<p>BRUXELAS, BÉLGICA (FOLHAPRESS) - O fechamento de escolas públicas durante a pandemia de coronavírus em 2020 derrubou em 72,5% o aprendizado esperado e mais que triplicou o risco de evasão escolar, mostram mais de 8 milhões de dados de estudantes da rede estadual paulista.

</p><p>As perdas de aprendizagem são semelhantes às documentadas em países desenvolvidos, "mas o aumento dramático do risco de abandono escolar é exclusivo de países em desenvolvimento”, afirmam os pesquisadores Guilherme Lichand, Carlos Alberto Dória e Onicio Leal Neto, da Universidade de Zurique, e João Cossi, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

</p><p>“São impactos massivos, que podem ter efeitos duradouros sobre o emprego, a produtividade e os níveis de pobreza do país”, dizem os autores do trabalho, uma parceria entre o BID a Seduc (Secretaria da Educação de SP).

</p><p>A análise recém-concluída é a mais ampla e mais precisa já feita no Brasil. Diferentemente de outros estudos que já mostraram perda de aprendizado durante a pandemia, o novo estudo usa técnicas estatísticas para isolar apenas o efeito de manter escolas fechadas —separando-o do de outros fenômenos, como a piora na saúde e na economia, que também afetam os alunos.

</p><p>O risco de abandono, por exemplo, cresceu 365% durante o período em que as escolas ficaram fechadas. "Limpando" o efeito de outros fatores, como a própria pandemia, a falta de aulas presenciais fez esse risco médio crescer no mínimo 247% (ou seja, mais que triplicar), mesmo em cidades em que a pandemia foi mais leve.&#8203;

</p><p>Olhando série por série, o risco quadruplicou em todos os anos escolares menos no último ano do Ensino Médio.

</p><p>"Os resultados mostram que reabrir escolas é imperativo. Além disso, é preciso superar a discussão binária —fecha ou abre— e começar a discutir como retomar as aulas presidenciais. A reabertura com protocolos de segurança é urgente para evitar que os custos cresçam ainda mais”, afirma o economista Guilherme Lichand, professor da universidade suíça e coordenador do estudo.

</p><p>Decisão tomada em dezenas de países do mundo no primeiro semestre do ano passado, o fechamento das escolas foi uma reação ao que se sabia —ou se supunha— naquele momento: que aulas presenciais promoveriam o contágio do coronavírus, agravando o caos hospitalar provocado pela pandemia.

</p><p>Suspender os contatos entre estudantes, professores e funcionários, portanto, reduziria o custo para a saúde, afirmavam governantes e cientistas.

</p><p>Mas, para se justificar como medida de política pública, a decisão precisava também medir o impacto sobre o aprendizado dos alunos, para poder comparar os dois custos —e verificar se o suposto benefício sanitário compensa o dano educacional, com base em evidências.

</p><p>O problema é que esse custo é muito mais difícil de medir na educação que em outros setores. “Desde o primeiro dia houve um debate sobre como reabrir montadoras, lojas, bares ou restaurantes, porque dá para materializar os prejuízos”, compara Lichand.

</p><p>No caso das empresas, fala-se em número de empregos, massa salarial, perda de faturamento, enquanto na educação “se aprofundava um drama silencioso, invisível”.

</p><p>Passado um ano, a equipe de Lichand mostra que havia enganos nos dois lados da equação: de um lado, escolas fechadas ajudam menos a controlar a pandemia do que se pensava; de outro, prejudicam gravemente a educação pública ao elevar o abandono escolar, além de reduzir o aprendizado.

</p><p>Isso acontece porque em países em desenvolvimento, como o Brasil, coexistem dois fenômenos. O primeiro é que medidas de restrição contra contágio, quando aplicadas, não conseguiram conter significativamente a mobilidade. Nesse cenário, a ida dos estudantes à escola não faz diferença, mostrou comparação (com controles estatísticos) entre cidades paulistas que reabriram com as que ficaram fechadas.

</p><p>O segundo fenômeno encontrado em nações como o Brasil é a falta de boas condições para que os alunos mantenham o aprendizado com o ensino remoto. Mesmo onde as secretarias de educação reagiram rapidamente para produzir material, treinar professores e motivar o engajamento dos estudantes, muitas crianças e jovens não tinham equipamentos ou locais de estudo adequados, entre outras restrições.

</p><p>“Os custos sociais do fechamento das escolas, que já seriam altos por causa do impacto emocional, do aumento do trabalho infantil e da exposição à violência, é enorme do ponto de vista do aprendizado e supera os custos de saúde”, concluem os pesquisadores.

</p><p>Os dados dos estudantes mostraram que a falta de aulas presenciais reduziu no mínimo 60% do aprendizado esperado (no 3º ano do Ensino Médio), e foi particularmente danosa para os alunos do 2º ano do Ensino Médio: o desempenho desse grupo ao final de 2020 foi mais baixo que no primeiro trimestre, ou seja, eles regrediram em aprendizagem.

</p><p>Segundo eles, o estudo se aplica a regiões semelhantes porque a reação do estado de São Paulo à pandemia foi típica: fechou escolas a partir de 16 de março de 2020 e não as reabriu pelo menos até setembro, quando algumas retomaram atividades especiais (como reforço escolar, por exemplo).

