Dedico minha carreira para que a igualdade seja real, diz 1ª juíza negra indicada à Suprema Corte dos EUA
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segunda-feira, 21 de março de 2022
RAFAEL BALAGO
WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) - O Senado dos EUA começou nesta segunda (21) a sabatina de Kentanji Brown Jackson, nomeada para o cargo de juíza da Suprema Corte. Ela é a primeira mulher negra indicada para a função em 233 anos de funcionamento do tribunal.
Em sua fala inicial, Jackson se comprometeu a agir de modo independente e em busca da igualdade. "Tenho dedicado minha carreira a garantir que as palavras gravadas na frente do edifício da Suprema Corte, 'Justiça igualitária sob a lei', sejam uma realidade e não apenas um ideal", disse ela.
"Tenho sido juíza por quase uma década e levo meu dever de ser independente muito a sério. Eu decido casos a partir de uma postura neutra. Avalio os fatos, interpreto e aplico a lei sem medo ou favores", prosseguiu. "Sei que meu papel como juíza é limitado, que a Constituição me dá poder apenas para decidir casos e controvérsias que sejam apresentados apropriadamente."
Desde o ano passado, Jackson, 51, é juíza da Corte de Apelações do Distrito de Columbia. Ela foi nomeada para a Suprema Corte pelo presidente Joe Biden no final de fevereiro. Se confirmada pelo Senado, deve tomar posse no segundo semestre.
Na audiência perante os senadores, ela voltou a destacar que se considera abençoada por Deus pela trajetória que teve, agradeceu aos seus pais por todo o esforço que fizeram e relembrou parte de sua história.
"Quando nasci, aqui em Washington, meus pais eram professores de escola pública. Para expressar orgulho de seus ancestrais e esperança no futuro, me deram o nome de Ketanji, que significa 'pessoa amável'. Eles me ensinaram que apesar das muitas barreiras que encararam, meu caminho estava livre", contou.
Neste primeiro dia de sabatina, os membros da Comissão de Justiça do Senado fizeram discursos sobre a nomeação. Democratas destacaram a importância de ter uma mulher negra pela primeira vez na Suprema Corte, enquanto republicanos indicaram que pretendem fazer perguntas duras. As audiências devem seguir até quinta (24).
"A realidade é que os membros da [Suprema] Corte nunca refletiram a nação a que servem", disse o senador democrata Dick Durbin, que preside a Comissão de Justiça. "Não é fácil ser a primeira. Mas sua presença aqui hoje dará inspiração a milhões de americanos que se veem em você. É um dia de orgulho para a América", prosseguiu, na fala de abertura do evento.
Já o senador republicano Josh Hawley indicou que questionará Jackson por suas decisões sobre casos envolvendo pornografia infantil e pedofilia. Ele considera que, em menos sete casos, a juíza deu sentenças mais brandas do que a recomendação federal. "Acho que há muito a falar aqui sobre este assunto, e estou esperando por isso", disse.
Na semana passada, Hawley a acusou de ser leniente. "A Juíza Jackson tem um padrão de facilitar as coisas para acusados por pornografia infantil, tanto como juíza quanto como formuladora de políticas. Ela tem defendido isso desde o ensino médio. Isso vai além de ser "suave com o crime", criticou, em um post em rede social.
A juíza precisa do aval dos senadores para chegar à Suprema Corte. A aprovação deve ocorrer, pois os democratas possuem 50 das 100 cadeiras do Senado, mais o poder de desempate. No ano passado, ela enfrentou processo similar: sua nomeação para a Corte de Apelações passou no Senado por 53 a 44, com três votos de republicanos.
Os democratas querem que a nomeação, anunciada em fevereiro, seja votada no Senado antes do recesso da Páscoa, que começa em 8 de abril. Se confirmada, Jackson deve tomar posse em outubro, quando começa o novo ano judicial nos EUA.
A posse também seria perto das eleições de meio de mandato, marcadas para novembro, nas quais os democratas correm o risco de perder as estreitas maiorias na Câmara e no Senado.
A escolha foi vista como um aceno de Biden ao eleitorado negro, que deu boa votação aos democratas em 2020, mas que hoje tem lideranças fazendo críticas a ele. Em janeiro, por exemplo, o presidente foi à Geórgia fazer um ato em defesa de mudanças para facilitar o acesso ao voto, mas o evento foi boicotado por alguns líderes negros, que pediam mais ações e menos discursos.
