PEDRO JUAN CABALLERO, PARAGUAI, E PONTA PORÃ, MS (FOLHAPRESS) - Pais de três filhos, os paraguaios Cristino Gomez, 30, e Miriam Arce, 29, vivem num bairro da periferia de Pedro Juan Caballero (Paraguai) cortado somente por ruas de terra.

A família vive com a ajuda de um auxílio do governo para a criação dos filhos semelhante ao Bolsa Família.

Com poucos empregos, o futuro das crianças por ali não parece animador. "Muitos jovens se envolvem com as drogas e com o que não deve", diz Miriam.

O casal vive na mesma rua da Penitenciária Regional de Pedro Juan Caballero, que abriga diversos traficantes de facções criminosas como o PCC (Primeiro Comando da Capital), que domina o tráfico de drogas na cidade.

A cidade, vizinha de Ponta Porã (MS), é refém da presença dos narcotraficantes, atraídos pela facilidade em cruzar para o Brasil sem qualquer espécie de fiscalização.

"Uma fábrica, uma indústria aqui na região é que seria bom. Mas com a violência que estamos aqui é difícil o pessoal querer vir", diz o prefeito interino de Pedro Juan Caballero, Luis Amarilla Candia.

A cidade paraguaia tem como motores de sua economia o turismo de compras e a vinda de estudantes brasileiros para estudar medicina em universidades instaladas ali, ambos setores bastante afetados devido à pandemia.

Membro do Partido Liberal, de oposição ao Colorado que está no governo federal, Candia cobra maior ação do país no combate ao crime. O prefeito diz que há uma disparidade de forças entre os traficantes e as forças de segurança.

"Nós precisamos melhorar nossa segurança. E não é só colocar mais policiais na rua, só com revólver ou pistola, porque o pessoal que vem do Brasil [das facções] para cá o armamento deles é de guerra. Às vezes nem o Exército tem", diz.

Após ter a filha assassinada em uma chacina no sábado, o governador do estado de Amambay (onde fica Pedro Juan Caballero), Ronald Acevedo, do mesmo partido de Candia, criticou o governo do presidente Mario Abdo Benítez.

Ele comparou Pedro Juan Caballero à região de Sinaloa, no México, região do megatraficante Joaquím Guzmán, El Chapo. Naquele país, os banhos de sangue resultantes das guerras entre cartéis viraram rotina em algumas regiões.

Já a região de Pedro Juan Caballero, embora atualmente não tenha nenhum chefão mais famoso, teve vários nomes notórios do PCC mandando e matando, e a facção continua agindo por ali.

Além de reclamar da falta de investimento em segurança, autoridades da região da fronteira paraguaia dizem ter menos dinheiro também para infraestrutura. A poucos quarteirões do centro de Pedro Juan Caballero, por exemplo, já passa a ser comum encontrar bairros formados apenas por ruas de terra.

Enquanto o orçamento de Ponta Porã previsto para 2021 é superior a R$ 400 milhões, os valores anuais de Pedro Juan Caballero estão em torno de 25% em valores convertidos em reais, segundo dados da transparência do município. A população da cidade paraguaia (115 mil pessoas) é superior à do município brasileiro (94 mil).

O resultado da falta de verba se vê bairros como o Santa Tereza, onde Cristino e Miriam vivem com a família.

A escola onde as crianças estudam está sem aulas, diz a paraguaia, porque as professoras não estariam recebendo e entraram em paralisação.

Além disso, o bairro, sem calçadas, em dias de chuva, obriga que a população ande em meio à lama. "Falta arrumar muita coisa aqui", diz Miriam.

Embora Ponta Porã também tenha partes mais pobres, o contraste social é visível quando se atravessa a fronteira, o que significa, na prática, apenas cruzar uma rua.

Logo se vê carros de luxo trafegando em meio a ruas largas e arborizadas. Ao sair do centro, é comum encontrar ruas com diversas mansões, onde moram empresários do agronegócio.

Produtora de soja e milho, como várias cidades do Mato Grosso do Sul, Ponta Porã está entre as cidades mais ricas do agronegócio nacional.

A diferença econômica para a cidade vizinha, porém, não impede de que haja impacto por conta do crime, incluindo do ponto de vista financeiro.

"Tudo o que acontece em Pedro Juan Caballero tem um efeito colateral em Ponta Porã porque aqueles que estão envolvidos no crime migram para cá. Porque o cerco fecha do outro lado, e a fronteira é seca", diz o secretário municipal de Segurança Pública de Ponta Porã, Marcelino Nunes. Segundo ele, o mesmo se dá quando os crimes ocorrem em Pedro Juan Caballero.

Nunes diz que a cidade faz o que pode para contribuir com a segurança, seja tendo uma guarda-civil bem armada com 70 homens, que na prática faz o papel de polícia ostensiva, seja na instalação de um sistema de câmeras que já ajudou a prender diversos traficantes.

Desde o ano passado, a guarda apreendeu em torno de quatro toneladas de drogas, principalmente relacionadas ao chamado tráfico formiguinha, feito por mulas que utilizam o terminal rodoviário. Os agentes aprenderam a identificar possíveis criminosos.

"Tem o perfil que a gente chama aqui de 'dar o pulo'. Eles embarcam as suas bagagens e ficam esperando até a última hora do ônibus sair. Quando vai sair, eles dão o pulo [para dentro do ônibus]", diz.

Os grandes traficantes, no entanto, muitas vezes utilizam aviões e veículos para levar grandes quantidades de drogas.

