SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Insônia, medo e uma sensação de não reconhecer o país têm marcado os dias da youtuber russa Olga Kovalenko, que vive há três anos no Brasil.

Com um canal que tinha quase 600 mil seguidores até a tarde desta terça-feira (15), ela costumava postar vídeos sobre a cultura de seu país e as diferenças em relação ao Brasil, em uma linguagem bem-humorada de "gringa russa", como dizem os títulos de alguns de seus vídeos.

Desde 24 de fevereiro, porém, com a invasão de tropas russas na Ucrânia, a pauta do canal Olga do Brasil obviamente mudou. E, se no início eram os bombardeios e as imagens de destruição que mais afligiam, uma preocupação se somou nos últimos dias: a censura.

Nas últimas semanas, o governo de Vladimir Putin já baniu veículos independentes e aprovou uma lei que prevê até 15 anos de prisão a quem divulgar "informações falsas" sobre o que é chamado por Moscou de "operação militar especial" —eufemismo para a palavra guerra.

Com receio de que a norma pudesse ser usada para qualquer um que falasse verdades sobre o conflito que soassem inconvenientes para o Kremlin, alguns veículos chegaram a se retirar do país.

Em vídeo publicado na segunda, com mais de 250 mil visualizações em pouco mais de um dia, Olga narrou o clima de medo e censura em seu país e o receio de sua família de que ela seja vítima da guerra de informações.

"Alguns dias atrás meus tios receberam uma visita [de um] oficial do governo perguntando sobre alguns documentos da minha mãe e meus. Quando minha mãe soube, ela me ligou em pânico imediatamente, literalmente gritando no celular que eu preciso parar tudo o que eu faço, deletar todos os vídeos e parar de falar com qualquer pessoa sobre esse assunto, de falar que eu sou da Rússia", relatou.

"Ela chorou muito e está muito assustada, porque ninguém sabe nada, se foi só uma coincidência, se foi uma ameaça."

A reportagem procurou na manhã desta quinta-feira (17) a Embaixada da Rússia para indagar sobre o caráter da visita ao familiar da youtuber. O texto será atualizado se e quando a resposta chegar.

À Folha de .Paulo Olga diz que não dá para saber mesmo o caráter dessa visita —alguns de seus conhecidos que moram na Rússia disseram que ela pode mesmo não ter relação com sua atividade. Mas a mera possibilidade disso a assusta.

"O papel destruidor da guerra não é só sobre as casas. A destruição é também mental e psíquica", afirma.

Ela narra como sentiu medo no momento em que as luzes se apagavam durante um show em São Paulo, como se pudessem aproveitar para agredi-la. Era algo irracional, ela sabe, mas há uma explicação. "Na Rússia tem uma expressão que não sei bem traduzir [para o português], que fala de um medo animal, um medo sem fator claro, algo que você sente na pele."

Ela diz que a guerra mexeu com o moral do povo russo. "Sempre nos vemos como um povo que libertou a Europa do nazismo, que trouxe a paz. Não há palavras para descrever o que é acordar agora e ver que o governo está fazendo algo que nunca imaginaríamos que pudesse acontecer."