SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Quando a Via Varejo, dona da Casas Bahia e do Pontofrio, encarou a primeira restrição comercial pela Covid, no segundo trimestre de 2020, tinha só 26% das vendas concentradas no online. Quase um ano depois e com a pandemia se agravando, as varejistas devem atravessar novos períodos de isolamento com mais tranquilidade, na avaliação de Roberto Fulcherberguer, presidente da companhia.

"Não vou dizer que não sentiremos nada, é impossível, mas estamos muito melhor preparados do que estávamos no segundo trimestre de 2020. Para nós, é um caminho mais suave, nosso 20.000 vendedores continuarão vendendo", afirma.

Parte da adaptação para o comércio digital da empresa incluiu um programa de vendas pelo WhatsApp, em que o cliente se comunica diretamente com o vendedor, que pode estar na loja ou em home office. O recurso ajudou que os 26% dos negócios online da Via Varejo pulassem para 50% no fim do ano passado.

O empresário, que evita falar sobre política, avalia que o momento é favorável para aprovação das reformas, mas diz que os projetos da companhia devem ser feitos independentemente desses fatores.

A empresa pretende implementar um programa de entrega em uma hora para todo o Brasil no terceiro trimestre, de modo a ganhar mais participação de mercado em relação a competidores como Amazon, Magazine Luiza e Mercado Livre.

Para Fulcherberguer, as lojas físicas não perderão espaço no varejo, mas deixarão de operar no modo tradicional. A empresa tem a meta de abrir 120 novos pontos este ano, mesmo sem indicativos concretos para a melhora da crise sanitária.

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A companhia fechou o ano de pandemia com lucro, em oposição aos resultados de 2019. Qual o papel do ecommerce e da venda física para esse desempenho?

Roberto Fulcherberguer - É antagônico ao visto no fim de 2019. Tivemos R$ 38 bilhões de GMV [sigla de Gross Merchandise Volume, indicador que calcula volume bruto de mercadorias inseridas no ecommerce], um crescimento duas vezes acima do mercado, fizemos R$ 1 bilhão de lucro e 50% do que transita na companhia é pelo digital. As mais de 1.100 lojas viraram hub logístico para entrega, ela é ponto de retirada para o consumidor. Ele compra em um meio digital e retira na loja. Nossos mais de 20 mil vendedores não precisam estar na loja para continuar vendendo.

O "Me Chama no Zap", que implementamos no início da pandemia, foi responsável por R$ 2,8 bilhões de venda no ano. Passou ser uma ferramenta fundamental. Se pegarmos toda a evolução de venda online na pandemia, o consumo pela internet deve estar ao redor de 10% a 12% no Brasil.

Quanto representam as vendas pelo WhatsApp?

RF - No ultimo trimestre, 21%. Na média do ano, 16%. Na relação online-loja, outro fato importante é que 15% do que vendemos online é entregue no mesmo dia no Brasil inteiro, nas periferias, tanto os itens leves quanto os pesados. Temos o "same day delivery" [entrega no mesmo dia] no ar, programa em que a partida da mercadoria é via loja. No terceiro trimestre, vamos lançar o "same hour delivery" [entrega na mesma hora], então o cliente dá o clique, tem a compra aprovada pelo cartão e recebe o item em uma hora.

Essa entrega em uma hora vai estar atrelada ao WhatsAppp?

RF - Não importa a origem da venda, pode entrar no aplicativo ou comprar pelo WhatsApp com o vendedor.

Pretendem criar uma plataforma própria para não depender de uma segunda empresa?

RF - A gente prefere não fazer tudo em casa, se posso somar outras plataformas, e tenho gênios fazendo outras plataformas, eu concentro os meus para fazer o que preciso para evoluir a Via Varejo. É mais ou menos a linha de pensamento para termos comprado participação minoritária na Distrito. Outro exemplo é a Zap Log, íamos demorar um ano e meio para desenvolver, fomos lá e compramos a startup.

Qual a perspectiva com as novas restrições? Será possível manter o ritmo com a loja física fechada?

RF - No ano passado, no momento em que ninguém esperava isso, e no nosso caso era ainda pior porque só 26% da venda era digital, conseguimos fazer praticamente o mesmo faturamento que faríamos com todas as lojas abertas. Passamos quase todo o segundo trimestre com as lojas fechadas. Agora é um momento diferente, já somos digitais.

Não vou dizer que não sentiremos nada, é impossível, mas estamos muito melhor preparados do que estávamos no segundo trimestre de 2020. Para nós, é um caminho mais suave, nosso 20.000 vendedores continuarão vendendo. Mesmo estando em casa, já adquirimos a capacidade de fazer o vendedor home office. Nossa logística está mais funcional do que nunca, nosso crediário é online.

A loja física deve perder espaço no varejo?

RF - Não, mas a loja física como conhecemos tradicionalmente, sim. A loja física não é mais o local que só recebe o cliente para fazer venda, é o centro de relacionamento com ele. Todas as nossas lojas, por exemplo, têm wi-fi, muitos consumidores da periferia vão à loja e montam seus escritórios, e está tudo certo. Também é um hub logístico. Nós retomamos o processo de expansão este ano e vamos inaugurar 120 lojas, o maior foco dessa aceleração vai estar no Norte e Nordeste, praças em que ainda não temos uma boa cobertura.

O que notamos é que ao chegar com uma nova loja, aceleramos mais a venda digital, ela cresce muito quando tenho a loja no local e acelero meu processo logístico, então a loja física traz um ganho no geral da companhia.

