SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O Mundo das Crianças, parque público inaugurado há pouco mais de um ano em Jundiaí, no interior de São Paulo, foi construído baseado em muitas das demandas dos próprios pequenos cidadãos: uma enorme casa na árvore, atrações aquáticas, parede de escalada, tobogãs e até mesmo jogos mais simples como amarelinha e espaços de sonorização.

Uma das preocupações das crianças era desenvolver no espaço área de lazer acessível para que jovens com deficiência pudessem aproveitar a estrutura de forma completa, não apenas em brinquedos adaptados e específicos.

A escuta dessas crianças de 9 a 12 anos virou ferramenta para a elaboração de políticas públicas para melhorar a qualidade de vida delas mesmas e da população do município em ação que recebeu consultoria da Rede Urban95, que promove diferentes frentes em relação à primeira infância.

A iniciativa é da fundação holandesa Bernard van Leer, que investe R$ 16 milhões ao ano em projetos para fomentar a participação de crianças em decisões públicas em 24 cidades do Brasil, segundo Claudia Vidigal, representante da organização.

Os pequenos jundiaienses fazem parte da Comissão das Crianças, fundada em 2018, e institucionalizada graças a decreto da prefeitura. Vinte e quatro meninos e meninas de cinco regiões da cidade participam de reuniões quinzenais na Fábrica das Infâncias Japy --antiga tecelagem que, desde dezembro de 2021, também se tornou um lugar para brincar e até mesmo para vacinação infantil contra a Covid-19. Elas contribuem com sugestões para a melhoria do município em que vivem.

Estudante do 7º ano, Laura de Camargo, 12, faz parte da comissão desde a primeira reunião, mas terá que dar lugar a outra criança após esses anos por atingir a idade máxima permitida. Nesse período, ela conta que fez várias sugestões para o parque Mundo das Crianças, espaço de 170 mil m² que custou R$ 30 milhões, segundo a prefeitura.

"Pedi árvores, brinquedos naturais e lugares espaçosos. Uma das minhas sugestões, que ainda será implementada, são as lixeiras coloridas. Aí o pessoal pode jogar o lixo brincando, como se fosse uma cesta de basquete. É mais divertido fazer coisas quando você tem incentivo", diz a estudante.

Laura segue afirmando que gosta de cada pedacinho do local. "Tem aqui um pouco de cada criança".

Fã de brinquedos aquáticos, a estudante Gabrielle Ferreira, 11, também colaborou com ideias. "Pensei: 'por que não ter um parque desses gratuito?' E fui ouvida. O mundo visto pelas crianças pode ser bem melhor", afirma a menina, que ainda cita a casa na árvore do parque, também usada para atividades escolares.

Para Marcelo Peroni, gestor de cultura de Jundiaí e pesquisador de políticas públicas para a infância, toda cidade que deseja instituir uma política pública para a criança, antes de tudo, precisa escutar esses pequenos cidadãos.

"Além de elas terem opiniões relevantes, elas se sentem parte desse processo e valorizam o espaço."

Peroni diz, ainda, que, no parque, foram plantadas 13 mil árvores nativas da Mata Atlântica. "As crianças pedem esse contato com a natureza."

De acordo com pesquisa da Rede Nossa São Paulo e do Ipec (Inteligência e Pesquisa em Consultoria), de 2019, 4 em cada 10 paulistanos têm a percepção de que as crianças e adolescentes nunca participam das decisões de questões que as afetam nos bairros e na cidade.

"Isso acontece porque os gestores pensam as cidades para adultos, focados na questão produtiva, no descolamento casa-trabalho. E, para as crianças que circulam pelo bairro, o transporte e tudo isso é secundário", afirma Ana Cândida Pena, 34, da equipe Urban95.

"É por essa razão que valorizamos a escuta das crianças e perguntamos o que elas gostariam de mudar na sua cidade, para fazer um trabalho baseado na realidade daquele município", diz Taís Herig, 34, arquiteta e urbanista, que integra a mesma equipe.

