SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - De ícone da hotelaria em São Paulo, lembrado por ter dado palco aos últimos quatro shows de Frank Sinatra no Brasil e ser o cenário de filmes e novelas, para o centro de uma sucessão de disputas judiciais envolvendo brigas por herança, rompimentos familiares, acusações de má gestão e milhões de reais em dívidas.

O fechamento do hotel Maksoud Plaza, no dia 7 de setembro, foi mais um evento midiático de uma espiral de disputas envolvendo esse que foi um dos mais famosos empreendimentos hoteleiros e de gastronomia na capital paulista.

Inaugurado em 1979, o Maksoud Plaza viveu seu auge nos anos 1980 e 1990, quando era lembrado por ser tanto um ponto de encontro de artistas e boêmios, quanto por ser um centro gastronômico e cultural relevante. Os bares e restaurantes 24 horas combinavam com o imaginário de uma cidade que não dormia.

O 150Night Club recebeu, além de Sinatra, lendas do jazz e do blues como Etta James, Alberta Hunter, Bobby Short e Buddy Guy. No Trianon Piano Bar, os Peixoto, irmãos de Cauby, embalavam noites com um repertório de jazz e bossa nova.

Na cozinha, o La Cuisine du Soleil, inaugurado pelo ícone da nouvelle cuisine francesa Roger Vergé, é considerado um marco da gastronomia na capital.

Instalado em uma região nobre do bairro Bela Vista, o prédio tem 22 andares, 372 quartos, 44 suítes principais e chegou a empregar cerca de 350 funcionários. Hospedou estrelas como Mick Jagger, Ozzy Osbourne, Ray Charles, Catherine Deneuve e Pedro Almodóvar.

No começo dos anos 2000, o brilho começou a esvanecer. A crise econômica da virada da década e a expansão da concorrência fizeram o Maksoud Plaza iniciar um ciclo de profunda crise. Em 2003, quando o hotel completava 25 anos, Henry Maksoud, seu fundador, se ressentia das dificuldades. "A indústria hoteleira está destroçada", disse ao jornal Folha de S.Paulo, na época.

Henry Maksoud morreu em abril de 2014, aos 85 anos. Um ano antes, depois de uma internação por pneumonia, ele se afastou dos negócios e passou o controle ao neto, que já trabalhava no grupo

Alguns dias depois, os irmãos Roberto e Claudio contestaram a validade de um testamento no qual o pai dedicou 50% de sua fortuna para a segunda mulher, Georgina, e Henry Maksoud Neto, que é filho de Roberto.

Meses antes da morte do patriarca, Roberto e Claudio ajuizaram uma ação, extinta com a morte de Maksoud, com pedido de interdição do pai. Eles alegavam que a madrasta não permitia que os filhos o visitassem.

O hotel não foi o único negócio fundado por ele -e isso é também, de certa forma, a origem de uma das crises recentes envolvendo a família. O grupo Maksoud herdou dívidas tributárias e trabalhistas da Hidroservice, empresa de engenharia que atuou nas construções dos aeroportos Galeão, no Rio, e Eduardo Gomes, em Manaus (AM), e é a controladora do hotel.

Na década de 1990, o prédio e o terreno da rua São Carlos Pinhal, onde funcionava o Plaza, foram alienados como garantia em ações trabalhistas.

Em 2011, o prédio acabaria arrematado por Jussara e Fernando Simões por R$ 142 milhões, mas o hotel continuou funcionando enquanto o grupo Maksoud contestava os termos do leilão na Justiça.

Tornado o número 1 da gestão do hotel, Maksoud Neto tentou reerguer o Plaza. A nova gestão contratou consultorias especializadas e adotou novos procedimentos de governança e auditoria de resultados, reduzindo as ações trabalhistas em 93%.

A abertura do Frank Bar, no lobby, e da balada PanAnam, no 22º andar, levaram público novo ao hotel e ajudaram até a melhorar o nível de ocupação. Ambos foram idealizados pelo empresário Facundo Guerra.

