SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Um parlamentar britânico deixou nesta quarta-feira (19) o Partido Conservador, o mesmo do primeiro-ministro Boris Johnson, e entrou no opositor Partido Trabalhista, em protesto contra o que chamou de comportamento "vergonhoso" do premiê, alvo de pedidos de renúncia por ter feito festas durante o lockdown contra a Covid-19 no país.

Christian Wakeford faz parte do grupo de jovens parlamentares conservadores eleitos pela primeira vez em 2019, ala que representa maior resistência ao primeiro-ministro. Pelo menos 20 parlamentares desse grupo afirmaram que vão entregar uma moção de desconfiança ao Partido Conservador, gesto que pode abrir espaço para retirada de Boris do poder.

"Não posso mais apoiar um governo que se mostrou consistentemente desconectado com o povo trabalhador de Bury South [distrito que elegeu o parlamentar] e do país como um todo", disse Wakeford.

A mudança de lado aconteceu pouco antes de Boris voltar ao Parlamento mais uma vez para se explicar pelas festas na residência oficial que aconteceram durante o período de restrições no país contra a Covid-19 e na véspera do funeral do príncipe Philip, período de luto oficial no país.

Na sede do Legislativo britânico, Boris reagiu à deserção, antes de dizer que não vai renunciar ao cargo. "O Partido Conservador venceu [o distrito de] Bury South pela primeira vez em gerações sob o governo de um primeiro-ministro com uma agenda de união", disse. "E vai ganhar de novo a próxima eleição em Bury South sob este primeiro-ministro".

A fritura de Boris vem crescendo. Nesta quarta-feira, o ex-ministro David Davis, que comandou entre 2016 e 2018 as ações do governo para sair da União Europeia, pediu, de forma dramática, sua renúncia, retomando discurso histórico de 1653 do lorde Oliver Cromwell ao condenar o Parlamento da época.

"Vou lembrá-lo de uma citação muito familiar a ele. 'Em nome de Deus, vá [embora]'", disse. "Espero que meus líderes assumam a responsabilidade pelas ações que tomam", afirmou Davis ao primeiro-ministro

Boris enfrenta cada vez mais resistência dentro do próprio Partido Conservador. Para que seja aberto um processo para tirá-lo do cargo, é preciso que ao menos 54 dos 360 parlamentares da legenda escrevam uma moção de desconfiança a um órgão do partido chamado Comitê de 1922 expressando dúvidas de que ele pode se manter no cargo. Segundo o jornal The Times, ao menos 58 parlamentares já criticaram abertamente o primeiro-ministro.

O governo tem apostado em uma agenda positiva para ofuscar o assunto, e Boris anunciou nesta quarta o fim de medidas de restrição impostas para conter o avanço da variante ômicron, que provocou novos picos de casos de Covid-19 no país. Após bater recordes no começo de janeiro, a curva de novos casos da doença no país começou a cair, mas ainda está em cerca de 100 mil novas contaminações por dia, número muito acima do registrado em ondas anteriores.

Entre as medidas anunciadas estão o fim da obrigatoriedade do uso de máscaras e dos passaportes vacinais, em aceno ao eleitorado conservador, além da liberação da volta do trabalho presencial. Outras medidas estrondosas também foram anunciadas nos últimos dias para tentar desviar o assunto, como o fim do financiamento público à rede britânica BBC.

Há desconfiança, porém, se essas medidas serão suficientes para salvar premiê, em um momento em que o Partido Conservador já estuda quem poderia substituí-lo. Há dois nomes entre os mais cotados. Um deles é o do ministro das Finanças, Rishi Sunak, cofundador de uma corretora de investimentos, que entrou para o governo em 2018 como subsecretário parlamentar para Habitação, Comunidades e Governo Local. Antes de ocupar o cargo atual, havia sido também secretário-chefe do Tesouro.

A outra aposta é na secretária das Relações Exteriores do país, Liz Truss. Formada em filosofia, política e economia pela Universidade de Oxford, ela foi eleita pelo Partido Conservador para o Parlamento em 2010. Em 2019, recebeu o cargo de ministra para Mulheres e Igualdades, e passou a cuidar das relações internacionais do país em setembro do ano passado.

Ajudou a piorar o cenário para Boris a publicação de um texto de Dominic Cummings, seu antigo conselheiro, em um blog na segunda-feira (17), em que afirmava que o premiê estava ciente da festa e deu aval para que o evento acontecesse.

A alegação contraria o que Boris disse ao Parlamento. Em sua versão, ele alegou ter pensado que o encontro era uma reunião de trabalho, já que o jardim da residência oficial funciona, segundo ele, como uma extensão do escritório. O premiê disse que lá permaneceu por 25 minutos para agradecer aos funcionários e, depois, voltou a seu gabinete.

Mas pesquisa do jornal The Independent aponta que 65% dos eleitores não acreditam na desculpa do primeiro-ministro -o número se mantém alto mesmo quando o levantamento considera apenas os eleitores conservadores, com 54%.