SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Um grupo de moradores do bairro Vila São Francisco, região com casarões e condomínios de alto padrão de Osasco, na Grande São Paulo, se uniu para interromper a supressão de um conjunto de quase duas centenas de árvores em uma das poucas áreas verdes mantidas na cidade, em propriedade particular.

Os cortes haviam sido autorizados pela prefeitura e estavam sendo praticados pela construtora Ekko na semana passada.

Após pressão da vizinhança e reuniões com a companhia, o Ministério Público recomendou a suspensão dos cortes para analisar se há irregularidade ou algum conflito com interesse público.

Trinta árvores chegaram a ser cortadas nesse meio tempo --a autorização foi dada em fevereiro. A área tem mais de 380 mil m² e junta diversos lotes, incluindo o terreno de um campo de golfe comprado pela construtora paulista, o São Francisco Golf Club, criado nos anos 1930 por iniciativa da família Matarazzo.

A autorização para a supressão das árvores se refere apenas à área do Golf Club São Francisco, de propriedade particular e onde há um projeto para construção de um estande de vendas.

Procurada, a Ekko Group informou que as ações de cortes relacionadas à construção do estande de vendas do empreendimento Reserva Golf ocorreram de acordo com alvará concedido pela prefeitura, sob aprovação dos órgãos responsáveis, seguindo a legislação vigente.

Os moradores do bairro, porém, querem contestar o próprio conteúdo do alvará.

"Nossa principal ponderação é que a mata é um bem público, não apenas particular, e a função social desta propriedade é de proteção ambiental. Começar o empreendimento pela mata ao invés de começar na grama nos parece um abuso do direito de propriedade a ser analisado pelas autoridades", diz a advogada Lavinia Junqueira, moradora da região e uma das representantes do movimento que se organizou contra o desmate.

Segundo a Prefeitura de Osasco, a construtora Ekko deu entrada nos processos de autorizações para a construção dos empreendimentos e posteriormente pediu a supressão das árvores necessárias. Os moradores também exigem a aprovação da Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo), órgão que fiscaliza, entre outros dados, a qualidade do ar.

No maciço florestal, segundo contagem da própria Prefeitura de Osasco, há 769 árvores, sendo 457 nativas, 269 exóticas e 43 mortas. Dessas, foi autorizada a supressão de 60 árvores nativas, 126 árvores exóticas e 7 mortas.

Para o total dessas 193 árvores que poderiam ser removidas, ficou estabelecida a compensação ambiental com a plantação de 2.722 mudas no mesmo perímetro.

"Destacamos que nesta área a possibilidade de utilização do solo é de 15% do terreno para a construção", diz a Prefeitura de Osasco, por meio de sua assessoria de imprensa. "Para a construção priorizou-se a utilização das bordas da área, onde as árvores existentes são, na maioria, eucaliptos e pinus".

Além do campo de golfe, o perímetro previsto do condomínio engloba uma escola, um restaurante e um hotel. É uma área que contrasta com partes mais pobres da vizinhança, remanescente de favelas que, com a chegada de infraestrutura, foram afastadas da região. Favelas foram removidas naquela região em ações promovidas pelo Estado, antes dos primeiros grandes condomínios surgirem, há pouco mais de uma década.

Com problema similar a outros municípios do Grande ABC, Osasco tem hoje 2,6 m² de área verde por habitante, contra os 12 m² por habitante que são recomendados para cidades pela OMS (Organização Mundial da Saúde).

Quem se afasta menos de um quilômetro do bolsão de área verde daqueles terrenos pode notar que a cidade vai ganhando contornos áridos e que os grandes condomínios se beneficiam de uma qualidade de vida que vizinhos mais pobres não têm.

Por se tratar de uma disputa de área verde em terreno que é particular, o caso se assemelha ao da criação do parque Augusta, aberto na capital paulista no ano passado, após uma década de conflitos.

Segundo o Ministério Público de São Paulo, a interferência do órgão atendeu a uma solicitação dos moradores, e a Ekko concordou em reduzir os cortes para 70 unidades, cessando o processo "até que seja apresentada a classificação das espécies presentes no local".

O Ministério Público também informou que tramita na Promotoria de Justiça inquérito civil destinado a acompanhar e fiscalizar a obra do Golf Club São Francisco.

A construtora Ekko já havia sido motivo de protestos de moradores de Osasco em ocasiões anteriores, nos últimos cinco anos. Houve reclamações sobre a construção de um condomínio chamado The House e de edifícios que vendiam o privilégio de ter vista para a mata do clube de golfe, agora ameaçada.

Entre as reclamações, apontou-se que a construtora havia deixado, no condomínio The House, apenas um metro de calçada em uma das vias que margeiam o terreno do condomínio.

Antes da derrubada das 30 árvores no início deste ano, o número de registros de supressão arbórea naquele bairro pela Prefeitura de Osasco era de uma (em 2017), duas (2018), oito (2019), três (2020) e quatro (em 2021). Assim, a soma dos cinco anos representa 45% do que já foi derrubado no início deste ano.

"Considerando sempre a premissa de diálogo com a comunidade local, a construtora Ekko Group ressalta que, mesmo tendo autorização para o corte de 193 árvores, reduziu essa quantidade para um total de 70 unidades. Novas ações somente ocorrerão após assinatura de Termo de Ajuste de Conduta com a Prefeitura e o Ministério Público e será acompanhado pelas autoridades locais", diz nota da empresa.

Sobre as reclamações em relação ao empreendimento The House, a Ekko Group diz tratar-se de "uma construção totalmente regular, com projeto aprovado pelos órgãos competentes".