SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - ​A invasão da Rússia na Ucrânia tem causado reações contraditórias no mundo de cultura árabe e islâmica. Por um lado, abundam as demonstrações de solidariedade diante da destruição e da morte causadas pelo exército do presidente russo Vladimir Putin. Por outro, moradores de países como a Síria – que vivem guerras cruentas há anos, inclusive com ataques russos a alvos civis– se perguntam por que é que o drama ucraniano emociona mais do que o deles, no exterior. Nas entrelinhas, dizem: nossas vidas valem tão pouco?

Essa angústia ficou evidente na manhã deste sábado (26), quando começou a circular um vídeo do correspondente Charlie D'Agata, da rede americana CBS. Cobrindo a guerra na Ucrânia, ele afirmou ao vivo que a situação era particularmente problemática porque Kiev é uma cidade "relativamente civilizada, relativamente europeia" – ao contrário, disse, de lugares como o Iraque e o Afeganistão.

O vídeo tem circulado nas redes sociais, acompanhado de duras críticas a um mundo que privilegia certas vidas em detrimento de outras. "Imaginem o tipo de dano que essas pessoas vêm causando ao longo dos anos", comentou um repórter. Alguns usuários pediram que o correspondente da rede americana se desculpasse pelo que ele disse.

Não é que ignorem o imenso risco trazido pelas ações russas na Ucrânia. Como disse à Folha o historiador britânico Jeremy Black, "a Rússia tem a capacidade de transformar um conflito regional em uma guerra de grande escala". Além disso, "como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, a Rússia tem o poder de destruir a arquitetura das relações internacionais", afirmou. Dito isso, as palavras usadas para se referir a outros países e povos – estes são civilizados, aqueles não – contribuem à desumanização deles. A desumanização, por sua vez, barateia a vida de quem é tido como menor, como inferior.

Essa desumanização ajuda a entender as primeiras reações europeias quanto aos refugiados ucranianos que devem começar a chegar. Alguns líderes já se mostraram favoráveis à entrada de ucranianos – mas, no passado, eles tinham recusado os sírios, os iraquianos e os afegãos.