</p><p>Estratégias de aprendizagem remota foram lançadas a partir de abril, fortemente baseadas na transmissão de conteúdo na televisão aberta. A resposta educacional paulista teve qualidade avaliada como mediana em relação ao país.

</p><p>Como em alguns municípios o Ensino Médio retomou as aulas presenciais em novembro de 2020, o trabalho também comparou o resultado nos testes de estudantes dessas cidades com o dos que só seguiram o ensino remoto: as notas dos que voltaram às classes escolares foi 20% superior às dos outros.

</p><p>Usando todos os controles e cuidados estatísticos, isso significa que esse um mês de aula presencial reduziu em 7% o impacto educacional das escolas fechadas, um resultado considerado expressivo por especialistas a quem versão preliminar do estudo foi apresentado nesta terça (27).

</p><p>Por outro lado, diz Lichand, o recuo do aprendizado foi tão forte que mesmo esses estudantes continuam com muita defasagem: deixaram de aprender &#8532; do que seria esperado entre o primeiro e o último trimestre de 2020, enquanto os que não voltaram à escola perderam ¾ do aprendizado esperado.

</p><p>O pesquisador diz que é difícil estimar quanto tempo levará para recuperar o atraso, porque uma boa gestão do ensino público pode permitir o chamado “leapfrogging” —quando inovações permitem dar um grande salto à frente, “queimando” etapas intermediárias.

</p><p>Parte do prejuízo causado até agora será irrecuperável, porém, segundo Lichand: “Grande parte dos alunos com alto risco de abandono escolar não retomará os estudos”. Nas contas do Banco Mundial, em todo o mundo ao menos 7 milhões de alunos não estarão mais na escola quando as aulas presenciais retornarem —mais de 1,6 bilhão de crianças ficou fora da escola por muitas semanas em 2020.

</p><p>No caso brasileiro —e de outros países menos ricos—, além do impacto sobre a aprendizagem o fechamento de escolas prejudica o desenvolvimento infantil por outros caminhos, como a desnutrição e a fome (muitos alunos dependem das merendas) e a maior exposição à violência e a impactos na saúde mental, afirmam os pesquisadores.

</p><p>Lichand nota também que as perdas educacionais foram distribuídas de forma desigual. O risco de abandono foi maior para meninas que para meninos, para não brancos que para brancos e para estudantes de regiões de menor renda.

</p><p>A defasagem no aprendizado foi semelhante entre os dois sexos, mas atingiu mais os não brancos e as regiões mais pobres, “potencialmente aumentando desigualdades já existentes”.

</p><p>Os dados mostram também que estudantes que já tinham aulas online antes da pandemia foram menos prejudicados pelo fechamento das escolas, tanto no risco de abandono quanto na perda de aprendizagem.

</p><p>Neste ano, para ajudar a calibrar melhor as decisões enquanto a pandemia ainda subsiste, o grupo de Lichand deve fazer estudos mais detalhados medindo o impacto sanitário de diferentes níveis de aulas presenciais. Os trabalhos serão capazes também de rastrear com precisão se estudantes de volta às escolas trazem riscos de contágio a suas famílias e à comunidade escolar.

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</p><p>COMO FOI FEITO O ESTUDO

</p><p>- Entraram no estudo 4.719.696 observações para estudantes do 6º ao 9º ano do Fundamental e 3.791.024 para alunos do 1º ao 3º ano do Ensino Médio da rede estadual paulista;

</p><p>- Foram analisados dados trimestrais de assiduidade dos alunos, notas de boletim em matemática e português e pontuações de testes padronizados, em 2019 e 2020;

</p><p>- Para medir o risco de abandono, foram comparados os números de alunos sem notas de boletim em matemática e em português ao final de cada um dos anos. Essa opção foi usada porque muitas secretarias de educação no Brasil reinscreveram os alunos automaticamente no início de 2021;

</p><p>- Para calcular a perda de aprendizado foram comparadas as evoluções entre os testes feitos ao final do 1º e do 4º trimestre de cada ano;

</p><p>- A rede paulista tinha boas condições para o estudo porque manteve parâmetros homogêneos nos dois anos: em 2019, os testes padronizados no final dos 1º e 4º trimestre foram presenciais e as aulas nesses nove meses foram normais; no ano passado, todos os testes foram remotos e as escolas se mantiveram fechadas nos nove meses entre o final do 1º trimestre e do 4º trimestre;

</p><p>- O estudo comparou os resultados nas mesmas séries, para manter as características dos exames e também evitar interferência da mudança de professor;

</p><p>- A pesquisa tomou o cuidado de evitar um viés chamado de “selective attrition”: o fato de que o perfil dos estudantes que tendem a fazer os testes é diferente. Com bases em dados individuais (mas não identificados) dos alunos, eles previram a probabilidade de realizar os exames e compararam os que tinham perfis semelhantes;

</p><p>- Técnicas estatísticas foram usadas também para descontar impactos que pudessem ter atingido toda uma escola, por exemplo, afetando seus estudantes;

</p><p>- Como a pandemia também piorou ao longo de 2020, os autores fizeram cálculos para apurar se havia ligação entre a situação sanitária dos municípios e os resultados educacionais. A hipótese foi descartada.</p>