Nunes afirma que há uma integração informal entre as polícias de ambos os lados, mas que falta algo oficial para estruturar medidas conjuntas. Além disso, ele defende uma presença de maior contingente da Polícia Federal e um sistema de monitoramento por câmeras para uma espécie de "muralha digital".

"Nós não plantamos maconha, não refinamos cocaína. Infelizmente, nós somos corredor", diz o secretário.

A chacina de quatro pessoas, incluindo três estudantes aparentemente sem qualquer ligação com o crime, duas delas brasileiras, aumentou a sensação de insegurança entre a população. Isso porque o crime mexeu com a crença comum de que só morrem pessoas ligadas aos criminosos.

Embora não vivam um grande aumento neste ano, as estatísticas de homicídios mostram que o problema já era grave antes mesmo da nova onda de mortes.

Com uma população de 94 mil habitantes, Ponta Porã teve 49 homicídios em 2020. A taxa de homicídios por 100 mil habitantes da cidade de São Paulo é de 5,51.

Os governos brasileiro e paraguaio reforçaram recentemente o policiamento ostensivo em Ponta Porã e Pedro Juan Caballero e, assim, esperam que os índices de violência melhorem. Além disso, haverá uma força-tarefa com operações conjuntas, bloqueios e compartilhamento de informações.

O Ministério da Justiça do Paraguai ainda anunciou que vai transferir todos os presos relacionados a facções do presídio de Pedro Juan Caballero, uma aposta para evitar a concentração de tantos criminosos perigosos por ali, sendo muitos deles do PCC.

Em Pedro Juan Caballero e Ponta Porã, a facção predomina desde a morte, em 2016, do antigo "rei da fronteira", Jorge Rafaat.

Vários suspeitos de liderarem a atuação do PCC no Paraguai foram presos nos últimos anos. Em março, Weslley Neres Dos Santos, vulgo Bebezão, foi preso no Paraguai. Ele era tido como substituto de outro criminoso, Giovanni Barbosa da Silva, o Bonitão, também preso.

Para o comissário da Polícia Nacional do Paraguai Carlos Lopez, a presença da facção brasileira acaba influenciando também os paraguaios atraídos para suas fileiras.

"O PCC está instalado na fronteira. É inegável. E os criminosos querem ser do PCC, não sabem o que significa muitas vezes. Nas prisões paraguaias, querem ser do PCC porque isso lhes dá um status como criminosos", diz.

ONDA DE VIOLÊNCIA NA FRONTEIRA

Agosto de 2016 - O traficante Jorge Rafaat Toumani, 56, é morto a tiros, no centro de Pedro Juan Caballero, cidade paraguaia onde morava, em execução planejada pelo PCC. Um traficante que abastecia o PCC e Comando Vermelho, Jarvis Chimenes Pavão, tomou o controle da região

Abril de 2017 - Criminosos invadiram a sede da transportadora de valores Prosegur em Ciudad del Este, próxima à fronteira com o Brasil, e roubaram cerca de US$ 40 milhões. Crime foi atribuído ao PCC

Dezembro de 2017 - O narcotraficante brasileiro Jarvis Chimenes Pavão, 49, foi extraditado do Paraguai para cumprir pena de 17 e nove meses no Brasil

Julho de 2018 - O brasileiro Eduardo Aparecido de Almeida, 39, considerado o chefe regional do PCC, no Paraguai e Bolívia, é preso em Assunção, capital paraguaia

Novembro de 2018 - O Paraguai expulsa do país o traficante Marcelo Piloto, apontado como um dos líderes do CV, e o também traficante Rovilho Alekis Barboza, conhecido como Bilão, e integrante da facção criminosa PCC

Fevereiro de 2019 - Considerado pelas autoridades policiais como o chefe do PCC na fronteira do Brasil com o Paraguai, Sérgio de Arruda Quintiliano Neto, conhecido como Minotauro é preso pela Polícia Federal em Balneário Camboriú (SC)

Abril de 2019 - A Polícia Federal apreendeu cerca de meia tonelada de cocaína no momento em que um helicóptero, que transportava a droga, havia pousado para reabastecer na zona rural de Presidente Prudente (558 km de SP). A organização criminosa que usava o helicóptero buscava a droga no Paraguai

Dezembro de 2019 - Sob o argumento de que há "níveis críticos de violência" e ações da facção criminosa PCC na região, o Ministério Público Federal decidiu fechar o seu prédio em Ponta Porã (MS), na fronteira do Brasil com o Paraguai, e transferir suas atividades para a cidade de Dourados (MS), a 120 km de distância

Janeiro de 2020 - Setenta e cinco presos, a maioria membros do PCC fugiram de uma prisão em Pedro Juan Caballero, no Paraguai

27.set.21 - Carlos Limar de Souza Lima é encontrado decapitado em Pedro Juan Caballero, cidade paraguaia. Ele é o 4º brasileiro morto na região em três dias

8.out.21 - O vereador de Ponta Porã (MS), Farid Afif (DEM), foi assassinado a tiros na cidade enquanto andava de bicicleta

9.out. 21 - Ataque com mais de cem tiros mata quatro pessoas em Pedro Juan Caballero. Entre as vítimas, duas brasileiras estudantes de medicina e a filha do governador de Amambay. A polícia suspeita que o alvo era o paraguaio Osmar Vicente Álvarez Grance

11.out.21 - Polícia paraguaia prende seis brasileiros suspeitos de participarem da chacina na fronteira

12.out.21 - O policial paraguaio Pastor Miltos Duarte foi morto a tiros próximo a Capitán Bado, no país vizinho