RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - Oito meses após ter vivido a operação mais letal da história do Rio, o Jacarezinho acordou com agentes das polícias Civil e Militar nas ruas.

Localizada na zona norte carioca, a favela é a primeira comunidade a ser ocupada pelo Programa Cidade Integrada, iniciativa que, segundo o governo estadual, levará políticas sociais, urbanização e segurança pública às favelas do Rio.

A operação desta quarta (19) conta com 1.200 policiais, 400 da Polícia Civil e 800 da PM. Os agentes cumprem 42 mandados de prisão e 14 de busca e apreensão. Uma pessoa já foi presa. Segundo a PM, comunidades do entorno, como Manguinhos, Bandeira II e Conjunto Morar Carioca, também foram ocupadas.

Nas redes sociais, o governador Cláudio Castro (PL) disse que o planejamento do programa durou meses e que ele levará dignidade às pessoas.

"Damos início a um grande processo de transformação das comunidades do estado do Rio. Foram meses elaborando um programa que mude a vida da população levando dignidade e oportunidade. As operações de hoje são apenas o começo dessa mudança que vai muito além da segurança", disse ele, acrescentando que dará mais detalhes sobre a iniciativa no sábado.

Na manhã desta quarta-feira, o prefeito Eduardo Paes (PSD) afirmou, porém, que não houve articulação com a prefeitura. "Fui informado ontem no fim do dia pelo próprio governador. O que não houve foi planejamento prévio com prefeitura. E ressalto que apoio a iniciativa e trabalharemos juntos pelo bem de nossa gente. Só tem é que ter segurança pública."

Para Maria Isabel Couto, diretora de programas do Instituto Fogo Cruzado, a falta de diálogo entre a prefeitura e o governo estadual é grave. "Isso é sintomático para um plano que diz ter a ambição de integrar bairros da cidade do Rio através de programas da Prefeitura", diz ela, acrescentando que a sociedade não foi informada sobre os planos do governo.

"Não houve nem diálogo, nem simples explicação. Até agora o que sabemos é que o Jacarezinho está ocupado pelo Bope. Sem nenhuma explicação do porquê e do que acontecerá depois."

Daniel Hirata, coordenador do Geni-UFF (Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense), faz coro a essa avaliação. Para ele, faltou diálogo com a sociedade civil e com a própria comunidade.

"Fazer uma ocupação dessa maneira em um lugar onde ano passado foi realizada a operação mais letal do Rio não aparece um bom caminho para buscar laços de confiança com a comunidade e com a sociedade civil de maneira geral", diz o pesquisador.

Em maio de 2021, uma operação na comunidade que contou com cerca de 200 agentes terminou com 28 pessoas mortas, 27 civis e um policial.

O especialista acrescenta ainda que seria fundamental dialogar com lideranças locais sobre o projeto. "Nada disso foi feito. O que nós tivemos foi uma ação de surpresa em uma comunidade completamente traumatizada pela operação do ano passado."

Hirata lembra que as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) custaram caro aos cofres públicos, o que levanta a questão sobre a viabilidade do Cidade Integrada.

"A gente não sabe a sustentabilidade financeira desse projeto ao longo dos anos. Aparentemente, há alguma folga orçamentária pela venda da Cedae, mas tem a questão sobre se o estado vai se manter no regime de recuperação fiscal", diz o especialista. "Será que agora é hora de iniciar uma ocupação sem saber se terá recursos para isso?"

O programa faz os cariocas lembrarem das UPPs, projeto que prometia pacificar as favelas do Rio de Janeiro, mas que naufragou ao longo dos anos. Hoje, as comunidades que foram ocupadas pelo programa voltaram a conviver com a insegurança.

"As UPPs tiveram erros e acertos. É possível aprender com o que foi feito de errado. Isso passa primeiro por ouvir as pessoas", diz Maria Isabel Couto, do Instituto Fogo Cruzado.

A reportagem entrou em contato com o governo do estado, mas não teve resposta até o fechamento desta matéria.