BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O mais recente embate entre o deputado Daniel Silveira (União Brasil-RJ) e o ministro Alexandre de Moraes deu novo fôlego ao discurso bolsonarista, que fala em ingerência do Supremo Tribunal Federal nos outros Poderes, e tem potencial para causar uma crise entre o Judiciário e o Legislativo.

O parlamentar se nega a cumprir a ordem de Moraes, classificada por ele de ilegal, de usar tornozeleira eletrônica. Para evitar a medida, Silveira anunciou na terça (29) ter adotado o plenário da Câmara como moradia enquanto aguarda a mesa diretora da Casa pautar a votação sobre a manutenção ou derrubada da medida cautelar imposta pelo ministro.

Nesta quarta (30), o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), criticou Silveira, mas também cutucou o STF ao defender a inviolabilidade da Casa e cobrar da corte a análise da ação contra o parlamentar, o que encerraria o caso e evitaria novas medidas cautelares.

"Ideal que o STF analisasse logo os pedidos do deputado Daniel Silveira e que a Justiça siga a partir desta decisão", disse Lira em nota.

Logo após a manifestação do presidente da Câmara, o STF marcou para 20 de abril o julgamento da ação penal de Silveira. O ministro Luiz Fux, presidente da corte, inicialmente estudava marcar o julgamento para maio, devido aos feriados de Páscoa e de Tiradentes.

Mesmo com a data marcada, ainda está sem solução a situação do mandado expedido por Moraes para que a polícia instale em Silveira a tornozeleira eletrônica.

Caso a decisão não seja revogada, o cumprimento da medida deverá causar mais tensão com o Legislativo, uma vez que Lira diz defender a inviolabilidade da Câmara.

A Folha apurou que a Polícia Federal aguarda a Seap-DF (Secretária de Administração Penitenciária do Distrito Federal) disponibilizar o equipamento para ir cumprir a medida.

Procurada, a Seap disse que ainda não foi notificada oficialmente sobre a decisão de Moraes.

Além de não cumprir a decisão despachada pelo ministro na sexta (25), o deputado descumpriu uma medida anterior de não conceder entrevistas.

Ele falou à rádio Jovem Pan na noite da terça após o ministro mandar a PF e a Seap à Câmara para instalar o equipamento de monitoramento. Na entrevista, atacou a decisão e o próprio Moraes e cobrou da Câmara a análise da possível derrubada da decisão do STF.

"Daqui a pouco somos uma Venezuela pela tomada de poder pelo Judiciário através de um único indivíduo. O Alexandre de Moraes, ele acaba com a corte suprema, com a nossa corte constitucional, porque ele desonra a magistratura e tudo que ela representa", disse.

Silveira afirmou que somente deixará o plenário quando o tema for votado e cobrou uma posição sobre se a Câmara defende a liberdade ou o ministro Alexandre de Moraes.

Antes mesmo de Silveira anunciar que passaria a noite no plenário para "ver até onde vai a petulância de alguém para de fato romper com os outros dois Poderes", aliados de Jair Bolsonaro (PL) já atacavam Moraes.

Carlos Jordy (PL-RJ) acusou Moraes de fazer uma "vendeta" contra o deputado por suas críticas ao STF. Otoni de Paula (RJ), que recentemente se filiou ao MDB, chamou o ministro de déspota e pediu a Lira que não se prostrasse "diante dos ditames de Alexandre de Moraes". "Tenha brio, ou, então, renuncie à presidência desta Casa", afirmou no plenário.

Filipe Barros (União Brasil-PR) defendeu que se preserve a Constituição. "E o que queremos é nada mais nada menos que isso: que a Constituição seja respeitada pelo Supremo Tribunal Federal, na pessoa do ministro Alexandre de Moraes", disse.

"Se não fizermos isso agora, tenho certeza de que, em breve, o mesmo acontecerá com outros parlamentares, e o Parlamento federal ficará, infelizmente, cada vez mais de cócoras perante o Supremo Tribunal Federal."

Ao indicar que passaria a noite no plenário, Silveira tinha dois objetivos: forçar o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a pautar as medidas cautelares de Moraes e desafiar o ministro do STF, ancorando-se no entendimento de que o plenário dos deputados é inviolável.

Cauteloso, Lira parece pouco disposto a entrar em atrito com o Supremo. O próprio Daniel Silveira reclamou na noite desta terça que não tinha conseguido falar com o presidente da Câmara. Inicialmente, disse que não havia tentado entrar em contato com o deputado do PP. Mais tarde, afirmou ter mandado mensagem para Lira, mas sem ter resposta.

Não é a primeira vez que o deputado coloca o Legislativo em rota de atrito com o Judiciário. Em fevereiro do ano passado, quando o bolsonarista foi preso por ordem de Moraes, Lira tentou inicialmente articular uma saída segundo a qual o plenário derrubaria a decisão do ministro, chancelada por unanimidade no STF, mas aceleraria o rito que poderia resultar na cassação do mandato do parlamentar.

Isso acalmaria parlamentares que temiam que a prisão de Silveira criasse um precedente perigoso de prisão de congressistas, que têm imunidade parlamentar. No entanto, o ministro teria se recusado.

A solução encontrada por Lira foi, então, pautar a decisão do STF e, ao mesmo tempo, tentar acelerar a tramitação de uma PEC (proposta de emenda à Constituição) que ampliava a blindagem a deputados. No entanto, sob críticas da opinião pública, de ministros do Supremo e de deputados, o presidente da Câmara recuou da intenção de votar a jato o texto.