RIO DE JANEIRO, SP (FOLHAPRESS) - A decisão da Quinta Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça) desta terça-feira (16) preserva uma das poucas provas que vinculam uma movimentação financeira de Fabrício Queiroz em benefício de Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), tese do esquema da "rachadinha" no antigo gabinete do senador na Assembleia Legislativa do Rio.

Trata-se das imagens do policial militar aposentado Fabrício Queiroz pagando com dinheiro vivo contas pessoais do senador numa agência bancária. Essa é uma das poucas provas que mostram uso de dinheiro pelo ex-assessor em benefício de Flávio.

Os ministros decidiram, por 3 a 2, considerar legais o compartilhamento de informações do Coaf com o Ministério Público do Rio de Janeiro na investigação contra o senador.

Os dados do órgão federal foram usados pelo MP-RJ no início da investigação contra o senador e serviram de base para o pedido de quebra dos sigilos bancário e fiscal do senador e de outros investigados no caso, além de outras diligências sem a participação do Judiciário.

Na prática, as decisões já proferidas mantêm todos os atos praticados pelo MP-RJ antes de solicitar as quebras de sigilo, atualmente anuladas. Isso inclui, além das imagens de Queiroz no banco, o desarquivamento de procedimento sobre as transações imobiliárias do senador e a solicitação de dados às construtoras que venderam imóveis para o senador.

Também estão preservadas as mensagens entre Queiroz e Danielle Mendonça da Nóbrega, ex-mulher do miliciano Adriano da Nóbrega, morto há um ano.

O vídeo preservado pela decisão do STJ mostra Queiroz quitando na boca da agência do Itaú na Assembleia Legislativa fluminense boletos das mensalidades escolares das filhas do senador, que somavam R$ 6.942. Dados da investigação mostram que o pagamento, em 1º de outubro de 2018, foi feito em dinheiro vivo.

As imagens foram solicitadas aos bancos em dezembro de 2018, sem a participação do juiz Flávio Itabaiana, quando a apuração ainda era tocada por procuradores do MP-RJ que atuam na segunda instância. Por esse motivo, é baixo o risco de a prova ser afetada pela discussão sobre o foro em que o caso deve correr.

Havia a preocupação de que, com a anulação dos relatórios, as imagens não estivessem mais disponíveis nos arquivos do banco para uma nova solicitação em razão do tempo decorrido -mais de dois anos.

Além desta prova, apenas um outro depósito de R$ 25 mil de Queiroz na conta da mulher do senador, a dentista Fernanda Bolsonaro, faz um vínculo entre movimentações financeiras do ex-assessor com as transações do senador. O aporte ocorreu dias antes de o casal quitar a primeira parcela do financiamento de um apartamento em 2011.

As demais suspeitas contra o senador decorrem do fato dele ter realizado diversas operações com dinheiro vivo sem ter realizado saques em valores correspondentes. Aliado às retiradas constantes feitas por Queiroz, o MP-RJ afirma que as transações em espécie de Flávio só podiam ter como origem o esquema da "rachadinha" operado por seu ex-assessor.

Flávio foi denunciado pelo MP-RJ no ano passado sob acusação de peculato, lavagem de dinheiro, apropriação indébita e organização criminosa. Segundo os investigadores, o senador liderava uma quadrilha para recolher parte dos salários de ex-funcionários de seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa para benefício pessoal.

O valor total desviado dos cofres públicos, segundo o MP-RJ, foi de R$ 6,1 milhões.

A maior parte da denúncia tem como base dados das quebras de sigilo bancário e fiscal anuladas no mês passado. Há, porém, vias judiciais para que os dados bancários sejam obtidos de novo. A decisão desta terça, considerando legais os relatórios do Coaf, favorece a isso.

Mas esse entendimento, contra o qual o Ministério Público Federal já recorreu, ameaça provas colhidas que não podem ser apreendidas de novo, como celulares e comprovantes bancários. Para o MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro), elas corroboram os indícios das "rachadinhas" expostos pelos dados das contas dos investigados.

"Agora deu ruim", disse em mensagem de áudio o pai da ex-assessora Luiza Souza Paes ao ver a notícia sobre a movimentação financeira de Queiroz.

"Comecei a tirar R$ 1.400", escreveu a ex-assessora Flávia da Silva em comprovante de transferência para Queiroz, indicando o seu salário real, debitado o valor repassado ao policial militar aposentado.

Elas estão ameaçadas porque foram autorizadas com pedidos feitos pela Promotoria usando como base os dados da quebra de sigilo bancário, atualmente considerados ilegais. A anulação dessas provas ainda deve ser solicitada pelas defesas --os ministros negaram nesta terça o pedido para invalidá-las de imediato.

Um eventual novo pedido de quebra de sigilo, porém, só deve ser feito após o recurso apresentado pelo MPF contra a decisão do STJ do mês passado.

O objetivo ainda é manter em segurança jurídica todas as provas já recolhidas na investigação que basearam a denúncia oferecida no ano passado. Isso, porém, deve atrasar ainda mais o andamento do caso.

A denúncia oferecida pelo MP-RJ contra um deputado investigado no caso das "rachadinhas" indica que a acusação contra Flávio ainda pode ser refeita, mesmo em caso de derrota.

A acusação contra o deputado estadual Márcio Pacheco (PSC-RJ) conta apenas com dados bancários, fiscais e depoimentos dos investigados, provas para as quais há vias judiciais de serem de novo obtidas.

Os dados bancários da investigação contra o senador mostram que Queiroz recebeu depósitos de 12 ex-assessores do hoje senador, que somavam R$ 2,08 milhões. Esses ex-assessores também sacaram R$ 2,15 milhões, recursos que os promotores afirmam ter sido disponibilizados para a suposta organização criminosa.

Os extratos também são relevantes para demonstrar a tese de que o senador fazia seus gastos com dinheiro vivo, já que as contas bancárias do casal não registram pagamentos de impostos e serviços quitados.

Eles também apontam depósitos de R$ 159 mil na conta de Flávio sem origem identificada entre 2014 e 2018.

Também estão na quebra de sigilo bancário os registros dos cheques de Queiroz e sua mulher para a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, que somam R$ 89 mil.

A defesa de Flávio Bolsonaro nega as acusações do MP-RJ. Ela afirma que a investigação cometeu "erros bizarros". O senador diz que deu dinheiro a Queiroz para que pagasse os boletos no banco, operação identificada pelo vídeo.