SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Ainda não localizado pela Justiça desde abril, o deputado estadual Fernando Cury (Cidadania-SP), denunciado sob acusação de importunação sexual pelo Ministério Público de São Paulo, retomou nesta quarta-feira (6) seu mandato na Assembleia Legislativa após o fim da punição de 180 dias de afastamento.

A ação motivada pela deputada estadual Isa Penna (PSOL-SP), que foi apalpada por Cury durante uma sessão no plenário em dezembro passado, está parada à espera de que o deputado forneça sua defesa prévia. Como mostrou o jornal Folha de S.Paulo, o Tribunal de Justiça de São Paulo, no entanto, ainda não conseguiu localizá-lo para fazer essa intimação.

Em abril, os deputados da Assembleia votaram de forma unânime para afastar Cury por seis meses, sem direito a remuneração. O deputado havia obtido uma vitória no Conselho de Ética da Casa, que aprovou afastamento de apenas 119 dias --mas a pressão da deputada fez com que a pena fosse ampliada.

Agora, com Cury frequentando a Assembleia, a expectativa de Isa e de suas advogadas é que ele seja finalmente notificado e que o processo penal destrave.

"Voltando a ser deputado, ele tem o endereço comercial dele, que é o gabinete, então ele vai ter que receber [a notificação]. Não tem mais como desviar", afirma a deputada à reportagem.

Isa, porém, diz que será difícil reencontrar Cury na Casa. "Meu sentimento é de indignação. É muito indignante, mas a luta continua na esfera do processo criminal. Eu estou me preparando para não ser pega desprevenida ou sozinha, não vou andar sozinha. E vou fazer de tudo pra ele não se reeleger."

A deputada afirma ainda que esse tema deixa o clima na Casa pesado, mas serviu de lição. "A Assembleia entendeu que o caso de assédio que aconteceu aqui foi um marco histórico, e, a partir disso, a Casa precisava dar respostas. Definitivamente, nossa reação vai inibir o comportamento dos deputados. Quando a gente denuncia, tem um efeito de onda, vai encorajando outras mulheres."

Na Assembleia, Isa aprovou o projeto de lei "Dossiê Mulher Paulista", que obriga a elaboração de estatísticas periódicas sobre mulheres vítimas de violência. A deputada também criou a plataforma Dossiê Mulheres, para orientar mulheres vítimas de violência.

Cury foi procurado pela reportagem, mas não deu declarações até a publicação deste texto.

Depois de ser apalpada, Isa levou o caso ao Ministério Público, que ofereceu a denúncia em março. Antes de analisar se aceita a denúncia e torna Cury réu, o desembargador João Carlos Saletti, do TJ-SP, determinou em 12 de abril que o deputado fosse notificado e oferecesse uma defesa prévia em 15 dias.

A ordem para notificar Cury foi enviada à comarca de Botucatu (SP), já que o deputado ofereceu seu endereço residencial no centro da cidade.

Segundo os registros no processo, o oficial de Justiça esteve na casa de Cury "nos dias 2 e 24 de maio de 2021, e 2 e 7 de junho de 2021, às 15h55, 9h15, 16h10 e 16h35, respectivamente", mas não o encontrou.

Nesse período, Cury registrou em suas redes sociais momentos em família, em casa, bem como atividades políticas, como visitas a aliados de cidades vizinhas e até a presença em um evento do governador João Doria (PSDB) no Palácio dos Bandeirantes.

Também durante esse período, Cury se manifestou na imprensa a respeito da denúncia, e sua defesa atuou em outros processos relacionados ao caso, o que levou a Promotoria a pedir urgência na notificação.

"Aparentemente, o deputado vem acompanhando os procedimentos e processos, habilitando-se espontaneamente nos autos e se manifestando quando de seu interesse. Sendo assim, aguarda-se a notificação do denunciado, com urgência, para que apresente sua resposta, possibilitando-se o regular prosseguimento do feito", afirmou o procurador Mario Antonio de Campos Tebet em 13 de setembro.

Desde então, a Justiça iniciou uma nova rodada de tentativas para localizar o deputado nos endereços que ele forneceu, bem como determinou a notificação por edital, que significa publicar a intimação no Diário Oficial com um prazo --o que pode levar meses.

