<p>BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Líder da maior bancada do Senado, o MDB, e membro titular da CPI da Covid, o senador Eduardo Braga (AM) afirma que um dos principais objetivos do colegiado deve ser criar uma narrativa positiva a respeito do enfrentamento da pandemia, contrapondo-se ao negacionismo de Jair Bolsonaro (sem partido).

</p><p>"[Seria] uma narrativa que salve vidas, porque até aqui a nossa narrativa levou a 400 mil mortos", afirmou em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo. "Podemos ser um contraponto a tudo isso."

</p><p>A bancada que Braga lidera está no centro de um embate com o Planalto por causa da composição da CPI. Apesar de se alinhar em votações e abrigar os dois principais líderes governistas no Congresso, o MDB tem dois independentes na comissão: ele próprio e o ex-presidente do Senado Renan Calheiros (AL).

</p><p>Renan foi alçado a relator da CPI mesmo sendo alvo de ofensiva política e judicial para evitá-lo no cargo.

</p><p>"É um erro político grande [tentar tirá-lo]", afirma Braga, que condena rumores de que alguns estados possam ser alvo de operações da Polícia Federal, como Alagoas, governado por Renan Filho (MDB). "Se não tem fundamento [para investigar], tem outro nome." No caso, perseguição.

</p><p>Representante de um dos estados focos da CPI, por causa do colapso na saúde do Amazonas, Braga diz que houve crimes de autoridades locais. Mas condenou a falta de planejamento do Ministério da Saúde e a política do ex-chanceler Ernesto Araújo, que criou obstáculos para a chegada de cilindros de oxigênio.

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</p><p>PERGUNTA - Como o sr. vê as ações dos governistas para tirar Renan da relatoria por vias políticas e judiciais?

</p><p>EDUARDO BRAGA - É um erro político grande. Renan é um senador da República no pleno exercício do seu mandato, sem nenhum impedimento. Foi escolhido relator da CPI. É um senador experiente, quatro vezes presidente do Senado, há 28 anos no Senado.

</p><p>Portanto, é um erro, um equívoco grande da estratégia dos aliados do governo de judicializar uma disputa para tentar tirar, não só o Renan, mas também o Jader [Barbalho (MDB-AP)], que é um outro senador experiente.

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</p><p>Qual a visão do sr. sobre a acusação de suspeição por esses senadores serem pais de governadores, que serão indiretamente investigados pela CPI?

</p><p>EB - Está previsto no Código de Processo que, se você se julgar impedido, outro vai te substituir. Já tem um procedimento pacificado sobre o tema. No caso de Alagoas, não há nem sequer uma investigação sobre absolutamente nada do estado. Não se tem um traço, uma linha, uma informação sobre esse tema.

</p><p>Alagoas não está na mira da CPI, mas senadores sugerem que o estado pode se tornar um alvo."‚Mas tem de ter fundamento para tal, base legal para tal. Eu não posso decidir: "Ah, eu vou investigar o fulano".

</p><p>Se eu não tenho nenhum fundamento e nenhuma base legal para investigar, essa investigação tem outro nome. Então não é assim: "Os governistas vão decidir que vão perseguir o estado de Alagoas". Não é assim.

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</p><p>O outro nome é perseguição, abuso de poder?

</p><p>EB - Sim, claro.

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</p><p>Caso Alagoas e Pará venham a ser alvo de investigação, o próprio Renan já disse que é suspeito, ele não participa. Há esse compromisso com os membros da CPI?

</p><p>EB - Claro, ele já declarou.

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</p><p>Qual deve ser o primeiro foco da CPI?

</p><p>EB - Estabelecer uma cronologia dos fatos desde o início da pandemia, ouvindo cronologicamente os ministros da Saúde. E, ato contínuo, a Anvisa. Temos de entender a questão das vacinas, das barreiras sanitárias, do desabastecimento do oxigênio, do desabastecimento dos kits de intubação, do desabastecimento de medicamentos para o tratamento da Covid.

</p><p>Temos de entender até onde se foi com a questão da compra de cloroquina, do uso de tratamento precoce inadequado, uso de fake news para aplicação de medicamentos que não têm base científica.

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</p><p>Qual a visão do sr. sobre as falas do ex-secretário Fabio Wajngarten, que afirmou que a negociação para comprar vacinas da Pfizer não foi concluída por incompetência do Ministério da Saúde?

</p><p>EB - A questão terá de ser avaliada e investigada. O que a gente sabe foi o que nós vimos na entrevista dada por ele. É óbvio que é um indício, mas que não temos comprovação até agora.

</p><p>Esta CPI é diferente das outras porque elas eram sobre fatos ocorridos e esta é sobre fatos ocorridos e que estão ocorrendo.

</p><p>Mais uma coisa importante: essa CPI trata de uma investigação sobre perda de vidas de brasileiros que lamentavelmente e tristemente chega aos 400 mil no mês de abril. E tudo indica que teremos graves e sérios problemas.

</p><p>Portanto, importa a narrativa que as pessoas vão ter a partir de agora, tanto sobre o comportamento pessoal como o coletivo, no sentido de se proteger, usar álcool em gel, manter o distanciamento. No sentido de que não haja um discurso negacionista em torno da pandemia, porque creio que isso foi responsável por boa parte do que está acontecendo.

