Em Israel, comitiva brasileira é obrigada a usar máscara e manter distanciamento
PUBLICAÇÃO
domingo, 07 de março de 2021
DANIELA KRESCH
JERUSALÉM (FOLHAPRESS) - A comitiva brasileira liderada pelo ministro Ernesto Araújo (Relações Exteriores) em Israel foi obrigada a adotar medidas de prevenção à Covid-19 em agendas oficiais deste fim de semana.
Diferentemente das imagens feitas ainda em solo brasileiro, em que todos estavam sem máscaras, em Israel o grupo teve que usar a proteção e adotar medidas de distanciamento social. Ernesto chegou a ser alertado pela chancelaria israelense para que pusesse a proteção, ao ser chamado para posar para uma foto com o chanceler israelense, Gabi Ashkenazi. Ele respondeu: "Oh, yes" e a colocou.
Um dos integrantes da comitiva é o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro, que critica a eficácia das máscaras. Os representantes do governo brasileiro também foram orientados a adotar o distanciamento social de duas cadeiras no auditório onde ocorreu a cerimônia de boas-vindas.
O uso de máscaras é obrigatório em prédios públicos em Israel, incluindo em encontros fechados e para fotografias. O ministério israelense chegou a preparar máscaras especiais com as bandeiras do Brasil e de Israel.
Durante a visita, a comitiva também não pode circular pelo país e está restrita a um hotel e aos compromissos oficiais. Os protocolos de segurança sanitária foram estabelecidos pelo governo israelense, que empreende o mais avançado programa de vacinação no mundo para conter a disseminação do coronavírus.
O grupo está em Israel no pior momento da pandemia de Covid-19 no Brasil, com números recordes de mortes pela doença, falta de leitos e baixa taxa de vacinação. O presidente Jair Bolsonaro defendeu a visita para ir em busca de um spray nasal que usaria contra a doença, mas que não tem comprovada a eficácia. O próprio presidente afirma não saber o que é e diz que "parece um produto milagroso".
Após uma visita à chancelaria israelense, em Jerusalém, Ernesto e Eduardo criticaram duramente a ideia de que o Brasil "é uma câmara de gás a céu aberto", que faz parte da "Carta aberta à Humanidade", divulgada no sábado (6) por religiosos e intelectuais.
Para eles, não se pode comparar o que acontece no Brasil na pandemia com a metodologia nazista que matou milhões de judeus e outras minorias durante o Holocausto.
"Isso é algo que totalmente extrapola qualquer comparação que possa ser feita. É algo que, no meu entender, violenta a memória das vítimas do Holocausto", disse Ernesto. "Qualquer comparação que banalize, ainda mais uma comparação tão absurda quanto essa, é algo que não ajuda ninguém e que prejudica a ideia de que nunca mais possa haver nada como o Holocausto."
Eduardo Bolsonaro chamou a expressão de "infelicidade não tão inocente", acusando o padre Júlio Lancelloti, um dos signatários da carta, de fazer ataques a seu pai. Ele também deu a entender que comparar a situação do Brasil com a de uma câmara de gás foi intencional no momento em que uma comitiva brasileira está em Israel.
Segundo o filho do presidente, "o Brasil tem feito seus esforços, tem excelentes números com relação à vacinação e veio aqui [para Israel] procurar mais um remédio para combater a pandemia".
O Brasil tem batido seguidos recordes por conta da Covid-19. Foram 1.498 novas mortes registradas no sábado. Com isso, o país somou mais de 10 mil mortes pela doença em sete dias. Foi a primeira vez desde o início da pandemia que isso acontece. Na última semana, o país completou ainda sete dias seguidos com novos recordes de média móvel de mortes, com o último alcançado no sábado, de 1.455. O recorde anterior era de 1.423.
A referência à câmara de gás também foi discutida na reunião com o chanceler israelense, Gabi Ashkenazi. "Lamentei muito ler, isso aconteceu durante o nosso encontro e condeno veementemente, fortemente esta linguagem usada, este exemplo. Isso é algo ultrajante. Nós nos opomos fortemente a isso. Usar essa linguagem é algo inaceitável."
Após o encontro, o Itamaraty divulgou nota chamando a conversa de "muito amigável e produtiva" e dizendo que haviam sido discutidas "ideias sobre questões urgentes da agenda internacional" e que os países "concordaram em dar prosseguimento à coordenação entre Brasil e Israel".
Além de passarem "em revista caminhos para a recuperação no contexto da pandemia de Covid-19, sob as perspectivas de saúde pública, de progresso tecnológico e de resiliência socioeconômica", segundo o texto, o encontro abordou também os desenvolvimentos recentes no Tribunal Penal Internacional (TPI) e no Conselho de Direitos Humanos (CDH). Na quarta (3), o TPI anunciou a abertura de uma investigação formal sobre possíveis crimes cometidos tanto por israelenses quanto por palestinos na Cisjordânia e na Faixa de Gaza.
Israel critica o processo, em objeção apoiada pelo Brasil. Em fevereiro, o governo brasileiro se alinhou a Israel e encaminhou ofício ao TPI informando que o país queria participar como "amicus curiae" (amigo da corte) na apuração preliminar do caso.
Após a reunião, a reportagem perguntou a Ernesto se o Brasil tem o que aprender com a maneira como Israel tem enfrentado a crise do coronavírus. O país decretou três lockdowns no último ano, mantém a obrigatoriedade de uso de máscaras em todos os locais públicos e privados e é o mais avançado do mundo na campanha de vacinação.
"No Brasil, existe essa circunstância que, por uma decisão do Supremo Tribunal Federal, basicamente cada estado adota suas próprias medidas. Não há uma possibilidade de uma orientação federal", respondeu o ministro.
O chanceler também disse que, assim como Israel, "o Brasil também está em um esforço de vacinação, está progredindo". "Israel é um dos países que estão mais na frente no mundo, mas o Brasil não está atrás de outros grandes países, como os europeus, que estão mais ou menos na mesma faixa em termos de proporção de população vacinada."
O Brasil aplicou, em média, 49,8 doses em cada 1.000 habitantes, enquanto Israel é o líder mundial, com 998,8 inoculações em cada 1.000 pessoas. Há vários países europeus acima das 100 doses em cada 1.000 pessoas, segundo dados do Our World in Data.
Na reunião entre os dois ministros do exterior, que durou cerca de uma hora, Brasil e Israel assinaram acordos de cooperação em áreas tecnológicas. O chanceler israelense elogiou a posição do governo Bolsonaro em prol de Israel em fóruns internacionais, mas não deixou de demonstrar a preocupação com o Brasil neste momento da pandemia.
"Em nome do povo de Israel, gostaria de expressar minha solidariedade ao povo brasileiro. Tenho certeza de que vocês prevalecerão. Posso prometer a você que Israel fará tudo o que puder para apoiar seus esforços para vencer a Covid. Estamos prontos para ajudar no que for possível. Exploraremos oportunidades de investimento conjunto em pesquisa para desenvolvimento de medicamentos ou outras soluções possíveis para o vírus."