SÃO PAULO, SP, E BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A decisão do Exército de livrar o general da ativa Eduardo Pazuello de punição por ter participado de um ato político ao lado de Jair Bolsonaro foi alvo de críticas tanto no meio militar como em diferentes Poderes, de ex-aliados do presidente a rivais políticos cotados para disputar o Planalto em 2022.

Sob pressão de Bolsonaro, o comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, arquivou na quinta-feira (3) o processo aberto para apurar transgressão disciplinar por parte de Pazuello após a atuação dele no ato do último dia 23 no Rio de Janeiro.

O caso provocou cisão no próprio governo. O vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, havia declarado, dias após o ato no Rio, que uma eventual punição de Pazuello teria por objetivo "evitar que a anarquia se instaure dentro das Forças Armadas".

"Cada um tem que permanecer dentro da linha que as Forças Armadas têm que adotar. As Forças Armadas são apartidárias, não têm partido. O partido das Forças Armadas é o Brasil", completou Mourão.

Nesta quinta (3), após o desfecho do processo, Mourão disse afirmou à reportagem que, por "questão de disciplina intelectual", não irá comentar a decisão do Exército de não punir Pazuello, ex-ministro da Saúde.

"Não irei comentar por uma questão de disciplina intelectual, pois como general da reserva também sou subordinado ao Comandante do Exército brasileiro", afirmou Mourão, ao ser questionado sobre a decisão.

Ex-aliados do atual governo manifestaram publicamente suas discordâncias. O general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz, ex-ministro de Bolsonaro, disse que a decisão do Exército foi uma "vergonha". "É uma desmoralização para todos nós", afirmou nas redes sociais.

"Houve um ataque frontal à disciplina e à hierarquia, princípios fundamentais à profissão militar. Mais um movimento coerente com a conduta do presidente da República e com seu projeto pessoal de poder. A cada dia ele avança mais um passo na erosão das instituições", escreveu Santos Cruz.

A deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP), antes um dos principais nomes do bolsonarismo, afirmou que estamos no "caminho para o chavismo".

"O desembarque do general Pujol foi um alerta muito importante. Hoje estamos assistindo à politização escancarada do Exército, que tomou uma decisão política e rasgou o regulamento quando deixou de punir um general transgressor. Estamos no caminho para o chavismo", publicou a deputada.

Presidenciáveis também qualificaram como grave e precedente perigoso a isenção dada ao ex-ministro da Saúde.

Em suas redes sociais, Ciro Gomes (PDT) escreveu que a participação de Pazuello no ato do Rio foi afrontosa. "O regulamento disciplinar do Exército é muito claro: nenhum militar da ativa pode participar de ato desta natureza. O ato de Pazuello foi igualmente claro no que teve de afrontoso e politicamente desavergonhado", disse.

"Militar não faz política, não sobe em palanque no regime republicano. Ao render-se às pressões de um presidente inconformado com a ordem constitucional, o Alto-Comando preferiu se preservar a preservar o Exército. A nação e o futuro governo saberão preservar o Exército e o regime", completou o presidenciável.

João Amoêdo, pré-candidato pelo Novo, juntou-se às críticas ao Exército. "Instituições fortes são as bases do Estado de Direito. O Comandante do Exército, ao não punir Pazuello exemplarmente, abre um precedente perigoso e assim enfraquece a instituição", afirmou nas redes sociais.

O ex-presidente Lula, porém, também pré-candidato à Presidência da República, não fez comentário público sobre a decisão até a publicação deste texto.

No final de semana, após protesto que reuniu milhares de manifestantes contra Jair Bolsonaro, Lula também manteve silêncio, apesar de declarações de apoio ao petista em diversas cidades.

O petista readquiriu o direito de disputar a eleição após o STF (Supremo Tribunal Federal) anular condenações da Lava Jato. Segundo a última pesquisa Datafolha, ele aparece com vantagem para a disputa pelo Palácio do Planalto em 2022.

Rival de Bolsonaro, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), também não fez comentários em redes sociais.

No Judiciário, o decano do STF (Supremo Tribunal Federal), o ministro Marco Aurélio Mello afirmou na quinta-feira (3) que "o sentimento é de perplexidade", além de ser um "preocupante precedente". "Disciplina e hierarquia são fundamentais nas Forças Armadas", disse.

No Congresso, alguns nomes da oposição também se manifestaram. O deputado federal Rodrigo Maia, ex-presidente da Câmara dos Deputados, criticou a participação de militares da ativa em áreas da administração pública.

"Está na hora da Câmara discutir a PEC da deputada Perpétua Almeida, que veda aos militares da ativa a ocupação de cargo de natureza civil na administração pública. Já assinei meu apoiamento", escreveu.

Gleisi Hoffmann, deputada federal e presidente nacional do PT, disse que com a decisão o Exército abre flanco para insubordinação de militares e policiais. "Caso fica ainda pior quando ignora atitude política do general, infração das regras da pandemia e gestão nefasta do ex-ministro na Saúde. É submissão vergonhosa a Bolsonaro", escreveu.

O caso também mobilizou ex-ministros como Raul Jungmann, que ocupou as pastas da Defesa (2016-18) e da Segurança Pública (2018) do governo Michel Temer (MDB).

"A capitulação de hoje não honra os ex-comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, e o ex-ministro da Defesa, que não se dobraram ao presidente e caíram por respeito à Constituição e à democracia, com quem as Forças Armadas permanecem", escreveu. "É hora de reagir e de unidade. Antes que seja tarde", completou.

Já Marina Silva, ex- senadora e ex-ministra do Meio Ambiente no governo Lula, disse que a decisão não pune Pazuello, mas penaliza a democracia. "Essa é a única 'democracia' que Bolsonaro sabe exercer. Sua prática é democratizar danos. Não cuida da saúde e pune todos nós; deixa a educação de lado e pune todos nós; destrói a Amazônia e pune a humanidade inteira", afirmou.