<p>SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Sob ataque em um mundo polarizado, o jornalismo precisa ser mais transparente do que nunca e estimular a tolerância como maneira de preservar a liberdade de expressão, afirmaram nesta terça-feira (4) participantes de debate realizado por ocasião do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa.

</p><p>No painel virtual "Polarização e liberdade de imprensa", que fez parte do Seminário Internacional de Liberdade de Imprensa, jornalistas e especialistas analisaram os obstáculos para a comunicação em tempos de divisões, com sugestões para favorecer o diálogo em diferentes meios.

</p><p>O evento foi fruto de parceria entre Unesco, Instituto Palavra Aberta, Folha de S.Paulo, Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão), ANJ (Associação Nacional de Jornais) e Aner (Associação Nacional de Editores de Revistas).

</p><p>Tamém participaram da organização: Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), Jeduca (Associação de Jornalistas da Educação) e Embaixada dos EUA no Brasil.

</p><p>O debate desta terça, último do seminário que durou dois dias, reuniu a jornalista americana Amanda Ripley, o chefe da área de liberdade de expressão e segurança de jornalistas da Unesco, Guilherme Canela, e a âncora da GloboNews Aline Midlej, com mediação do jornalista Guilherme Amado, da Abraji.

</p><p>Repórter investigativa e autora do livro "As Crianças Mais Inteligentes do Mundo", Amanda compartilhou experiências da cobertura nos Estados Unidos após a ascensão do ex-presidente Donald Trump. Para ela, o que se vive no país é um cenário de alto conflito, comum em lugares criticamente polarizados.

</p><p>"É diferente do conflito normal, do debate saudável. Em locais de alto conflito, em geral há uma questão de nós contra eles, binarismos falsos. O cérebro passa a funcionar de maneira a ver o outro lado como algo insano. É muito difícil introduzirmos novas informações em um contexto como esse", disse.

</p><p>A jornalista, que já fez trabalhos para publicações como as revistas Time e The Atlantic, chamou o quadro de armadilha para o trabalho de reportagem e reconheceu ser difícil encontrar uma saída, mas afirmou que um dos caminhos para o jornalismo profissional é adotar o conceito de transparência radical.

</p><p>"Temos que ser radicalmente transparentes, explicando tudo o tempo todo. O público não entende o que estamos fazendo quando utilizamos fontes anônimas ou quando nós decidimos cobrir uma pauta e não outra. Outra coisa importante é não complicar a narrativa", disse Amanda.

</p><p>Mais adiante, o representante da Unesco retomou o tópico, pedindo que os veículos sejam claros ao diferenciar opinião (da própria empresa de comunicação ou de um colaborador) de reportagem (produzida a partir de técnicas específicas e com o intuito de apresentar e discutir um tema).

</p><p>"Um problema construído ao longo das últimas décadas, e que desconfio possa ter contribuído para um certo nível de desconfiança do público em relação ao jornalismo profissional, é que a opinião, a reportagem e o eduteinment [entretenimento educativo] começaram a ser misturados", disse Canela.

</p><p>O coordenador da agência da ONU disse que é importante "separar esses mundos, o que não é tão fácil" e defendeu uma ampliação da autocrítica. "Se a gente olha no mundo, e também no Brasil, a quantidade de jornais que têm ombudsman, que você conta nos dedos de uma mão, a gente vê o quanto que a própria mídia está disposta a fazer um processo de transparência."

</p><p>Aline, ao concordar com a necessidade de auto-observação da mídia, mencionou a existência de ombudsman na Folha de S.Paulo, posto que o jornal possui desde 1989.

</p><p>"A figura do ombudsman, em alguns veículos, como a Folha, isso já é muito estruturado e importante. Mesmo não estando ali dentro daquele veículo, eu leio, porque aquilo me faz pensar sobre a forma como estou contando aquelas mesmas histórias e as armadilhas e vieses que nos acompanham", relatou.

</p><p>A apresentadora da GloboNews também afirmou que jornalistas devem se esforçar para "ampliar suas narrativas", de forma a transmitir as informações com um olhar mais amplo e que contribua para o debate público sem colocar mais lenha na fogueira das brigas políticas e do sectarismo ideológico.

</p><p>"Acho que a gente tem que pensar diariamente se está sendo capaz de ouvir quem pensa diferente da gente, de entrar em um debate em que a gente coloca o que a gente pensa sem apartar o outro. Que a gente também se esforce para aprimorar a nossa narrativa. É um exercício diário", disse ela.

</p><p>"Quando a gente gera conteúdo, precisa pensar se está fazendo isso de uma maneira que vá na direção de criar tolerância. Porque é exatamente a intolerância que alimenta esses ambientes em que há um estímulo ao cerceamento das liberdades de expressão e de imprensa", completou a âncora.

</p><p>Falando dos EUA, Amanda disse que o país hoje tem uma polarização "em nível tóxico", na qual diferentes lados se veem como rivais e são incapazes de alcançarem entendimento até para resolverem situações em que concordam. O processo, continuou ela, tem impacto sobre a credibilidade da imprensa.

</p><p>"É muito difícil, como jornalista, aceitar o discurso de que 'a confiança vem antes do fato', como já ouvi. Comparando a um pintor, os fatos são como os nossos pincéis. São elementos com os quais trabalhamos durante toda a carreira", disse a americana.

</p><p>"Os ânimos exaltados fazem com que o trabalho da imprensa fique mais difícil no dia a dia", avaliou o mediador do painel, que é colunista da revista Época e da rádio CBN. "Repórteres são atacados diariamente por governantes, por cidadãos estimulados por governantes."

</p><p>Há alguns dias soube-se que o Brasil, pela primeira vez, caiu para a "zona vermelha" no ranking de liberdade de imprensa divulgado anualmente pela ONG Repórteres Sem Fronteiras. A organização associou o fato à chegada de Jair Bolsonaro (sem partido) à Presidência.

</p><p>Amado também apontou o exercício de "furar as bolhas" como um caminho para jornalistas ajudarem a atenuar a polarização e, resumindo falas de outros participantes, defendeu a chamada educação midiática.

</p><p>"A gente tem que fazer esse dever de casa", comentou o jornalista e dirigente da Abraji, depois de Canela cobrar dos veículos tradicionais e das empresas digitais um didatismo maior sobre, por exemplo, a lógica do algoritmo das redes sociais, que "manda para as pessoas aquilo que elas querem ouvir".

</p><p>"Parte da solução dessa encrenca é o que a gente chama de alfabetização midiática e informacional. A gente precisa empoderar a cidadania para ter uma relação crítica. O risco é colocar sobre os ombros dos cidadãos uma coisa complexa, porque eles estão lidando com empresas gigantescas. E, ademais, isso é um processo de longo prazo", disse o representante da Unesco.

</p><p>Na primeira parte do evento, nesta segunda-feira (3), participantes discutiram o mote "Informação como bem público". Uma das conclusões do debate foi que as ameaças à liberdade de imprensa têm adquirido novas e preocupantes formas, que vão desde a censura privada à intimidação sutil sobre o jornalismo.

</p><p>Entre os participantes do painel estavam Luís Roberto Barroso, ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Marlova Noleto, representante da Unesco no Brasil, Flavia Lima, ombudsman da Folha de S.Paulo, e Flávio Lara Resende, presidente da Abert.

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