BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Em depoimento à CPI da Covid, o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, afirmou que as falas do presidente Jair Bolsonaro resultaram na paralisação por três meses do processo de compra da vacina Coronavac.

Covas disse nesta quinta-feira (27) que seria possível ter entregue 100 milhões de doses até maio deste ano do imunizante desenvolvido em parceria com o laboratório chinês Sinovac, se não houvesse interrupção nas negociações.

Em outra frente, o diretor do Butantan também disse que manifestações contra a China feitas por Bolsonaro, seus familiares e outros integrantes do governo, acarretam dificuldades para obter insumos para as vacinas.

O diretor do Butantan afirmou que a primeira proposta de venda de vacinas para o Ministério da Saúde aconteceu em julho de 2020, assim como houve um pedido de recursos para a construção de uma fábrica de vacinas e para a realização de testes clínicos para o imunizante. Nenhuma dessas comunicações recebeu resposta positiva.

Covas também contrariou a fala do ex-ministro Eduardo Pazuello à comissão, de que não recebeu ordens de Bolsonaro para não comprar a Coronavac e que falas do presidente não impactaram a negociação.

O diretor disse que havia a expectativa de assinatura do contrato em outubro, mas as declarações de Bolsonaro foram seguidas pela suspensão nas negociações por três meses.

“Todas essas negociações que ocorriam com troca de equipes técnicas, com troca de documentos, a partir desse momento elas foram suspensas. Quer dizer, houve, no dia 19 [de outubro], um dia antes da reunião com o ministro, um documento do ministério que era um compromisso de incorporação, mas, após, esse compromisso ficou em suspenso e, de fato, só foi concretizado em 7 de janeiro”, afirmou.

O vice-presidente da CPI, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), divulgou então áudios com a fala de Bolsonaro no dia 20 nos quais afirma: “Já mandei cancelar, quem manda sou eu. Não abro mão da minha autoridade". Em outro áudio reproduzido, Pazuello afirma um dia depois que “é simples assim: um manda e outro obedece”.

Covas afirmou que existe, sim, relação entre os fatos. “Infelizmente, essas conversações não prosseguiram porque houve, sim, aí, uma manifestação do presidente da República, naquele momento, dizendo que a vacina não seria, de fato, incorporada, não haveria o progresso desse processo."

“Óbvio que isso causa, sem dúvida nenhuma, uma frustração da nossa parte, mas, enfim, faz parte. E voltamos ao Butantan e continuamos o projeto, quer dizer, isso não foi motivo para nós interrompermos o desenvolvimento da vacina, mas aí já com algumas dificuldades, ou seja, a inexistência de um contrato com o ministério, que é o nosso único cliente, colocava, de fato, uma incerteza em termos de financiamento”, completou.

O diretor do Butantan disse que inicialmente esse contrato em outubro iria prever a aquisição de 100 milhões de doses da vacina, mas em seguida o Ministério da Saúde decidiu reduzir a quantia para 46 milhões. Esse segundo contrato seria suspenso, só sendo reativado em janeiro deste ano.

“Se tivéssemos o contrato com quantitativo maior, de 100 milhões de doses, o cronograma seria outro, poderia ter sido cumprido até maio."

O governo fechou contrato com o Butantan em janeiro. As 100 milhões de doses agora estão previstas para setembro, mas o cronograma pode sofrer alteração por causa das dificuldades de se obter insumos.

Covas afirmou que seria possível que 10 milhões de doses fossem entregues ainda em dezembro de 2020.

Vale ressaltar, no entanto, que a autorização para uso emergencial só foi concedida em 17 de janeiro deste ano pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

Sobre a dificuldade em receber insumos, o diretor do Butantan afirmou que as declarações do presidente e membros do seu governo atrapalham as tratativas para agilizar a liberação pelo governo chinês.

“Não precisa dizer que tem problema de relacionamento. Isso é senso comum. Quer dizer, cada declaração que ocorre aqui no Brasil repercute na imprensa da China. As pessoas da China têm grande orgulho da contribuição que a China dá ao mundo neste momento. Então, obviamente isso se reflete nas dificuldades burocráticas, que eram normalmente resolvidas em 15 dias, e hoje demoram mais de mês para serem resolvidas”, afirmou Covas.

“O embaixador da China deixou isto muito claro naquele momento: que posições que são antagônicas, que desmerecem a China, causam, obviamente, inconformismo do lado chinês."

Segundo Covas, já é possível ver resultados da distensão ocorrida após a saída do chanceler Ernesto Araújo, substituído por Carlos França. Teria sido notável uma “evolução na postura” do governo.

“Olha, do meu ponto de vista, foi a primeira vez em que eu tive uma reunião, a que eu fui convidado, estando presentes o ministro das Relações Exteriores, o ministro da Saúde e o ministro [da Economia] Paulo Guedes. O fato de eu ter sido convidado e, da mesma forma, o fato de a presidente da Fiocruz ter sido convidada, acho, mostram uma evolução nessa postura”, afirmou.