Em Niterói, no Rio de Janeiro, o projeto Rotas Caminháveis, também com a consultoria da Urban95, transformou a rua Doutor Luiz Palmier, que leva à ponte Rio-Niterói no bairro Barreto, em uma área de lazer infantil segura. A via, rodeada por escolas municipais e particulares, além de um posto de saúde, era hostil às crianças, já que os carros tinham a preferência e as calçadas eram irregulares.

A educadora de trânsito da Prefeitura de Niterói Priscilla Lundstedt Rocha, 42, questionou alunos de 4 a 6 anos de uma escola municipal da região sobre o que queriam ver ali naquela rua, que tem mata nativa. Por meio de atividades lúdicas e literárias, eles responderam.

"Pediram uma ciclovia, mais árvores, lixeiras mais baixas para conseguirem alcançar para jogar o lixo, muros com desenhos divertidos e também calçadas seguras, solicitação feita por aluna cadeirante. Passamos a olhar o mundo com o olhas delas porque isso fornece autonomia", diz Priscilla.

Foi pensando na inclusão e na qualidade de vida, segundo ela, que várias mulheres de secretarias distintas se uniram para concretizar o que a educadora chama de pedidos justos.

"O muro de uma escola foi pintado com desenhos que essas crianças fizeram, e elas se sentiram representadas e conquistaram um espaço de lazer", conta Priscilla, que relata ainda haver pisos táteis e amarelinhas ao longo do trajeto para os pequenos alunos irem estudar já brincando.

O prefeito de Jundiaí, Luiz Fernando Machado (PSDB), afirma que as crianças também fizeram solicitações de calçadas mais apropriadas, inclusive para cadeirantes, e, ainda, iluminação, vigilância e limpeza urbana. Essas reivindicações fazem parte de um documento já entregue no paço municipal.

"Nossa ideia é ter uma cidade amigável à criança. Trabalhamos com amparo técnico para instituir boas políticas públicas. E essas reuniões são a primeira semente que plantamos", afirma Machado.

O prefeito prossegue. "Não podemos infantilizar suas opiniões. As crianças mostraram que têm muito a dizer, é uma discussão qualificada e elas sabem o que querem. Isso traz transformações para a cidade."

O estudante Gabriel do Carmo, 12, está na comissão desde o segundo ano. Ele diz que as reuniões serviram para ele ficar mais alerta ao caminhar pelas ruas de Jundiaí. "Passei a reparar nas calçadas e na fiação elétrica em árvores. É 'daora' fazer parte de um projeto para ajudar alguém que você nem conhece."

O psiquiatra e psicoterapeuta Wimer Bottura, presidente do comitê de adolescência da Associação Paulista de Medicina, reforça a importância em escutar o que as crianças têm a dizer. "Adultos precisam prestar atenção a esses anseios para que os jovens tenham autoestima ao sentirem que têm um significado na sociedade e fazem parte do coletivo."

Mas Bottura alerta que escutar não significa fazer tudo que as crianças querem. "Nem sempre as necessidades daquela criança são as necessidades do coletivo. Por isso o diálogo se faz essencial, para mostrar que é possível mudar de opinião e respeitar o que foi relatado por outros grupos."

Em Canoas (RS), cerca de 20 crianças de escolas municipais, entre 3 e 5 anos, pediram mudanças nos banheiros, como privadas e pias mais baixas, além de um trocador, em reunião realizada em dezembro pela Secretaria de Educação, com o apoio da Urban95. O pedido já está incluído no plano de ação do município.

Nas chamadas "plenarinhas", as crianças dão suas opiniões por meio de atividades lúdicas. Serão realizadas ações de escuta em outras quatro escolas do município, segundo a professora Juliana Cristina da Silva, uma das coordenadoras do projeto.

"A base desse trabalho é colher o olhar das crianças e construir políticas públicas com elas, respeitando suas singularidades. Isso ajuda a formar futuros cidadãos que serão interessados em participar das transformações de suas cidades."