SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Nascida em 2008, quando as primeiras experiências de cotas em universidades públicas começavam a formar alunos negros para o mercado de trabalho, a escola de inglês Ebony English os ajudava a preencher o requisito do idioma exigido nos programas de estágio das empresas, segundo o fundador Rodrigo Faustino.

Hoje, depois de atravessar a transformação digital da pandemia, a Ebony vê crescimento na demanda empresarial por seus cursos de inglês, que têm metodologia focada na cultura negra.

"Nos últimos anos, o mercado corporativo, que era pequeno para nós, cresceu bastante. Empresas, principalmente de tecnologia, que têm uma mente mais aberta, começaram a nos procurar", diz.

Neste ano de revisão da Lei de Cotas, Faustino afirma que a realidade do negro mudou no Brasil, mas não está concluída.

"Interromper isso seria um retrocesso", diz o empresário.

Folha - O que mudou na escola nesses últimos anos?

Rodrigo Faustino - Quando a escola nasceu, em 2008, a gente estava na discussão das ações afirmativas, aumentando a população negra nas faculdades, o que era só a primeira barreira a ser ultrapassada. Mas chegava no estágio, e um dos requisitos para entrar era o inglês. Ainda hoje é assim.

Para uma população que vem, na grande maioria de escola pública, isso é outra barreira. Quando a Ebony surgiu foi para atender essa demanda da população negra, para ter um nível de inglês melhor e conseguir acessar o estágio.

Ao longo dos anos, a coisa foi mudando. Melhoramos na questão da diversidade e do acesso. A escola enxergou o inglês para cultura negra como negócio, que pode crescer, progredir. Nos últimos anos, o mercado corporativo, que era pequeno para nós, cresceu bastante. Empresas, principalmente de tecnologia, que têm uma mente mais aberta, começaram a nos procurar.

E a nossa visão também mudou para o aluno pessoa física, para abrir portas de parcerias e trabalhos.

No final do ano passado, eu estive em Dubai e percebi como a gente perde oportunidades no continente africano. Estou falando de intercâmbios, cultura, empreendedorismo entre os jovens do Brasil e da África. Hoje, a Ebony é também um centro de conexão.

Folha - Esse preparo para tais oportunidades de negócios também envolve o estudo das pronúncias que vão além do inglês britânico e americano?

Rodrigo Faustino - Temos a questão da fonética. O inglês do nigeriano é diferente do americano e do canadense. Na área de TI tem muita gente da Índia, por exemplo. É naturalizar e entender que faz parte da cultura.

Outro diferencial forte nosso é ensinar inglês com a cultura negra. Por exemplo, para usar música no curso, as escolas de inglês traziam no máximo Michael Jackson. Eu adoro Beatles e Metallica, mas tenta colocar uma Aretha Franklin, uma Ella Fitzgerald. Trazer essas questões para dentro do ensino conecta.

Criamos um material pedagógico muito forte, pesquisamos, fizemos referências, contatos com as embaixadas para oferecer a história dos países.

A Ebony não tem alunos só negros. E eles também se conectam ao estudar com a história do Nelson Mandela a partir de uma referência sul-africana.

Folha - Como foi a transição para o digital e a expansão?

Rodrigo Faustino - Começamos em 2008 com aula presencial em uma pequena sala no centro de São Paulo. Em 2013, começamos a pensar no online, mas ínfimo ainda. Em 2017, desenhamos a plataforma que temos hoje. E a pandemia mudou tudo, trouxe possibilidade de crescimento.

Até 2019, 90% dos alunos ficavam em São Paulo. Hoje, cerca de 45% são de outros estados. E temos três alunos fora do Brasil. Tem aluno de comunidade quilombola no Tocantins, de comunidade indígena em Goiás.

Isso traz a possibilidade de pessoas de diferentes locais se conhecerem. Não é só uma escola de inglês e para conectar pessoas assim a gente precisa do online.

Folha - Como o sr. disse, a Ebony começou no contexto das ações afirmativas, e neste ano tem revisão da Lei de Cotas no ensino superior. Como estão vendo isso?

Rodrigo Faustino - Para nós é muito importante a manutenção. É algo que mudou a realidade no Brasil, mas é uma realidade que não está concluída.

A gente resolve cotas nas universidades, mas não resolveu ainda a questão da educação de base, do acesso. Para falar do fim, a gente precisa resolver a base. Interromper isso seria um retrocesso.

Em educação, sendo muito otimista, precisaria de uns 50 anos para resolver o problema no Brasil.

Folha - Além do aspecto cultural que vocês levam para a sala de aula, o noticiário também entra?

Rodrigo Faustino - Casos como o do assassinato de Moïse são discutidos entre os alunos? Nós levamos porque é algo que nos afeta diretamente. Não estamos descontextualizados da história. O assassinato da Marielle, o músico Evaldo Rosa com 80 tiros, a Ágatha, George Floyd nos Estados Unidos. Todos esses fatos são conectados por racismo. Eles morreram em função da cor da pele.

No ano passado convidamos uma adolescente americana para contar a versão dela do período dos protestos do George Floyd. Foi marcante para eles e para ela. É tanta dor. Ela chorou no meio da aula. E você sentia essa dor. A gente acaba tendo oportunidade de discutir esses temas na sala de aula. Mas não é fácil.

Não é simples falar do Moïse. Lembra o caso do americano Rodney King, de 1992, que apanhou dos policiais.

Raio-X

Em 2008, fundou a Ebony English School e hoje é vice-presidente de estratégia de negócios da empresa. Cursou engenharia na Fatec (Faculdade de Tecnologia de São Paulo)