SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Um desastre climático faz vítimas desde o seu início. Ruas e casas destruídas, cotidiano parado e vidas perdidas. Mas o impacto vai além, com os sobreviventes tendo que lidar com problemas financeiros e mentais. E poderiam as consequências ir mais longe ainda? Sim, segundo um estudo recente. Eventos climáticos extremos podem acelerar o envelhecimento, pelo menos em nossos "primos" macacos-rhesus.

Uma pesquisa publicada na revista científica PNAS (Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America) aponta que nesses animais um furacão de grandes proporções levou a um envelhecimento de quase dois anos (1,96, mais especificamente), o que em uma escala de vida humana significaria cerca de sete ou oito anos a mais.

A publicação ocorreu no último dia 7. Uma semana depois, toda a devastação e os problemas posteriores envolvidos em um desastre climático foram materializados em imagens no temporal que castigou Petrópolis, no Rio de Janeiro, e tirou a vida de mais de 180 pessoas até o momento, com mais de 100 ainda desaparecidas.

Segundo os pesquisadores, já há documentação de que sobreviventes de eventos extremos têm maior incidência de problemas cardiovasculares e inflamação crônica. O estudo aponta que o envelhecimento imunológico prematuro pode ser o mecanismo pelo qual desastres se tornam doenças.

"Ao mesmo tempo em que todos envelhecem, nem todo mundo envelhece no mesmo ritmo", dizem os cientistas no estudo.

Isso ocorre porque o ambiente que nos cerca pode levar a diferentes formas de regulação dos genes (quase um botão de ligar e desligar ou um dimmer de intensidade de luz). O resultado disso são, de forma bem resumida, diferenças na produção de proteínas --as quais podem estar associadas a diversas funções do nosso organismo.

Eventos extremos poderiam, então, nos "marcar biologicamente" --além de todas as demais marcas deixadas por essas tragédias-- e alterar o funcionamento do nosso sistema imune.

Para verificar o peso que um evento climático extremo pode ter sobre a senescência, os pesquisadores olharam para parte dos habitantes da ilha Cayo Santiago, em Porto Rico. Mais especificamente, os 1.8000 macacos-rhesus ali residentes que há décadas são acompanhados.

E por que Cayo Santiago?

Em setembro de 2017, a ilha foi a primeira região de Porto Rico atingida pelo Furacão Maria, de categoria 4 (o valor mais alto da escala é 5), que causou grandes danos na vegetação e nas estruturas insulares.

Esse furacão, inclusive, é um bom exemplo de como um evento extremo está longe de ter um impacto só momentâneo. Enquanto a estimativa oficial de mortes era de poucas dezenas, um estudo posterior elevou o número para pelo menos mais de 4.000 pessoas, com óbitos acontecendo ainda meses após a catástrofe, com a interrupção de serviços de saúde, por exemplo.

Os macacos-rhesus são amplamente presentes em estudos por causa de suas diversas características semelhantes às dos humanos. Entre as semelhanças estão os processos de envelhecimento, apesar da expectativa de vida correspondente a cerca de ¼ da vida de um ser humano (o que em estudos permite uma análise "acelerada" de efeitos, como se os pesquisadores assistissem um vídeo equivalente à vida de um humano, mas com velocidade 4 vezes maior).

Os macacos em Cayo Santiago recebem provimento de água e comida constantemente, o que não foi interrompido nem mesmo pelo furacão. Com isso, quebras na alimentação podem ser excluídas como fonte de confusão no estudo.

Os cientistas, a partir de amostras de sangue, buscaram verificar como o furacão influenciou a regulação dos genes relacionados a células de imunidade e envelhecimento. Como os animais eram acompanhados havia tempo, já existia uma base de dados anterior à catástrofe climática.

De modo geral, os pesquisadores observaram uma perturbação na "máquina proteica" (chamada homeostase proteica ou proteostase), responsável por uma espécie de equilíbrio de performance no corpo, com de produção, descarte de proteínas etc. O mau funcionamento desse maquinário é uma marca conhecida de doenças relacionadas à idade.

Ou seja, a exposição ao furacão aumentou os problemas com o maquinário proteico dos animais e pode contribuir para progressão de doenças associadas à idade.

"Nossas descobertas sugerem que as diferenças na expressão de genes de células imunes em animais expostos a um desastre natural extremo foram, em vários aspectos, semelhantes aos efeitos do processo natural de envelhecimento", afirmam os autores.

Vale mencionar também que as alterações verificadas não foram momentâneas. Elas foram observadas um ano após o furacão.

As descobertas podem incentivar uma compreensão mais cuidadosa de modificadores de envelhecimento e adversidade, o que possibilita ações de mitigação para populações que foram vitimadas por adversidades extremas, afirmam os cientistas.

Os estudos climáticos apontam para décadas preocupantes à frente da civilização humana. Mesmo que a humanidade pare agora completamente com a emissão de gases-estufa (o que não é uma perspectiva realista), a temperatura média global continuaria a subir.

Especialistas e pesquisas apontam que os esforços para redução da emissão de gases --e consequentemente controle da crise climática-- até o momento não têm sido suficientes.

O relatório mais recente do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) já aponta que a crise do clima está instalada e que eventos climáticos extremos devem se tornar mais intensos e mais frequentes. Segundo o mesmo relatório, algumas mudanças na natureza provocadas pelo aquecimento planetário são irreversíveis.

O problema ainda se desenrola para outras áreas relacionadas ao clima. Além de não serem suficientes os esforços para conter o aquecimento planetário, os investimentos e esforços em adaptação (para tentar conter os estragos da mudança climática) estão aquém do necessário, mesmo com o avançar incontestável do impacto das mudanças climáticas.

Ou seja, em linhas gerais, enquanto aumenta o custo para que a adaptação à crise climática seja colocada em prática nos países, o financiamento climático se mantém o mesmo ou diminui. Isso é ainda mais importante em países em desenvolvimento, nos quais os custos estimados para adaptação são de cinco a dez vezes maiores do que o investimento atual.