SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Enquanto a guerra entre Rússia e Ucrânia provocou quedas nos principais mercados globais de ações nesta quinta-feira (3), investidores voltaram a buscar no Brasil oportunidades de ganhos com a valorização de materiais básicos com oferta prejudicada pelo conflito na Europa. O principal reflexo disso foi a queda de 1,56% do dólar, que encerrou o dia cotado a R$ 5,0280.

Índice de referência da Bolsa de Valores do Brasil, o Ibovespa operou no azul durante quase todo o dia, apoiado no crescimento de empresas produtoras de petróleo, minério de ferro e aço. Ao final da sessão, porém, o indicador fechou perto estabilidade. Houve queda de 0,01%, a 115.165 pontos

O recuo do Ibovespa acompanhou a desaceleração do petróleo no final da tarde. Depois de tocar a maior cotação em quase 14 anos nesta quinta, o barril do Brent, referência para essa matéria-prima, caiu 2,14% na comparação com o dia anterior, a US$ 110,51 (R$ 557,77). Na véspera, houve valorização de 7,58%.

A Rússia é uma das principais produtoras globais de petróleo e gás natural. A crise atual consolidou o preço da commodity no maior patamar desde 2014, ocasião em que a disparada também foi provocada por uma decisão do presidente russo, Vladimir Putin, que havia determinado a tomada da Crimeia, península ao sul da Ucrânia.

Na China, a guerra gera expectativa de aumento da demanda pelo aço produzido no país. Parte da matéria-prima para isso é o minério de ferro brasileiro, cujo valor dos contratos subiu 3,69% nesta quinta.

Com esse novo impulso das commodities, os mercados de câmbio e de ações voltam a refletir a entrada de investidores internacionais no país.

Antes do início da guerra, o Brasil já despontava nos últimos dois meses como um destino atraente para estrangeiros em busca de lucros rápidos enquanto bolsas dos principais mercados estavam devolvendo ganhos obtidos em anos anteriores.

No primeiro bimestre de 2022, o saldo de aplicações de estrangeiros na Bolsa alcançou R$ 62,6 bilhões. Um crescimento de 130% em relação aos R$ 27,2 bilhões do mesmo período de 2021.

Fundos e instituições financeiras que permitem a investidores de outras nacionalidades aplicar no Brasil têm grande importância no mercado acionário doméstico —representam 53% do volume negociado. Instituições brasileiras representam 26%. Investidores individuais (pessoas físicas) são 16%.

Países desenvolvidos se preparam para elevar juros para tentar frear uma inflação global provocada pela desorganização das cadeias de abastecimento durante a pandemia. Uma taxa de juros alta tira dinheiro do mercado de ações e o atrai para títulos de dívidas de países, principalmente os do Tesouro dos Estados Unidos.

Enquanto os juros por lá não sobem o suficiente –a alta nos EUA deve começar este mês, quando a taxa sairá do zero para avançar algo entre 0,25 e 0,50 ponto percentual—, países de economia emergente são opções para ganhos momentâneos.

Além do setor de commodities e outros com ações baratas na Bolsa, o Brasil também possui uma moeda desvalorizada em relação ao dólar e uma taxa de juros –10,75% ao ano– muito superior à inflação estimada em 5,6% para 2022. Essas condições tornam o país ainda mais vantajoso para estrangeiros, que podem tomar crédito barato no exterior e realizar aplicações lucrativas no mercado financeiro doméstico.

O efeito da guerra sobre as commodities também impulsiona outros mercados da América Latina, disse à Reuters o analista sênior Ricardo Evangelista, da ActivTrades. "Neste cenário, há margem para novas altas de preços", comentou, em referência à alta do petróleo.

Em uma comparação com 24 moedas de países emergentes considerando a variação nesta quinta, quatro das cinco dividas com maior valorização à vista frente ao dólar eram de países da América do Sul. Peso colombiano (2,1%), real (1,5%), peso chileno (1,1%), rand sul-africano (0,9%) e sol peruano (0,6%) encabeçavam a lista compilada pela Bloomberg. O rublo russo segurava a lanterna, com queda de 4,9%.

Sanções impostas pelos Estados Unidos e aliados aos fluxos financeiros dos grandes bancos, empresas e oligarcas russos beneficiam, neste primeiro momento, países em condições de atender ao aumento da demanda de materiais produzidos por Rússia e Ucrânia, além de oferecer um mercado acionário semelhante ao russo.

Um exemplo disso é o potencial efeito colateral da exclusão da Rússia do índice de ações globais para países emergentes da MSCI. A decisão da provedora de índices pode resultar em um fluxo de aproximadamente R$ 7 bilhões de recursos de estrangeiros para o Brasil, segundo projeção de analistas do Itaú BBA.

Essas vantagens, porém, têm prazo de validade curto, alerta Nicola Tingas, consultor econômico da Acrefi (Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento). "Haverá impacto inflacionário [no Brasil] em energia, choque de oferta de fertilizantes, alta de milho, trigo, soja, que afetam preço de proteínas", comentou.

No exterior, os mercados tiveram um dia de volatilidade enquanto investidores tateavam os efeitos das punições econômicas impostas à Rússia.

Depois de uma abertura em alta, os principais índices de ações dos Estados Unidos perderam força. Dow Jones, S&P 500 e Nasdaq caíram 0,29%, 0,53% e 1,56%, nessa ordem.

A inflação, agora potencializada pela guerra, segue assombrando o investidor americano. O presidente do Federal Reserve (o banco central dos EUA), Jerome Powell, comentou nesta quinta que a guerra da Rússia na Ucrânia pode atingir a economia dos Estados Unidos por uma variedade de canais, desde preços mais altos até redução de gastos e investimento.

Bolsas da Europa mergulharam no pessimismo. Londres, Paris e Frankfurt, as mais importantes da região, fecharam com perdas de 2,57%, 1,84% e 2,16%, respectivamente.

Na Ásia, o principal índice da China, que reúne empresas de Xangai e Shenzhen, caiu 0,59%. O mercado acionário de Tóquio avançou 0,70%. Hong Kong subiu 0,55%.