única forma de melhorar a vida dos brasileiros é participando da política", afirmou.

"Existem políticos de boa qualidade. Não se pode discriminar a politica de um modo geral."

O general defendeu o fim da reeleição, dos privilégios e disse que não se pode fazer campanha baseada no fanatismo. O militar ainda comentou que o governante deve ser "liberal na economia", mas preocupado com causas sociais e que deve governar para todos os brasileiros, mesmo de oposição.

"O Brasil não pode continuar acreditando e procurando um salvador da pátria. Tem que ser uma busca de solucções através de um prrojeto de Brasil, e não de um salvador da pátria", disse Santos Cruz.

Durante o evento, tanto Moro como o senador Álvaro Dias (PR) afirmaram que o general estava em "missão de paz" ao ingressar na política e lembraram da trajetória dele no Exército.

Nascido no Rio Grande do Sul, Santos Cruz entrou no Exército aos 15 anos, e chefiou missões de paz no Congo e no Haiti.

Antes de entrar no governo Bolsonaro, foi secretário de Segurança do Ministério da Justiça no governo Michel Temer (MDB).

Santos Cruz entrou no Podemos a convite de Moro e Renata Abreu, presidente do partido, mas afirmou ter sido convidado por outras siglas também.

Moro defendeu nesta quinta um projeto com político baseado em "ideias". "com objetivos a serem traçaados com especialistas e a população brasileiria e acima de tudo com pessoas de credibilidade", afirmou.

O ex-juiz coloca-se hoje como uma das opções à terceira via, tentando furar a polarização entre Bolsonaro e Lula. Em 2021, o Supremo considerou Moro parcial nos processos contra Lula. Com isso, foram anuladas ações dos casos tríplex, sítio de Atibaia e Instituto Lula pela Lava Jato. Esta é uma das razões pela qual Moro é rejeitado pela classe política.

Em entrevista à Bloomberg, na quinta-feira passada (17), Moro confirmou manter conversas com PSDB, MDB e União Brasil (fusão do DEM com o PSL, ainda pendente de aprovação pela Justiça Eleitoral) e mandou sinais, inclusive, ao centrão, afirmando que não se pode generalizar e que "existem partidos e pessoas no centrão que são pessoas boas".

Em seu discurso de filiação ao Podemos, porém, Moro pouco fez para tentar compor com os políticos que integram esses grupos. Ao contrário, reuniu em uma frase um ataque direto a todos eles: "Chega de corrupção, chega de mensalão [PT e centrão envolvidos], chega de petrolão [PT e centrão envolvidos], chega de 'rachadinha' [Bolsonaro]", disse, de acordo com o discurso que lia no teleprompter.