Maksoud Neto atribuía aos empreendimentos uma ampliação de 20% na ocupação dos quartos, em meio a um movimento de estímulo de hospedagens por moradores de São Paulo. Em 2017, a taxa de ocupação chegava a 75%.

A PanAnam fechou em 2017, depois de uma fatalidade. Uma cliente se jogou do heliponto do prédio, que servia como fumódromo. A casa foi encerrada no dia seguinte.

O Frank, o Vino! e o 150Maksoud ainda funcionaram até o último dia do hotel, em dezembro.

Desde o anúncio do fechamento, os irmãos Claudio e Roberto intensificaram a ofensiva judicial contra Henry Maksoud Neto. Além da briga pelo inventário, os filhos do fundador do hotel também se opuseram ao pedido de recuperação judicial apresentado pelo grupo em 21 de setembro de 2020.

Em 17 de dezembro, os irmãos conseguiram uma decisão provisória para adiar a entrega do prédio aos Simões, que arremataram o prédio anos antes. A tutela não discutia se a entrega do imóvel deveria ou não ocorrer.

O desembargador Araldo Telles, da 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, apenas adiou o procedimento até 30 de janeiro para que houvesse tempo de o juiz da recuperação judicial se manifestar sobre os questionamentos apresentados pelos herdeiros no recurso.

Claudio e Roberto contestam diversos pontos da recuperação judicial, como o acordo que previa a entrega do prédio aos Simões. Eles chegaram a questionar a imparcialidade do administrador judicial nomeado para supervisionar a recuperação judicial, Oreste Laspro, por ele ter atuado como advogado da família Simões em duas ocasiões.

Os irmãos dizem que não deixarão de brigar para que o hotel seja reaberto no mesmo endereço.

O adiamento da entrega do prédio venceu no dia 30 de janeiro. Os Simões não dizem se a transferência foi formalizada.

"Após cumpridos os trâmites que envolvem a posse do imóvel, os novos proprietários se sentirão muito honrados em viabilizar uma nova atividade no local -ainda a ser definida", afirmam, em nota. Jussara e Fernando Simões são acionistas da Simpar, holding que controla a JSL, de logística, e a Movida.

MOMENTOS DO MAKSOUD PLAZA

1979

Inauguração do hotel Maksoud Plaza

1981

Entre 13 e 16 de agosto, Frank Sinatra se hospeda no hotel e se apresenta no 150Night Club

1990

Ex-funcionário da Hidroservice entra com ação trabalhista para cobrar salário e reverter uma justa causa

1992

Em 9 de dezembro, o cantor Axl Rose, do Guns N'Roses, atirou do mezanino, na madrugada, uma cadeira em direção a repórteres que estavam no térreo

2008

Prédio do Maksoud Plaza vai a leilão pela primeira vez, mas fracassa

Compradores desistem depois que liminar suspendeu os efeitos do leilão

O lance mínimo era de R$ 47,5 milhões, na época, cerca de R$ 104,2 milhões hoje

2011

Em novo leilão, o prédio foi arrematado pelo lance mínimo de R$ 70 milhões, cerca de R$ 153,6 milhões hoje

2013

Henry Maksoud se afasta da gestão do hotel, passando o comando ao neto

2014

Em 18 de abril, morreu Henry Maksoud, vítima de parada cardíaca

Os filhos Claudio e Roberto contestam testamento e começam briga pelo espólio

2015

Buscando revitalizar-se, o hotel inaugurou o PanAm Club (em janeiro) e o Frank Bar (em abril)

2019

TST valida leilão do prédio do hotel

2020

Sob o impacto da pandemia, o grupo pede recuperação judicial no dia 21 de setembro

A relação de credores das empresas do grupo tem nove páginas

Apenas em dívidas trabalhistas são 359 pessoas para quem o grupo deve dinheiro

2021

Em 7 de dezembro, o hotel fecha as portas, pegando funcionários e hóspedes de surpresa