Qual será o impacto no consumo com o fim do auxílio emergencial?

RF - Para nós, ele repercutiu muito pouco no aumento do faturamento. Medimos os consumidores que estavam atrelados ao auxílio. No terceiro trimestre, o auxílio era de R$ 600, quando migrou ao quarto, foi reduzido pela metade. Se fosse tão relevante no nosso negócio, teria impacto, mas não teve, seguimos crescendo. Quando fomos medir, com dados do governo, a maior parte do auxílio foi usada para alimentação, 50%. E a maior concentração do auxílio foi no Norte e Nordeste, exatamente onde tínhamos menor penetração.

Houve um momento de desabastecimento na pandemia, em especial para eletrônicos, devido às pausas na indústria. Como está esse fluxo no momento?

RF - A dificuldade ainda não está 100% corrigida. O que acontece é que, no nosso caso, quando entendemos isso lá no início da pandemia, impulsionamos nosso nível de estoque. E estamos impulsionando desde então. Não tenho problema de desabastecimento, o que pode acontecer é: na categoria x, em vez de 10 modelos eu tenho oito.

O setor privado apoiou o governo Bolsonaro em parte por sua agenda liberal. Como avalia os feitos econômicos até agora?

RF - Não vai querer me colorar nessa enrasacada, né? [risos]. Posso dizer que estamos otimistas com essa nova composição de Senado e Câmara, estamos otimistas de que as reformas prioritárias do país andem de maneira acelerada. Precisamos incentivar e acelerar as privatizações, as reformas administrativa e tributária. Estamos vendo um movimento favorável para isso.

Com as novas lideranças do Congresso?

RF - A conversa mudou um pouco agora, a gente vê todos rumando para o mesmo lado. Mas não posso criar as ações da Via Varejo dependendo de tudo que vai acontecer na política. O Brasil existe independentemente de tudo isso, então temos que fazer as coisas acontecer na companhia sem depender de reforma; se tiver, ótimo, fantástico, ajuda mais.

As brigas em torno da vacinação impactam planos da empresa?

RF - Não quero me posicionar sobre isso porque está muito politizado. Tem até empresário querendo fazer política com vacina.

Como tem sido para os funcionários que precisam ir à loja?

RF - Quando havia desinformação muito grande sobre o que estava por vir, estávamos com 40% das lojas fechadas e tomamos a decisão de fechar as outras 60%, por decisão nossa, e a concorrência acabou nos seguindo no final do mesmo dia. Na hora em que voltamos, voltamos com todos os protocolos de segurança, como seguimos até hoje, não aliviamos em absolutamente nada. Se tiver restrição, nosso time ficará em casa. Hoje, não necessita da loja para atuar.

Precisaram demitir?

RF - Não precisamos demitir, pelo contrário, adicionamos pessoas. Crescemos o time de tecnologia e de várias outras áreas. Usamos a MP do governo durante a vigência.

Há novidades no front de diversidade? Avaliam um treinamento exclusivo para negros?

RF - Na linha de diversidade e inclusão, lançamos o programa de trainee no final do ano passado e a boa notícia é que temos 47.000 colaboradores e tivemos 50.000 inscrições, então são mais inscrições que o número de colaboradores, tamanha a identidade com o que estamos fazendo. Não é somente para negros. "Você está com 50 anos de carreira e quer mudar? Por que não tentar um trainee nosso?" O que nos motiva não é a formação, mas a experiência de vida que a pessoa tem, e como a agrega à companhia.

A companhia passou por dois momentos sensíveis recentemente, a investigação de fraude contábil, que foi finalizada, e outro assunto, que é lateral mas envolveu o nome da Casas Bahia, que foi a acusação [de estupro] contra Saul Klein. Como passaram por isso?

RF - A investigação foi inteira finalizada no primeiro trimestre de 2020 e lá demos todas as explicações, então está concluído, não existe mais nada, é outra companhia. A gente já colocou no balanço absolutamente tudo que tinha para colocar no encerramento do quarto trimestre de 2019. Então é um assunto que ficou no quarto trimestre de 2019, não tem mais impacto nenhum na companhia, foi finalizado lá.

Sobre o episódio do Saul, não tem nada a ver com a Via Varejo, ele não é acionista da Via Varejo, não é nada da Via Varejo, então deixamos claro que não há absolutamente nenhuma conexão com a Via Varejo. Não houve desdobramento, rapidamente o mercado entendeu que não tinha relação.

RAIO-X

Roberto Fulcherberguer, 49, é diretor-presidente da Via Varejo desde junho de 2019. Com forte atuação no setor varejista, foi diretor vice-presidente comercial da companhia até 2013. Já ocupou os cargos de vice-presidente executivo da Casa Bahia por sete anos e de diretor de compras na Lojas Arapuã por 11 anos. É graduado em Administração de Empresas pela Universidade Paulista e tem pós-graduação em Marketing pela FAAP (Fundação Armando Álvares Penteado) e possui MBA em Varejo pela FEA-USP.

Via Varejo Holding dona das marcas Casas Bahia, Pontofrio, Extra.com.br, Bartira, Asaplo, banQi e I9XP.

Funcionários: 41.000

Operação: 400 municípios

Lojas físicas: 1.000

Lucro líquido (2020): R$ 1 bilhão

Ebtida (2020): R$ 2,9 bilhões