Dono do BTG fala como influencia políticos e BC, e compara impeachment de Dilma a golpe de 64
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segunda-feira, 25 de outubro de 2021
DANIELA ARCANJO E PAULA SOPRANA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Em áudio vazado de um evento fechado do BTG Pactual com clientes, André Esteves, dono do banco, relata receber ligações de Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados, e de Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, para discutir e opinar sobre a política econômica do país.
Ele também compara o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016, com o golpe militar de 1964.
A fala de Esteves de mais de uma hora ocorreu durante encerramento do evento "Future Leaders" da companhia, na quinta-feira (21), e reuniu cerca de 30 pessoas.
A conversa com o empresário ocorreu no mesmo dia da debandada de secretários do Ministério da Economia, após a pasta chancelar drible no teto de gastos proposto pela ala política do governo. O áudio, ao qual a Folha teve acesso, foi antecipado pelo portal Brasil 247.
"O secretário do Tesouro [Jeferson Bittencourt] acabou de renunciar com mais três outros, tem mais quatro ameaçando e eu atrasei um pouquinho aqui porque o presidente da Câmara me ligou para perguntar o que eu achava", afirma.
Esteves diz que teria respondido ao deputado: "Arthur, vou dar uma palestra aqui já já, se você quiser você dá um pulo aí. Mas não está legal, né?". No áudio vazado, é possível ouvir a plateia rindo nesse momento.
Procurado, Lira não respondeu à reportagem. O BTG também afirmou que não irá se manifestar.
A manobra para driblar o teto de gastos, regra que limita o crescimento dos gastos públicos à inflação, abriu margem de ao menos R$ 83 bilhões no Orçamento de 2022, ano eleitoral. A justificativa é garantir R$ 400 por cadastrado no Auxílio Brasil, programa que substituirá o Bolsa Família.
"O mercado está inseguro porque como muita bobagem foi dita nos últimos meses, tem uma natural insegurança. Agora tem vale-caminhoneiro, tem não sei o quê, vira uma confusão generalizada e ninguém sabe direito onde isso vai parar", diz ele.
Esteves afirmou que o que está criando a insegurança não é o Auxílio Brasil, pois o benefício de R$ 400 não vai mudar muito o tamanho do déficit público em 2022. A dúvida é até onde vão as despesas do governo e qual será o rombo no teto de gastos, mecanismo que, para ele, poderia passar por ajustes.
"O que está criando a insegurança não é o Bolsa Família ou Auxílio Brasil de R$ 400", afirmou. "Dá para ser R$ 400, vai mudar pouco o déficit no Brasil. O que o mercado está estressando é com a dinâmica. O que é que vem depois? R$ 400 é fácil de encarar."
"O Bolsa Família é um ótimo programa, a gente está sendo razoavelmente disciplinado no fiscal, mas a dúvida é se essa dinâmica vai quebrar nossa âncora fiscal, que hoje é o teto, com todos os seus defeitos. É uma coisa que tem nos ajudado em termos de credibilidade."
Esteves também criticou a Selic (taxa básica de juros), que ficou na mínima histórica de 2% por grande parte do ano passado, parte de um movimento mundial para amortecer a crise do coronavírus. Ele descreve uma ligação com o presidente do BC, Roberto Campos Neto, que ocorreu há cerca de um ano.
"Eu me lembro que os juros estavam amanhecendo a uns 3,5% e o Roberto me ligou para perguntar: 'pô, o que você está achando, onde você acha que está o lower bound [limite inferior]?' Eu falei, 'olha, Roberto, eu não sei onde é que está, mas eu estou vendo pelo retrovisor, porque a gente já passou por ele.' Em algum momento a gente se achou inglês demais e levou esse juros a 2%", disse.
Em nota, o BC afirmou que, como bancos centrais e autoridades de supervisão no mundo, os membros da diretoria colegiada "mantêm contatos institucionais periódicos com executivos de mercados regulados e não-regulados para monitorar temas prudenciais que possam ameaçar a estabilidade do sistema financeiro e/ou para colher visões sobre a conjuntura econômica".
