BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - João Doria (PSDB) calculou cada aparição pública durante a pandemia. Só no primeiro ano, deu quase 200 entrevistas coletivas nos salões do Palácio dos Bandeirantes, cercado de cientistas. Fez questão de explorar o momento da aplicação da primeira vacina em solo brasileiro e assumiu o risco de impor restrições amargas nas fases críticas.

O governador mudou o protocolo naquele que pode ser um dos atos finais de sua gestão da pandemia: Doria trocou as solenidades de praxe por um palanque digital para anunciar, num programa de TV, o fim da obrigatoriedade do uso de máscaras em quase todos os ambientes do estado.

O tucano buscou uma exposição ampliada enquanto se dirige à plataforma de lançamento de sua candidatura presidencial. Fez uma dobradinha com o popular aliado José Luiz Datena (pré-candidato ao Senado na chapa do PSDB) e vinculou sua imagem ao que deve ser considerada uma notícia positiva num momento de fadiga geral em relação à doença.

Doria quis aproveitar o espaço. Sem máscara e desacompanhado dos cientistas que o assessoram, ele disse estar emocionado com o que chamou de "uma data histórica", previu uma "volta gradual e segura à normalidade" e bateu no arquirrival Jair Bolsonaro.

"Esta é a certeza de que estamos no caminho certo. São Paulo sempre esteve do lado da saúde e da vida. Nunca recomendamos cloroquina, sempre recomendamos vacina", afirmou.

O governador explorou esse palanque num anúncio que é considerado delicado por alguns especialistas. Ainda que os números da pandemia permitam vislumbrar um cenário menos catastrófico daqui por diante, esses cientistas recomendam cautela e uma tática cuidadosa de comunicação por parte dos agentes públicos na liberação das máscaras.

O tucano não parece ter trocado por acaso o aspecto cerimonioso dos salões oficiais pela televisão aberta neste momento.

Como porta-voz das medidas de aperto contra o coronavírus, o governador também atraiu certa resistência do eleitorado paulista. Agora, ele procura extrair benefícios de uma possível nova fase da pandemia antes de deixar o posto para a campanha presidencial -o que deve ocorrer até o fim de março.

Doria e seus aliados acreditavam que o comportamento rigoroso na pandemia e o investimento na Coronavac transformariam o tucano num contraponto natural à política caótica de Bolsonaro contra o vírus, impulsionando nacionalmente o nome do governador.

O próprio tucano expôs uma preocupação acentuada com essa imagem numa conversa gravada em junho de 2020 por uma equipe da TV Globo que preparava um documentário sobre a busca por vacinas.

"Só tem um cara que está se expondo aqui: sou eu. Fundamentalmente, sou eu. Eu estou no primeiro plano dessa história. Publicamente. Ainda sofrendo ataque do Bolsonaro, bolsominion, bolso não sei do quê. Bando de malucos", disse Doria ao cobrar de Dimas Covas, diretor do Instituto Butantan, agilidade na entrega da Coronavac.

Apesar de ter largado na frente com a vacina, pouca coisa saiu como o planejado. Depois de dois anos, Doria patina nas pesquisas e acumula uma imagem desgastada mesmo em São Paulo.

A poucos dias de deixar o cargo, Doria escolheu assumir mais uma vez o "primeiro plano" para autorizar a retirada das máscaras -com a óbvia interpretação de que só é possível fazer isso agora porque há vacinação em massa e a população cumpriu, por muito tempo, as medidas de restrição impostas pelo governo.

A escolha do palco de Datena soa como uma jogada dupla. Além da audiência do programa da Band, o governador tentou colar sua imagem à do apresentador -que é muito mais popular do que ele.

Datena já lidera algumas pesquisas intenções de voto na corrida por uma vaga no Senado. O apresentador deve concorrer à cadeira pela União Brasil na chapa do hoje vice-governador Rodrigo Garcia (PSDB).

O anúncio também ganhou ares de fato político porque Doria viu uma oportunidade num momento em que começava a ficar para trás na flexibilização de medidas anti-Covid.

Outros governantes já aboliram a obrigatoriedade de máscaras em locais fechados, e Bolsonaro faz pressão para rebaixar a crise sanitária para a classe de endemia, na esperança de despertar na população uma sensação de bem-estar.

A pandemia ainda pode apresentar surpresas indesejadas e obrigar a revisão dessas medidas, mas qualquer má notícia provavelmente só seria anunciada por Garcia, que assume o cargo com a saída de Doria.