Em outra frente, Cury também conseguiu atrasar seu processo de expulsão do Cidadania, que, mais de dez meses depois, está na etapa final e depende da deliberação do diretório paulista do partido.

Ainda em dezembro, a legenda afastou-o das atividades partidárias e deu início ao trâmite de expulsão no conselho de ética -mas o deputado entrou com uma ação no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJ-DFT), o que paralisou o caso.

Cury questionava etapas da tramitação e alegava ter tido sua defesa cerceada. Somente em agosto passado, uma decisão do juiz Carlos Fernando Fecchio Dos Santos, da 20ª Vara Cível de Brasília, determinou que a ação de expulsão fosse retomada, com a condição de que Cury e suas testemunhas fossem ouvidas.

O partido marcou a oitiva para 14 de setembro -Cury pediu o adiamento na Justiça e recorreu da decisão que destravou a tramitação da expulsão, mas teve os pedidos indeferidos.

O deputado, então, decidiu não prestar seu depoimento de defesa, argumentando que a ação no TJ-DFT ainda não transitou em julgado. O Cidadania, por sua vez, deu andamento ao processo e, em 15 de setembro, o conselho de ética voltou a recomendar a expulsão de Cury.

Agora, o processo foi remetido para o diretório paulista, que dará seguimento à expulsão. Ainda não há data prevista para reunião do colegiado.

Como mostrou o jornal Folha de S.Paulo, Cury fez reuniões políticas mesmo afastado do mandato e divulgou benefícios a prefeituras que diz ter conquistado junto ao governo Doria --o deputado compõe a base de apoio do tucano na Assembleia.

O suplente que assumiu o mandato nesse período, Padre Afonso Lobato (PV), manteve parte dos assessores de Cury, inclusive os ligados à campanha, ao partido ou à região de atuação do deputado do Cidadania.

A Folha de S.Paulo revelou que, dos 17 funcionários lotados no gabinete de Padre Afonso, 10 foram "herdados" do gabinete de Cury, incluindo a ex-chefe de gabinete Regiane Cristina Mendes. Ela testemunhou a favor de Cury perante o Conselho de Ética da Assembleia.

Isa buscou o Ministério Público para denunciar as atividades políticas do deputado, mas, após investigação, o órgão decidiu, em agosto, arquivar o caso argumentando que "a realização ou participação em eventos de cunho político ou mesmo partidário não é suficiente para caracterizar ato inerente ao ofício parlamentar".

Também em agosto, o TJ-SP determinou que o estado barre a nomeação de Cury para o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (Condeca).

A medida liminar atende a solicitação apresentada pela Promotoria da Infância e Juventude do Ministério Público de São Paulo, que acatou representação de Isa. No dia 15 de agosto, Cury foi eleito para um mandato de dois anos no colegiado.

O caso Em dezembro do ano passado, Cury foi flagrado pelas câmeras da Assembleia Legislativa de São Paulo apalpando a lateral do corpo de Isa durante uma sessão plenária.

No Conselho de Ética da Casa, com a ajuda de deputados conservadores e religiosos, Cury obteve uma punição de 119 dias de afastamento enquanto Isa pleiteava a cassação de seu mandato.

No entendimento de Cury e seus aliados, seu gabinete não precisaria ser desmobilizado e seus funcionários demitidos nesse período, mas a Procuradoria da Casa esclareceu que o suplente assumiria independentemente do tempo de pena.

O caso foi do Conselho de Ética ao plenário, em abril, sob a decisão do presidente da Casa, Carlão Pignatari (PSDB), de que não caberia aumentar a punição, apenas referendá-la ou não.

Isa, no entanto, insistiu na cassação. Com o apoio de mulheres da Casa, de esquerda e de direita, e de uma série de líderes de partidos que discordavam da pena de 119 dias, o plenário construiu um acordo para a suspensão de 180 dias.

Cury acabou condenado à perda temporária do exercício do mandato por seis meses em votação unânime do plenário da Assembleia em 1º de abril. Tornar possível o aumento da pena foi considerado uma vitória por Isa, apesar de a tese da cassação não ter prosperado.