Os contatos, segundo o BC, incluem dirigentes de instituições financeiras ou de pagamento e seguem normas legais e de conduta, "com destaque para os períodos de silêncio e as regras de exposição pública".
Sobre a reação do mercado financeiro à mudança no teto, disse que, mesmo que a Bolsa vá a 100 mil pontos [atualmente está em torno de 110 mil pontos] e que os juros futuros estejam acima de 10%, já viu situações piores.
"Não acho que está acontecendo muita coisa não. Está acontecendo uma correção, obviamente é um momento de cautela. A variável que está muito fora de lugar não é a Bolsa nem os juros, é o câmbio", disse.
"Eu acho que o Brasil está barato demais com esse dólar aí a casa R$ 5,70, e eu acho que não tem razão institucional para o Brasil estar com esse dólar."
Esteves também defendeu o centro político como o mantenedor do status republicano do Brasil, e fez analogias entre o golpe militar de 1964 e o impeachment de Dilma Rousseff.
"Pelo caráter fisiológico, a gente tende a desprezar essa galera que flutua pelo centro que cada hora tem um nome, centrão, blocão, agora, não tenho dúvida, durante cem anos de história, esse centro que nos manteve republicanos", afirmou.
O banqueiro disse que nas últimas décadas, quando o Brasil "flertou com as maiores maluquices de direita ou esquerda", "essa turma" tomou atitudes.
"Quando a Dilma endoideceu, alguém foi lá e: 'peraí, vamos dar uma parada nisso'. Todo o golpe de 64, quando as pessoas me perguntavam com o Bolsonaro falando aquele excesso de besteira, [sobre] golpe, [eu dizia] é muito diferente. Se você for fazer uma analogia sobre 64 com hoje, a coisa mais parecida... 64 foi meio o impeachment da Dilma", disse.
"Acho que no dia 31 de março não teve nenhum tiro, ninguém foi preso, as crianças foram para escola, o mercado funcionou. Com simbolismos, linguagens, personagens da época, mas a melhor analogia é o impeachment da Dilma."
O empresário defendeu um diálogo aberto e transparente com ministros do STF (Supremo Tribunal Federal). Disse que durante a discussão da independência do Banco Central, foi "importantíssimo conversar com ministros e explicar" porque eles não são obrigados a nascer sabendo.
"Deu oito a dois [na votação pela autonomia do BC], mas precisou de alguns de nós sentar lá e explicar; não ter medo de falar, de conversar, de interagir, faz isso à luz do dia, com transparência, com clareza, honestidade intelectual, que vai ser sempre respeitado", afirmou.
O centro, diz ele, será quem vai decidir a eleição do ano que vem.
"Eu não estou muito preocupado com a consequência eleitoral. 'Ah, vai vir um Lula ultrapopulista ou vai vir um Bolsonaro muito doido.' Eu acho que se o Bolsonaro ficar muito doido, não vai ser eleito, se o Lula for muito esquerdista também não vai ser eleito", afirma.
Citando pesquisas para consumo interno do banco, ele diz que a pauta que elegeu Bolsonaro ainda é dominante. Apesar de considerar que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem uma "falsa baixa rejeição", hoje ele "ganharia de WO com um Congresso de centro-direita".
"O Lula é meio macunaíma. Meio vilão meio herói. (...) O problema é o que vem junto, aquela turma do PT que já é mais complicado", disse.
Esteves afirmou que, "se o presidente Bolsonaro ficar calado" e trouxer novamente tranquilidade institucional para o país, ele é o favorito. Se o ex-presidente Lula deixar as "declarações bombásticas de esquerda" restritas a áreas como cultura e meio ambiente e tiver nomes de centro na área econômica, pode se tornar o favorito.
Caso contrário, abre-se espaço para uma terceira via, na qual os governadores tucanos João Doria (SP) e Eduardo Leite (RS) seriam os favoritos, mesmo que entrem na disputa apenas no segundo semestre de 2022.
"Se os extremos ficarem nos extremos, esse centro vai andar. Essa história de que está tarde, que Eduardo Leite é um traço na pesquisa Não está tarde nada. Pode anunciar o candidato em agosto do ano que vem que não está tarde."