(FOLHAPRESS) - Quando soube que seria entrevistada para um perfil na revista New Yorker, Céline Sciamma levou fotografias e cadernos de sua infância, dizendo que não via aquela criança como uma estranha, porque ainda era a mesma pessoa. Aos 43 anos, a roteirista e diretora francesa é dona de uma filmografia consistente, com obras relacionadas às questões da juventude feminina.

Para os críticos de seu trabalho, "Lírios D'Água", de 2007, "Tomboy", de 2011, e "Garotas", de 2014, compõem uma espécie de trilogia informal que abordam temas como a descoberta do primeiro amor e da identidade sexual, a não conformidade com os papéis de gênero, a necessidade de pertencer a um grupo e a própria independência.

Depois de "Garotas", Sciamma assinou o roteiro adaptado de "Minha Vida de Abobrinha", animação dirigida por Claude Barras e indicada ao Oscar há cinco anos, mas foi com "Retrato de uma Jovem em Chamas" que ela alcançou a fama. Em 2020, o romance sáfico se tornou o filme francês mais visto no mundo, com cerca de 1,5 milhão de espectadores.

Durante a temporada de premiações de "Abobrinha", uma imagem surgiu na mente de Sciamma --duas meninas da mesma idade construindo uma cabana na floresta, mas uma é a mãe e a outra é a filha. A semente de "Pequena Mamãe", seu quinto longa-metragem, começou a dar frutos já em "Retrato", no qual as personagens também convivem em pé de igualdade.

"Retrato" dá vida a um relacionamento íntimo entre pintora e modelo sem diferença de gênero, idade ou classe social --isto é, sem qualquer desequilíbrio de poder. Em "Pequena Mamãe", mãe e filha se encontram sem as inevitáveis barreiras de autoridade que prejudicariam a aproximação e o entendimento entre as duas.

Filmado durante a quarentena com uma equipe reduzida, "Pequena Mamãe" traz Joséphine Sanz como Nelly, uma menina de oito anos que acaba de perder a avó materna. Enquanto sua mãe, interpretada por Nina Meurisse, e seu pai, vivido por Stéphane Varupenne, empacotam os pertences da matriarca, Nelly se diverte na mesma mata em que a sua mãe costumava brincar.

Um dia, Nelly encontra uma menina muito parecida --Gabrielle Sanz, irmã gêmea de Joséphine--arrastando um galho pesado para construir uma cabana e, logo, faz amizade. Ela também tem oito anos e se chama Marion, o mesmo nome de sua mãe. Seria apenas uma coincidência se Marion também não morasse numa casa idêntica à da avó de Nelly.

A premissa encantadora, mãe e filha em perfeita comunhão, lembra a obra de Hayao Miyazaki no adorado Studio Ghibli, só que em live-action. Com cores outonais e só 72 minutos de duração, o longa mais curto de Sciamma, "Pequena Mamãe" é um filme sobre duas crianças que pode ser apreciado por espectadores de todas as idades.

Apesar do contexto fantasioso, "Pequena Mamãe" não racionaliza os mecanismos por trás do encontro sobrenatural entre as duas. De alguma forma, a filha conhece a versão mirim de sua mãe, e isso basta para fazer a trama caminhar. Fundamentando a jornada na evolução emocional de Nelly e Marion, o resultado final é agradavelmente naturalista.

A ausência quase absoluta de trilha sonora --há uma única cena com o acompanhamento musical do produtor Jean-Baptiste de Laubier, também conhecido como Para One-- deixa o público livre para se emocionar sem manipulações melosas. É um filme doce, mas nunca piegas.

A fotografia de Claire Mathon, que ganhou o prêmio César por "Retrato", posiciona a câmera na altura das meninas e aposta em tons vivos. Nelly é caracterizada como uma moleca, que sempre usa azul e interpreta homens nas brincadeiras com a mãe, que é mais adepta do vermelho e das personagens femininas --um toque que não poderia faltar em um filme de Sciamma.

Da mesma forma que em "Lírios D'Água", "Tomboy" e "Garotas", as meninas atuam com naturalidade e desenvoltura, graças à direção de Sciamma. Como crianças, mãe e filha têm a linguagem para falar do que realmente importa --Nelly reconhece Marion como uma menina com sonhos e receios e tem a certeza de que não é ela a causa de sua tristeza.

*

PEQUENA MAMÃE

Quando Estreia nesta quinta (3)

Onde Nos cinemas

Classificação 10 anos

Elenco Joséphine Sanz, Gabrielle Sanz e Nina Meurisse

Produção França, 2021

Direção Céline Sciamma

Avaliação Muito bom