</p><p>Acho que a CPI tem um papel preponderante nisso. Temos também de entender por que a Anvisa rejeitou o registro de algumas vacinas.

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</p><p>O sr. acha que a CPI vai ter uma função didática então?

</p><p>EB - Vai. De liderar o processo de conduta da população. A liderança tem de ser afirmativa. Acho que nesse sentido a CPI vai contribuir muito.

</p><p>Vai apresentar uma outra narrativa que não a do presidente, esse é o ponto?"‚Acho que é apresentar uma narrativa que salve vidas, porque até aqui a nossa narrativa levou a 400 mil mortos.

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</p><p>Ao fim da CPI, o que vai constar do relatório?

</p><p>EB - Não tenho como prever o que vai constar do relatório que vai ser escrito daqui a 90, 120, 180 dias. Defendo que, concluído um ciclo de apuração, o relator avalie termos relatórios preliminares.

</p><p>Após ouvirmos o Mandetta, por exemplo, se encontrarmos um caminho de alguma solução, eu defendo que um relatório preliminar seja aprovado e que a gente encaminhe imediatamente para as providências.

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</p><p>Fato determinado do requerimento do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) para abrir a CPI é justamente o colapso que ocorreu no sistema de saúde no seu estado. Quais foram os motivos que levaram a esse problema?

</p><p>EB - Aí não é questão política, é questão policial.

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</p><p>Mas há indícios, já houve operações.

</p><p>EB - Já há até denúncia do Ministério Público Federal sobre o estado do Amazonas, que acabou de envolver o governador, vice-governador e mais 16 autoridades.

</p><p>Essa denúncia envolve desvio de dinheiro público federal, compra de respirador numa loja de vinho. Isso é a ponta de um iceberg.

</p><p>Nisso o governo federal tem zero de responsabilidade. Ele repassou o recurso, e todo o processo foi feito pelo governo estadual.

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</p><p>E sobre os alertas que foram repassados ao Ministério da Saúde com antecedência sobre a falta de oxigênio?

</p><p>EB - Aí a minha opinião é que faltou planejamento, faltou posicionamento, articulação. A forma ali era trazer oxigênio da Venezuela e suprir o meu estado imediatamente.

</p><p>Isso leva a um outro erro: o erro da diplomacia brasileira, que acabou criando problema com os nossos vizinhos, criou problema com a Índia, com a China, com os Estados Unidos quando tomou partido na eleição de lá.

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</p><p>Saindo do Amazonas, como vê a condução do governo federal no enfrentamento da pandemia? Houve erros? Quais?

</p><p>EB - Para nós chegarmos a 400 mil mortos, é claro que faltou muita coisa, né? Acho que uma coisa básica é mudança de comportamento individual e coletivo.

</p><p>Nós deixamos de comprar vacina quando tinha a vacina para comprar. E aí, quando fomos comprar, faltava a vacina. Com isso nós acabamos atrasando o nosso plano de vacinação.

</p><p>E, de novo, a narrativa para a população aí é fundamental. Veja, tem gente que está convencida de que não deve tomar a vacina. Isso é lógico? Isso é racional?

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</p><p>O próprio presidente da República lançou suspeitas sobre a segurança da vacina.

</p><p>EB - Não só ele. Ele e outras pessoas. Eu defendo é que nós sejamos um contraponto a isso. Se nós não mudarmos o nosso comportamento, de que adianta termos a CPI se daqui a 60, 90, 180 [dias] os números de mortos continuarem os mesmos?

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</p><p>Se a CPI adotar esse estilo que o senhor propõe para criar uma narrativa como contraponto à do presidente Bolsonaro, como fica a relação de governo e Congresso Nacional?

</p><p>EB - Não estou preocupado com isso. Não tem a menor importância neste momento. O que tem importância nesse momento é cada um de nós fazer tudo que pudermos para salvar vidas.

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</p><p>E o sr. falou de ser menos politizada a CPI, mas estamos numa comissão onde a maior parte membros é de pré-candidatos a governos do estado.

</p><p>EB - Quem quiser partidarizar e politizar essa pandemia não terá futuro político.

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</p><p>O sr. é pré-candidato ao governo Amazonas?

</p><p>EB - Não, eu sou pré-candidato a ajudar a salvar vidas no meu estado e aqui. Acho que política nós temos de discutir no ano que vem e, se Deus quiser, sem pandemia.

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</p><p>Mas o sr. vai pregar uma investigação rigorosa do seu estado.

</p><p>EB - Todo homem público tem de estar disposto a ser investigado.

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</p><p>O governo chegou a pedir para o sr. não indicar o Renan e o Jader na CPI?

</p><p>EB - Não. Tem de ser justo. Não fui procurado por ninguém para influenciar na escolha disso, daquilo, daquilo outro. Indiquei-os critério de quem assinou a CPI e, segundo, quem pediu para participar da CPI.

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</p><p>Eduardo Braga, 60

</p><p>É engenheiro eletricista, formado pela Universidade do Amazonas. Começou a carreira na política como vereador no Amazonas. Em seguida, foi eleito deputado federal, mas renunciou para assumir o cargo de vice-prefeito de Manaus. Foi governador do Amazonas de 2003 a 2010. Desde 2011 é senador e está no segundo mandato.

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