SÃO PAULO, SP, E BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O ex-presidente da Funai (Fundação Nacional do Índio) Sydney Possuelo devolveu a Medalha do Mérito Indigenista que recebeu há cerca de 35 anos ao Ministério da Justiça.

A decisão ocorreu como forma de protesto após o presidente Jair Bolsonaro (PL) receber a mesma homenagem na quarta-feira (16).

Ele enviou a medalha junto com uma carta na qual afirma ter sentido "imensa surpresa e natural espanto" ao descobrir que Bolsonaro havia sido condecorado.

No texto, Possuelo relembra que Bolsonaro é conhecido por se opor a pautas indígenas e citou frase do presidente dita quando era deputado. "A cavalaria brasileira foi muito incompetente. Competente, sim, foi a cavalaria norte-americana, que dizimou seus índios no passado e hoje em dia não tem esse problema no país'.'

Ainda segundo a carta, ao entregar a medalha a Bolsonaro, a homenagem "perdeu toda a razão pela qual, em 1972, foi criada".

O indigenista, reconhecido internacionalmente pelos trabalhos de aproximação com povos isolados, afirmou ainda que a concessão da medalha a Bolsonaro é "um flagrante, descomunal, ostensiva contradição em relação a tudo que vivi".

Sertanista, Sydney Possuelo atuou com os irmãos Villas Boas. Ele viveu por várias décadas nas florestas brasileiras e participou do contato com diversos povos indígenas.

Um dos principais responsáveis pela demarcação das terras Yanomamis, Sydney hoje é contrário ao contato com os poucos povos indígenas que ainda vivem isolados na Amazônia.

A medalha é entregue como forma de homenagear pessoas que se destacaram na proteção ou na promoção dos direitos dos povos indígenas.

O ministro da Justiça, Anderson Torres, concedeu na quarta-feira a Medalha do Mérito Indigenista a Bolsonaro.

A homenagem foi dada no momento em que o presidente usa a guerra entre Ucrânia e Rússia como pretexto para pressionar pela aprovação de projeto de lei que libera o garimpo em terras indígenas.

O ministro Torres também entregou a si próprio a medalha. Também receberam o mesmo agrado outros nove ministros, entre eles Braga Netto (Defesa), Tereza Cristina (Agricultura), Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) e Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional).

Embora o presidente tenha histórico de criticar demarcações de terras indígenas, segundo publicação feita no Diário Oficial, a medalha foi concedida "como reconhecimento pelos serviços relevantes em caráter altruísticos, relacionados com o bem-estar, a proteção e a defesa das comunidades indígenas".

Desde o início de seu mandato, Bolsonaro defende a possibilidade de mineração em terra indígena. Em abril de 2019, por exemplo, recebeu, em uma transmissão ao vivo, um grupo de indígenas que reivindicava o direito de explorar suas reservas. As associações mais amplas, estruturadas e representativas dos indígenas são contrárias ao projeto.

Cumprindo promessas e indicativos que deu durante a campanha eleitoral de 2018 e em boa parte de sua carreira política, Bolsonaro ampliou de forma expressiva em seus dois primeiros anos de governo um processo de desmonte e esvaziamento dos órgãos responsáveis por cuidar do meio ambiente e das questões indígena e agrária.

Deputados e representantes de povos indígenas criticaram a concessão da honraria ao presidente Jair Bolsonaro.

Sonia Guajajara, coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, afirmou que "se já não bastasse todos os retrocessos que estamos enfrentando, mais uma vez esse des-governo truculento acaba de criar mais um, uma medalha ao mérito a Jair Messias Bolsonaro e aliados, por seus 'relevantes' serviços aos povos indígenas. Absurdo!".

Marília Arraes (PT-PE) afirmou que "virou deboche". Segundo ela, "Bolsonaro, já foi denunciado por promover genocídio indígena por entidades ligadas aos direitos dos povos indígenas".