BAURU, SP (FOLHAPRESS) - Analisando apenas o espectro político a que pertencem, seria complicado listar elementos comuns entre nomes tão distintos quanto os do ex-presidente Michel Temer, dos ex-prefeitos de São Paulo Fernando Haddad, Paulo Maluf e Gilberto Kassab, da deputada federal Jandira Feghali e de Guilherme Boulos, líder do PSOL e do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto).

A característica que os une e que transcende suas ideologias, no entanto, é narrada em detalhes no livro "Brimos: Imigração Sírio-Libanesa no Brasil e Seu Caminho até a Política".

A obra, assinada pelo jornalista Diogo Bercito e publicada pela editora Fósforo, perfila algumas das famílias mais emblemáticas da política nacional a partir de sua origem comum: o Líbano.

Deixando para trás a terra em que estavam fincadas raízes familiares que perduravam por séculos, muitos dos imigrantes libaneses escolheram o Brasil como destino, onde "se amontoaram em cortiços na rua 25 de Março, colocaram caixas de madeira nas costas e cruzaram o país vendendo badulaques".

"Enquanto aprendiam o idioma, trocando o 'P' pelo 'B' —chamando-se de 'brimos'—, ninguém diria que teriam tanto sucesso longe de casa", observa Bercito no prefácio do livro.

O autor, que foi correspondente da Folha de S.Paulo no Oriente Médio e hoje assina no jornal o blog Orientalíssimo, viajou a cidades e a vilarejos libaneses onde ainda hoje vivem partes das famílias de peças importantes da política brasileira.

A missão era preencher lacunas históricas e tentar entender que elementos explicam o êxito dos "brimos" na política nacional.

Após três anos de apuração, pesquisas em escassos registros históricos e dezenas de entrevistas, a conclusão de Bercito pode decepcionar quem espera uma resposta a partir de um único fator.

Segundo ele, elementos como o padrão de dispersão geográfica dos libaneses, o investimento excepcional na educação dos filhos e a rede social formada pela comunidade de imigrantes possibilitaram a ascensão dos "brimos" a uma significativa presença na elite política do país.

"Esses fenômenos mais complexos tornam a história [da migração sírio-libanesa ao Brasil] mais saborosa", afirma Bercito. "Talvez seja uma história que não dá pra servir em um prato só, precisa ser uma refeição um pouco mais longa."

Na primeira parte do livro, o autor busca contextualizar o cenário do território que pertencia ao antigo Império Otomano e só passou a existir como país a partir de 1920, ainda que sob domínio francês —a independência viria em 1943.

Mesmo antes disso, a crise econômica e a escassez de alimentos "engordava a diáspora enquanto a população emagrecia", conta Bercito.

Assim, parcelas significativas da população ouviam falar de um horizonte de prosperidade nas Américas e buscavam formas de chegar até o continente. Em muitos casos, miravam os Estados Unidos, mas desembarcavam no porto de Santos (SP).

Entre os que vieram habitar as terras brasileiras estão os antepassados de personagens importantes da história recente do Brasil. Os capítulos da segunda parte de "Brimos" permitem pinçar alguns episódios curiosos.

Maluf, por exemplo, foi recebido como um messias em suas visitas ao Líbano.

Temer, visto como um milagre por ter ascendido ao comando do país apenas algumas décadas depois da migração de seu pai, ganhou uma rua com seu nome e os dizeres "vice-presidente do Brasil" —frase corrigida após o impeachment de Dilma Rousseff em 2016.

Haddad descende de um padre greco-ortodoxo que salvou seu vilarejo de um morticínio generalizado tendo a palavra como arma. Feghali é sobrinha de uma diva da música libanesa, o equivalente à Madonna daqueles lados do mundo, como a descreve Bercito.

Boulos é neto de Iskandar, libanês que, no interior de São Paulo, ficou conhecido como "turco louco". Kassab diz ser o "segundo santo" da família —o primeiro seria um parente distante chamado Nimatullah Kassab al-Hardini, nascido no Líbano em 1808 e canonizado pela Igreja Católica em 2004.

Ainda que tenha contado tantas histórias, Bercito aponta algumas lacunas que seu livro ainda não conseguiu preencher.

É o caso, por exemplo, das "brimas". Ainda que elas tenham participação fundamental na ascensão da comunidade no Brasil e, em episódios como o da fundação do Hospital Sírio-Libanês —hoje referência no país— tenham ocupado posição de protagonismo, as mulheres da diáspora são historicamente escanteadas e, quando mencionadas, são limitadas a apenas seus papéis como mães, esposas e filhas.

"Trata-se de uma história que, na verdade, deixa de contar uma série de coisas. Dimensões de gênero, mulheres intelectuais, que se envolvem nas questões políticas. Omissões que me parecem bastante injustas", reconhece Bercito.

BRIMOS: IMIGRAÇÃO SÍRIO-LIBANESA NO BRASIL E SEU CAMINHO ATÉ A POLÍTICA

Preço: R$ 74,90 (272 págs.) e R$ 49,90 (ebook)

Autor: Diogo Bercito

Editora: Fósforo