Um dos momentos da sessão se deu após o senador governista Marcos Rogério (DEM-RO) reproduzir trecho de um documentário, com um áudio vazado do governador de São Paulo, João Doria (PSDB).

"Ele [grupo chinês] está falando com um cliente de R$ 2,5 bilhões! Só tem um cara que tá se expondo aqui: sou eu. Fundamentalmente, sou eu. Eu tô no primeiro plano dessa história. Publicamente. Ainda sofrendo ataque do Bolsonaro, bolsominion, bolso não sei do quê", afirma Doria, no áudio.

Rogério apontou que o vídeo seria uma prova do uso político que Doria faz da vacina. O presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), saiu em defesa do governador paulista.

Aziz o cortou para dizer que a fala foi uma demonstração de um agente político que estava em busca de vacinas. Rogério ficou irritado e pediu a Aziz que controlasse sua "sanha" e depois o presidente também foi acusado de atuar como “advogado de São Paulo”.

Em outro momento, após pergunta da senadora Simone Tebet (MDB-MS), Covas disse que uma terceira dose da Coronavac está em estudo pelo instituto.

"Eu não tenho chamado de terceira [dose], mas de [dose de] reforço. Isso será necessário a todas as vacinas. Não só em relação à própria duração da imunidade, mas em relação às variantes", disse Covas.

Segundo ele, a resposta de anticorpos induzidos pela vacina às novas variantes, como a sul-africana e a indiana, é inferior à cepa original.

"Portanto uma dose adicional já com as variantes está sendo pesquisada, inclusive pelo Butantan, que já incorpora essa variante chamada P1 nos estudos em andamento, inclusive com a Butanvac, prevendo que ela seja produzida", disse Covas.

O diretor do instituto ainda afirmou, em resposta a Tebet, que a segunda dose da Coronavac pode ser aplicada em tempo superior a 28 dias (período recomendado) e ainda produzir anticorpos. O importante, reforçou Covas, é tomar as duas doses.

Após a sessão, Randolfe afirmou que o depoimento de Covas corroborou a tese de que o governo perseguiu outras estratégias de enfrentamento da pandemia e que "está pavimentado o caminho da negação das vacinas".

"Está patente que existia um gabinete paralelo de deferimento da pandemia, com uma estratégia diferente da ciência. A ciência aposta no isolamento e na vacina. Esse gabinete paralelo apostava e ainda insiste em cloroquina, na aglomeração e na imunização de rebanho", afirmou o vice-presidente da CPI, ao fazer um balanço das descobertas no primeiro mês de atividades da comissão.

O relator, Renan Calheiros (MDB-AL), afirmou que os próximos depoimentos já devem contar com um serviço de checagem de fatos, para evitar mentiras e inconsistências, tanto de depoentes, como de senadores.

A proposta já existia, mas foi fechada nesta quinta após fala do senador Eduardo Girão (Podemos-CE), que questionou Covas sobre a morte do sambista Nelson Sargento, alegando que morreu de Covid após ter sido imunizado com a Coronavac.

Senadores consideraram um "desserviço" a fala de Girão, uma vez que poderia indicar a falta de eficácia das vacinas, quando na verdade Sargento tinha 96 anos e enfrentava um câncer.

Renan afirmou que foram requisitados três servidores da Agência Senado, agência de notícias da Casa. Eles vão se juntar a outros quatro técnicos da CPI para atuarem nesse serviço de checagem.

O Senado tem um serviço de checagem de notícias relacionadas ao Legislativo, o Senado Verifica. No entanto, ainda não foi definido se a checagem vai contar com esses servidores

Grupos de mídia também ofereceram seus serviços de checagem para Renan, mas o relator afirmou que não haverá parcerias formais com as instituições privadas. No entanto, disse que pode usar eventualmente esse material para contrapor depoentes e senadores.

Renan também comentou a convocação do ex-ministro Pazuello, afirmando que terá um caráter pedagógico. Segundo o senador, servirá para que esse "maluco" não volte a "delinquir", em referência à participação do general, sem máscara, em evento com Bolsonaro no Rio de Janeiro no último fim de semana.

Os senadores da CPI também estabeleceram um cronograma dos próximos depoimentos.

Na semana que vem, haverá oitivas para discutir a hidroxicloroquina, um dos medicamentos sem eficácia comprovada para o tratamento da Covid. O primeiro deles será da médica Nise Yamaguchi, apontada como conselheira de Bolsonaro.

Também foram definidos os depoimentos dos primeiros representantes dos estados, que serão espaçados e colocados ao final.

O primeiro será o ex-governador do Rio Wilson Witzel. Entre o fim de junho e início de julho também estão programadas as participações de Wilson Lima (PSC), do Amazonas, Helder Barbalho (MDB), do Pará, e Wellington Dias (PT), do Piauí.

Em uma derrota para o Planalto, também foi agendada a oitiva do assessor internacional da Presidência Filipe Martins e do empresário Carlos Wizard, tido como conselheiro de Pazuello. Os dois seriam parte do que vem sendo apontado como "ministério paralelo".