SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A dieta da população brasileira mudou nos últimos 30 anos: o consumo de alimentos minimamente processados ou de ingredientes culinários caiu ou se manteve estável, enquanto a ingestão de alimentos processados ou ultraprocessados aumentou até duas vezes mais.

Como consequência, entre os anos de 1987 até 2018, os impactos ambientais da alimentação no país também cresceram, aumentando em 21% a emissão de gases de efeito estufa, 22% a pegada hídrica e 17% a pegada ecológica.

Esses são os resultados de uma pesquisa que avaliou qual o efeito da mudança nas escolhas alimentares dos brasileiros nas últimas três décadas. O estudo foi publicado na edição desta quarta-feira (10) da revista The Lancet Planetary Health.

Na série histórica, o consumo dos brasileiros passou de 52% de alimentos in natura ou minimamente processados (como carnes e ovos) para 46% nos últimos três anos. Já o consumo de alimentos ultraprocessados, que era de 10% no final da década de 1970, hoje atinge cerca de um quarto de toda a ingestão calórica por dia dos brasileiros.

Embora a produção de alimentos minimamente processados como carne vermelha seja responsável por quase metade de toda a emissão de gases do efeito estufa, essa taxa permaneceu praticamente a mesma ao longo dos últimos 30 anos. Já a contribuição da produção de alimentos ultraprocessados aumentou 245% no mesmo período.

A pesquisa mediu o impacto gerado por uma ingestão equivalente a mil calorias de mais de 334 tipos de alimentos e bebidas em 11 áreas metropolitanas. Os dados foram levantados da Pesquisa do Orçamento Familiar do IBGE, um questionário sobre todos os itens consumidos anualmente por famílias.

Além disso, a pesquisa observou os impactos ambientais gerados por cada um dos tipos de alimento mais consumidos no país (como feijão, arroz, ovos) tanto na emissão de gases de efeito estufa quanto na quantidade de recursos hídricos gastos e nos recursos naturais --por exemplo, áreas florestadas desmatadas. Assim, foi possível chegar a um cálculo por grupo alimentar.

O estudo é fruto de uma parceria entre pesquisadores da USP (Universidade de São Paulo) e das universidades de Manchester e Sheffield, no Reino Unido.

Para a nutricionista e mestre em Saúde Pública pela USP, Jacqueline Silva, o estudo é o único a considerar os impactos ambientais gerados pelos alimentos ao longo de toda a cadeia, desde a produção até o consumo.

"Diversos estudos já buscavam avaliar o impacto ambiental, por exemplo, de uma dieta carnívora contra uma vegetariana, mas o nosso é o primeiro a avaliar como a alimentação de uma população [no caso, a brasileira] mudou ao longo de tempo e quais os impactos disso", explica.

Além disso, a pesquisa permitiu quantificar a pegada ecológica de cada alimento individualmente ao longo de 30 anos. A classificação dos itens seguiu o Guia Alimentar Brasileiro, que os divide em quatro grupos: in natura ou minimamente processados, ingredientes culinários, processados e ultraprocessados.

"Na nossa análise, consideramos que o impacto gerado para produzir um quilo de carne em 2018 é o mesmo em 1978, para poder comparar os fatores que levam àquela emissão de gases de efeito estufa. Então, muito embora o impacto ambiental para produzir um mesmo alimento esteja igual na nossa pesquisa, a dieta da população brasileira mudou e é isso que vemos nos resultados finais", diz Silva.

A produção agropecuária é responsável hoje por cerca de um terço da emissão global de gases de efeito estufa, segundo levantamento da OMS (Organização Mundial da Saúde). No Brasil, esse valor chega a quase 70% ao somar também com a liberação de gases pelo desmatamento.

Se o consumo de carne fresca na década de 80 era menor, ele cresceu ao longo da década de 90, chegando a 10,7% do consumo diário de calorias em 1996. Houve uma queda entre os anos de 1996 a 2003 e, apesar de ter voltado a subir após os anos 2000, hoje já é menor do que em 1996, em cerca de 9,1%.

"Mas o consumo de carnes ultraprocessadas, como salsicha e embutidos, mais do que dobrou nos últimos 30 anos. E, além dos impactos ambientais gerados por esse tipo de alimento, sabemos também que eles são prejudiciais à saúde", afirma a nutricionista.

Há, porém, um lado positivo: o consumo de alimentos ultraprocessados aqui, embora tenha crescido, não é ainda igual ao de países ricos como Estados Unidos e Austrália, onde corresponde a mais de 40% do consumo diário.

"O grande desafio seria não deixar essa tendência de crescimento seguir. É por isso que quando falamos em uma sindemia de doenças crônicas e mudanças climáticas estamos falando de coisas interligadas: os danos à saúde por obesidade, hipertensão e outras doenças crônicas gerados pelo consumo desses alimentos se somam também à maior insegurança alimentar de pequenos produtores e aos impactos ambientais. É um sistema complexo que não pode ser olhado isoladamente", completa.