RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - Falas e comportamentos de Jair Bolsonaro (PL) durante a pandemia da Covid-19 não afetaram a vacinação contra a doença no país, concluiu um estudo da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) em parceria com o IRD (Instituto Francês de Pesquisa e Desenvolvimento).

Cinco pesquisadores analisaram a influência de diversos fatores socioeconômicos e políticos nas taxas de imunização dos 5.570 municípios brasileiros até outubro de 2021, separando os que votaram majoritariamente em Bolsonaro no primeiro turno das eleições de 2018.

Eles esperavam que o chamado "efeito Bolsonaro" tivesse freado a vacinação nesses locais. O que encontraram, porém, foi um impacto apenas nos três primeiros meses da aplicação da primeira e segunda doses. Depois, a tendência se inverteu, e cidades que o apoiaram se imunizaram mais.

"Ele nunca se vacinou e levantou dúvidas sobre a vacina. Parece que esse tipo de comportamento teve uma contribuição negativa no início, mas depois o tempo foi passando e, até por ver os efeitos da vacinação, as pessoas se conscientizaram, independentemente de terem votado nele", diz João Saboia, um dos autores do estudo.

Além disso, segundo os pesquisadores, o resultado demonstra a força do Plano Nacional de Imunização (PNI). "Tem também esse aspecto de o Brasil ter uma tradição de vacina. O PNI é espetacular, apesar de estar perdendo força", afirma o professor emérito do Instituto de Economia da UFRJ.

De acordo com eles, o fato de que os municípios que apoiaram o presidente se vacinaram mais com a primeira dose, observado quando se junta os dados de todos os trimestres, pode ser explicado pela alta mortalidade nesses locais.

"A população, neste caso, teria aderido mais fortemente à vacinação, até como forma de se proteger num contexto de baixa adesão às medidas não farmacológicas, como aquelas de isolamento ou uso de máscara", escrevem no estudo.

Em 2020, o mesmo grupo já havia cruzado os casos da doença com o resultado das eleições presidenciais e chegado à conclusão de que havia uma correlação entre a preferência por Bolsonaro e a expansão e a mortalidade da Covid-19, como outros estudos também mostraram.

Agora, porém, decidiram expandir a análise em três frentes: primeiro, recalcularam os números de mortalidade a cada trimestre por um período maior, descobrindo que a influência do presidente nos óbitos se mantém nas diferentes fases da pandemia.

"Nossos resultados confirmaram a importância do fator político: o efeito Bolsonaro resiste ao tempo e à interação com os demais fatores", constatam no relatório. Depois, fizeram os mesmos cálculos do seu impacto na vacinação e na mobilidade dos municípios.

Usando dados do Facebook, concluíram que o índice de deslocamento também foi mais alto em cidades que elegeram Bolsonaro. O isolamento social foi mais frequente em cidades com maior porcentagem de brancos, homens, mais escolarizados e renda média maior.

Os mesmos elementos fizeram as taxas de vacinação subirem. Além disso, as cidades com trabalhadores que se deslocam para trabalhar em outros municípios se imunizaram mais, e as com muitos trabalhadores informais, menos.

Os pesquisadores chegaram a essas conclusões por meio de coeficientes calculados por eles, através do chamado "modelo de regressão linear múltipla". O relatório ainda será submetido a revistas científicas nacionais e internacionais e revisados por outros especialistas.

A complexa conta leva em consideração diversas variáveis, como cor, sexo, raça, população rural, pobreza, PIB per capita, leitos em hospitais etc. Como foi usado um grande número de variáveis, foi possível separar o efeito de cada uma delas.

Os valores finais, portanto, mostram se o impacto de uma variável (a votação em Bolsonaro, por exemplo) é positivo ou negativo no fator estudado (a taxa de vacinação, por exemplo) e com qual intensidade —quanto maior o valor, maior sua influência.

Com relação às mortes, alguns resultados chamaram a atenção por terem mudado ao longo da pandemia. Se no início municípios com maior percentual de brancos tinham menor probabilidade de vítimas da Covid-19, no final do período estudado eles se tornaram os mais suscetíveis.

Uma das hipóteses para isso é o fato de que a segunda onda foi mais intensa na região Sul, onde grande parcela da população é branca. Vale notar que, no trimestre de agosto a outubro de 2021, com a vacinação em andamento, a tendência voltou a ser negativa.

As cidades com mais pessoas morando em favelas também foram as mais atingidas pela doença no começo, o que se reverteu com o avanço da imunização, indicando que as campanhas de imunização podem ter tido grande eficácia nas comunidades, assim como a mobilização de campanhas solidárias.

A alta densidade populacional, por fim, foi outro fator que determinou a expansão da doença inicialmente, mas perdeu relevância no final. Isso reflete a evolução da própria pandemia, que primeiro afetou municípios urbanos e depois foi se espalhando pelo Brasil.