HASSLOCH, ALEMANHA (FOLHAPRESS) - Em janeiro deste ano, Amir Laschet não era o mais cotado para liderar a União Democrata Cristã (CDU), partido da primeira-ministra Angela Merkel. Mas foi eleito, por 521 votos contra 466.

Em abril, ele não era o preferido para a candidatura a primeiro-ministro da União - a CDU e seu partido irmão na Baviera, a CSU. Mas saiu da convenção como o nome da sigla.

Na campanha, seu partido conservador de centro-direita sofreu dois baques: caiu abaixo dos Verdes no começo de maio, recuperou-se, mas voltou a ser ultrapassado pelos social-democratas em agosto.

A União despencou para abaixo dos 20%, chegando a seu menor nível desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Não era, portanto, a favorita nas eleições deste domingo.

Como nas outras vezes, Laschet surpreendeu. Saiu de uma distância de quatro pontos atrás no começo de setembro para, três semanas depois, aparecer como virtualmente empatado com o primeiro colocado, o social-democrata Olaf Scholz. Na boca de urna deste domingo (26), a pesquisa da rede ZDF dava 26% para o SPD e 24% para a União; a da ARD apontava 25% a 25%.

"Uma coisa que isso mostra é que ele é claramente capaz de corrigir erros", diz a cientista política Ursula Münch, diretora da Academia de Educação Política em Tutzing.

Atual governador do mais populoso estado alemão, a Renânia do Norte-Vestfália, Laschet começou sua carreira política em 1979, aos 18 anos, na Câmara Municipal de sua cidade natal. Filho de um funcionário de minas de carvão de origem belga, ele nasceu em Aachen, que faz fronteira com territórios belgas e holandeses, no oeste da Alemanha.

Falando de seu apoio à União Europeia, ele gosta de dizer que, para quem vem de sua cidade, "Paris está mais perto que Berlim em termos de distância".

Ainda que o alemão fosse a língua usada em sua casa, Laschet fala francês fluentemente e mantém laços com a ala da família que continua na Bélgica.

Sua vida pessoal e profissional está ligada à Igreja Católica, religião seguida por seus familiares. Integrou uma fraternidade católica na universidade de direito, trabalhou em jornais ligados à igreja após estudar jornalismo, ingressou em um partido cristão onde os católicos são predominantes.

"Não uso os versículos da Bíblia nos meus discursos, mas para mim continua a ser um grande ensinamento" é uma frase que costuma repetir.

Foi em escolas católicas que estudou, e casou-se aos 24 anos com a francesa Susanne Malangré, livreira. Os dois se conheceram quando crianças, em um coro infantil da igreja que frequentavam.

Seu sogro era o principal executivo da editora católica Einhard-Verlag, cargo que ele também ocupou entre 1995 e 1999. O casal tem uma filha e dois filhos ---um deles, Joe Laschet, é um blogueiro de moda que defende o estilo "clássico como um cavalheiro".

Nas universidades de Bonn e Munique estudou direito e, em seguida, jornalismo, profissão que exerceu mesmo quando já era deputado federal, até 1999. Gosta de música clássica e pintura, e seus autores preferidos são o poeta alemão Heinrich Heine (1797-1856), "o último romântico", e o escritor e pintor Hermann Hesse (1877-1962).

Foi eleito em 1999 para o Parlamento Europeu, onde transitava com facilidade entre colegas de outras nações e culturas, segundo colegas de partido. A passagem deixou uma impressão de um político agregador.

Em 2005, voltou para a Renânia do Norte-Vestfália, o mais populoso estado alemão (18 milhões de habitantes), do qual faz parte a cidade em que nasceu e onde mora ainda.

Tornou-se ministro estadual (equivalente a secretário) em duas áreas - Gerações, Família, Mulheres e Integração e Assuntos Federais, Europa e Mídia -, liderou a CDU a partir de 2012 e, em 2017, foi eleito governador, em coligação com o partido liberal FDP, à direita.

Assumiu a proteção da indústria como prioridade de um estado que já liderou a produção de carvão na Europa e prosperou na siderurgia, mas empobreceu muito desde os anos 1980.

Dos principais candidatos a primeiro-ministro nesta eleição, Laschet foi o único a recusar a ideia de antecipar o fim do uso do carvão para produção de energia, hoje previsto para 2038.

Sua gestão da pandemia - que na Alemanha é competência estadual - foi mal avaliada pela população, e durante a campanha eleitoral vários tropeços ajudaram a derrubar as intenções de voto da União.

Laschet criticou, por exemplo, a abertura da Alemanha a cerca de 1 milhão de refugiados em 2015, medida tomada por Merkel e apoiada por ele na ocasião ---desde os anos 2000 o político tem bons laços com a grande comunidade de imigrantes turcos e seus descendentes.

Quando inundações destruíram cidades em seu estado, em julho, Laschet demorou para perceber a necessidade de formar uma força-tarefa e viajou para o sul da Alemanha para fazer campanha eleitoral.

Para completar o desastre, foi filmado rindo em cerimônia de homenagem às vítimas da tragédia, vídeo que correu a internet. Ele pediu desculpas, mas sua popularidade só começou a ser reerguida depois que uma relutante Merkel entrou na campanha, nas semanas finais.

Em junho, durante a conferência do German Marshall Fund em Bruxelas, Laschet se descreveu como uma mistura da "sobriedade" de Merkel com a "paixão" do presidente francês Emmanuel Macron por mais integração europeia.

Sua expressão sempre sorridente --até quando esteve sob ataque dos rivais nos debates de TV -, na qual os olhos se apertam atrás de lentes quadradas e as bochechas rosadas se elevam, lembra pouco o estilo mais impassível ou até carrancudo de Merkel. Com 1,72 metro de altura e um pouco acima do peso, Laschet é muitas vezes descrito como "avuncular".

Para cientistas políticos, o eleitorado alemão pode até gostar de sua personalidade amável, mas não vê no governador renano o perfil de um líder capaz de tomar decisões difíceis e implementá-las.

Com o crescimento das chances eleitorais do moderado social-democrata Olaf Scholz, Laschet se deslocou para a direita da centro-direita na campanha.

Defende o corte de impostos para empresas, o limite no endividamento estatal e a menor papel do Estado na economia, uma abordagem mais branda em relação à China --maior parceiro comercial da Alemanha-- e o controverso gasoduto Nord Stream 2, que elevará a chegada de gás russo ao país.

Segundo correligionários, Laschet é considerado um homem de trabalho em equipe. Em seu discurso no congresso que o elegeu como líder da CDU, ele mostrou a placa de metal que seu pai usava como mineiro e repetiu uma ideia muito ouvida no vale do Ruhr: "Lá embaixo, a mil metros de profundidade, aprende-se que para viver é fundamental confiar nos outros".

A prática de evitar ser a estrela do show e compartilhar os holofotes com seus assistentes lhe rende lealdade em troca, o que pode ter lhe ajudado a recuperar votos na reta final da campanha.

Nas palavras do documentarista e jornalista político Mattis Feldhoff, ele parece se guiar por um ditado renano, "Et hätt noch immer jot jejange". Algo como "No final, deu tudo certo".