Uma pesquisa feita pela Universidade Monmouth, de Nova Jersey, apontou que 55% dos americanos apoiam a nomeação dela, 21% são contra e 24% não souberam opinar. O estudo ouviu 809 americanos, entre os dias 10 e 14 de março, com margem de erro de 3,5 pontos percentuais.
Jackson nasceu em Washington, em 1970. Seus pais estudaram em escolas segregadas, no sul dos EUA, nas quais alunos brancos e negros deveriam ir a instituições diferentes. Depois, eles cursaram universidades voltadas para negros e começaram a carreira como professores na rede pública.
Ela cresceu em Miami, destacando-se em torneios de debate e oratória, e estudou direito em Harvard, universidade na qual foi subeditora da Harvard Law Review. Após se formar, foi assistente de alguns juízes, incluindo Stephen Breyer, 83, integrante da Suprema Corte que anunciou que se aposentará ao final do atual ano jurídico, em outubro, e abriu caminho para a nova nomeação.
Nos anos 2000, alternou períodos como advogada e defensora pública, em que atendia pessoas sem dinheiro. Se for confirmada, Jackson será a primeira ex-defensora pública a chegar à Suprema Corte.
Em 2009, foi indicada pelo presidente Barack Obama para a vice-presidência da US Sentencing Comission Durante seu mandato, o departamento recomendou a redução nas penas para crimes ligados ao porte de drogas.
Quatro anos depois, Obama a nomeou para a Corte Distrital do Distrito de Columbia. No cargo, ela analisou processos envolvendo atos da Presidência e barrou uma tentativa do então presidente Donald Trump de ampliar a deportação de imigrantes sem ouvi-los em audiências e impediu três ordens executivas dele para limitar os direitos de trabalhadores federais, como a filiação a sindicatos.
Jackson também fez parte do painel de três juízes que deu aval para que o Congresso obtenha acesso aos registros da Casa Branca relacionados a 6 de janeiro de 2021, quando houve a invasão ao Capitólio. A Suprema Corte depois confirmou a decisão.
Outras de suas decisões foram favoráveis ao republicano, como a autorização da dispensa do estudo de impacto ambiental na construção do muro na fronteira com o México.
A juíza mora atualmente em Washington. Ela é casada com Patrick, chefe da divisão de cirurgia geral no hospital da universidade Georgetown, com quem tem duas filhas.
A Suprema Corte dos EUA é a mais alta instância judicial do país e tem poder para decidir os rumos do país em áreas sensíveis. Atualmente, a corte tem seis magistrados de orientação conservadora e três que costumam votar de modo mais liberal. A nova nomeação não mudará este quadro.
Um dos temas em análise pela corte é o direito ao aborto, que foi liberado por uma decisão do próprio tribunal, em 1973. Nos últimos anos, vários estados americanos aprovaram leis para restringir a prática, e ao analisar a legalidade dos procedimentos de um deles, o tribunal poderá mudar seu entendimento sobre o tema. O sonho de muitos conservadores é que uma nova decisão derrube a decisão de 1973, abrindo caminho para vetar o aborto.
A nova juíza será apenas a terceira pessoa negra a ser nomeada para a Suprema Corte. O primeiro foi Thurgood Marshall, indicado pelo democrata Lyndon Johnson em 1967 ele se aposentou em 1991 e morreu em 1993. O segundo é Clarence Thomas, no cargo desde 1991, quando foi indicado pelo republicano George Bush.
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QUEM É QUEM NA SUPREMA CORTE
ALA CONSERVADORA
Jonh Roberts, 67
Indicado por George W. Bush em 2005. Ainda que seja considerado conservador, o atual presidente da Corte às vezes atua de forma moderada
Clarence Thomas, 73
Indicado por George Bush em 1991
Samuel Alito, 71
Indicado por George W. Bush em 2006
Neil Gorsuch, 54
Indicado por Donald Trump em 2017
Brett Kavanaugh, 57
Indicado por Trump em 2018
Amy Coney Barrett, 50
Indicada por Trump em 2020
ALA PROGRESSISTA
Stephen Breyer, 83 (se aposenta este ano)
Indicado por Bill Clinton em 1994
Sonia Sotomayor, 67
Indicada por Barack Obama em 2009
Elena Kagan, 61
Indicada por Obama em 2010

