SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A valorização do real frente ao dólar completou nesta sexta-feira (25) um ciclo de quatro semanas. A última vez que a moeda brasileira perdeu para a americana no fechamento semanal foi em 25 de fevereiro, um dia após tropas da Rússia invadirem a Ucrânia.

O dólar fechou o pregão desta sexta valendo R$ 4,7470. O tombo foi de 1,77% em relação ao dia anterior. Essa é a menor cotação desde os R$ 4,72 registrados no encerramento da sessão de 11 de março de 2020, dia em que a OMS (Organização Mundial da Saúde) declarou a pandemia de Covid-19.

Nesta semana, a divisa dos Estados Unidos afundou 5,38%. No acumulado de 2022, o mergulho atingiu 14,86%.

É a Bolsa de Valores brasileira uma das portas de entrada para os dólares de investidores estrangeiros que, neste momento, fazem do real a moeda mais valorizada de 2022 entre os países emergentes e a terceira com maior ganho entre todos os países, segundo dados da Bloomberg.

O Ibovespa variou 0,02%, a 119.081 pontos. Na oitava sessão consecutiva de alta, o índice de referência da Bolsa estacionava na sua maior pontuação desde o início de setembro. A alta acumulada no ano é de 13,6%. Nesta semana, o ganho atingiu 3,27%, o melhor resultado desde janeiro.

Depois das oscilações geradas pelo início da guerra da Ucrânia, o Brasil desponta como alternativa para investidores que procuravam oportunidades no setor de commodities, uma vez que os embargos impostos à Rússia tendem a agravar a restrição da oferta de petróleo.

Os preços da matéria-prima sobem desde o final do ano passado devido à resistência da Opep (cartel formado pelos países que mais exportam o produto) em acelerar o aumento da oferta. Em 2022, a alta é de 50%, sendo 20% de ganho após o início do conflito na Europa.

Nesta sexta, porém, o petróleo não foi decisivo para a alta da Bolsa. O barril do Brent, referência para o mercado, subia apenas ligeiramente (0,55%) no início da noite, a US$ 119,68 (R$ 575,19). Ainda assim, a commodity está em um dos patamares mais elevados dos últimos 14 anos.

Desde o início do ano, porém, estrangeiros também buscam no Brasil oportunidades em ações que estavam desvalorizadas. É esse movimento voltado a outros segmentos da Bolsa que colaborou nesta sessão com a alta do Ibovespa. Setores de saúde, consumo de bens não essenciais, finanças e imóveis sustentavam os ganhos do índice.

Esse tipo de aplicação é vista no exterior como uma forma de obter lucros rápidos em mercados com potencial de crescimento enquanto as principais Bolsas globais, principalmente nos Estados Unidos, realizam um movimento de correção.

A expectativa de forte elevação dos juros americanos e o fim do programa de compras de ativos pelo Fed (Federal Reserve, o banco central dos EUA) têm levado investidores a liquidar ações muito valorizadas em Nova York durante a pandemia.

A renda fixa brasileira também é um atrativo neste momento. A taxa básica de juros (Selic) a 11,75%, frente a uma inflação estimada em 7%, coloca os juros reais do Brasil entre os melhores do mundo.

Investidores estrangeiros são responsáveis por 53% das movimentações financeiras na Bolsa. Desde o início do ano até a última terça-feira (22), o saldo das operações realizadas por eles estava em R$ 84 bilhões. Isso representa 82% do saldo de R$ 102,3 bilhões de todo o ano de 2021, que teve o recorde da série histórica.

No mercado de ações de Nova York, os principais índices subiram sem muita força nesta sexta. O indicador de referência S&P 500 avançou 0,51%. O Dow Jones caminhou 0,44%. A Nasdaq perdeu 0,16%.

Incertezas quanto aos efeitos da guerra na Ucrânia sobre a inflação, que é a maior em quatro décadas no país, ampliam as preocupações quanto a altas mais agressivas do que as esperadas para os juros.

"Os mercados estão tentando precificar algo que é basicamente impossível de precificar, pois parte do que está acontecendo no mundo depende do pensamento de [Vladimir] Putin, que ninguém conhece", disse Fahad Kamal, diretor de investimentos da Kleinwort Hambros ao The Wall Street Journal. "Quanto mais durar o conflito, maior será a força da inflação, menor será o crescimento. É massivamente e radicalmente incerto."

BANCO CENTRAL APOSTA NO CÂMBIO PARA AMENIZAR INFLAÇÃO

Câmbio baixo e juros altos são ferramentas elementares para uma política monetária voltada ao controle da inflação, principal preocupação neste momento do Banco Central do Brasil.

É por esse motivo que a autoridade monetária do país deverá manter uma política de juros altos que, apesar de pouco eficiente no controle de uma inflação provocada pela escassez, poderá continuar atraindo dólares de estrangeiros, segundo Piter Carvalho, economista da Valor Investimentos.

A inflação medida pelo IPCA-15 (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15) ficou acima das projeções de analistas em março. O índice teve alta de 0,95%. É a maior taxa para o período desde 2015 (1,24%), informou nesta sexta o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Provocada principalmente pela restrição da oferta de insumos, sobretudo dos derivados de petróleo, a alta dos preços no Brasil já reflete um processo de inflação inercial, segundo Carvalho.

Isso significa que há um processo de realimentação de preços, em que as altas acumuladas são somadas às expectativas de novos aumentos. "É uma inflação que vai se arrastar por mais tempo, mais difícil de derrubar, e não vai ser subindo juros", afirma. "Boa parte da inflação é importada, é do lado da oferta, coisa que os juros altos pouco conseguem atingir".

Juros elevados são atrativos para a renda fixa, mas prejudicam ações na Bolsa de empresas com maior expectativa de crescimento. Essas companhias estão em setores como tecnologia e varejo, por exemplo, e precisam de crédito mais barato para crescer.

No cardápio de investidores internacionais, porém, essas ações não são o prato principal. "Essa alta da inflação que leva a juros altos atrai capital estrangeiro que visa renda fixa", diz Carvalho, mas sem deixar de manter a Bolsa "atrativa para o investidor que visa só commodities", comentou.