Conheça o segredo de Fernão, única cidade de São Paulo sem morte por Covid
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sexta-feira, 25 de junho de 2021
MARCELO TOLEDO
RIBEIRÃO PRETO, SP (FOLHAPRESS) - Ela é uma das dez cidades menos populosas de São Paulo, com baixa urbanização e ruas vazias. Como outras do tipo, não tem hospital, e seus pacientes, quando necessário, precisam ser levados de ambulância para municípios vizinhos.
Fernão, com 1.727 habitantes, única localidade entre as 645 do estado que não registrou morte até esta quinta-feira (24) em decorrência da Covid-19, aposta na atenção primária à saúde e na proximidade com os moradores para combater a pandemia que já matou mais de 500 mil brasileiros.
Visitas de agentes comunitários e utilização de carro de som para orientar a população, monitoramento dos casos e busca ativa das pessoas próximas aos contaminados são algumas das medidas colocadas em prática na cidade da região administrativa de Marília.
Pacata, a cidade praticamente não tem movimentação em suas ruas, avenidas e praças, que estavam vazias nesta quinta. Em frente à igreja, uma faixa pedia para as pessoas utilizarem máscaras ao sair às ruas. Mas elas, as pessoas, são poucas.
Pudera: seu grau de urbanização é de apenas 61,2%, muito inferior aos 96,5% de média do estado, segundo dados da fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados). São 16,4 habitantes por quilômetro quadrado, menos de 10% dos 179,8 habitantes da densidade demográfica média paulista.
Apesar disso, desde o início da pandemia, 207 moradores, ou 11,98% da população, foram diagnosticados com a Covid-19 e há dois pacientes internados em UTI (Unidade de Terapia Intensiva) em cidade vizinha, já que Fernão não tem nenhum leito do tipo.
"Fazendo a busca ativa dos contactantes a gente consegue ter diagnóstico mais rápido e colocar as pessoas em quarentena para não disseminar o vírus", disse a secretária da Saúde de Fernão, Adriana Pettenuci da Fonseca Santos.
Na última semana, um aumento repentino de casos gerou preocupação: foram quatro positivados numa igreja. "Para a gente, que tem população pequena, é bastante", disse.
Na única unidade de saúde da cidade, que funciona das 7h às 17h e tem em sua entrada um cartaz alertando que é crime sair de casa se estiver com a Covid-19, uma agente faz o acompanhamento das fichas dos moradores, para telefonar para eles informando sobre a vacinação contra a doença, enquanto outra cuida do acompanhamento pós-Covid-19.
Ela liga para as pessoas para saber se há sintomas ou possíveis sequelas e indicar o especialista ideal para o caso de necessidades, como nutricionista ou fisioterapeuta.
Como a unidade fecha cedo e não há recursos para ampliação do horário, tampouco para a instalação de um leito de UTI, uma ambulância fica de plantão no local para atendimentos fora do horário.
"O munícipe toca a campainha do posto e o guarda aciona o pessoal da saúde, que faz o encaminhamento", disse o motorista Valdecides de Oliveira, 49.
A primeira alternativa é levar o paciente para ser atendido em Gália, de 6.482 moradores, que fica distante apenas nove quilômetros. Jácasos de média e alta complexidade têm como destino o HC (Hospital das Clínicas) de Marília.
É em Gália também onde normalmente são realizados os enterros de moradores de Fernão, já que a cidade não tem cemitério.
No último dia 18, foi publicado um novo decreto do prefeito José Valentim Fodra (DEM), que inclui toque de recolher a partir das 20h, o veto ao consumo de bebidas alcoólicas em espaços públicos 24 horas por dia e novas medidas para o comércio, que abriga 15,8% dos empregos formais da cidade, atrás da administração pública (50,8%) e da agricultura (25,5%) --onde se destacam laranja, café e mandioca.
Agente de endemias, Vanessa Martins levou nesta quinta as alterações na legislação a um supermercado local e foi recebida por João Vieira, 27, irmão da proprietária.
"Essas ações são necessárias, essenciais, para que todo mundo possa relembrar, não esquecer, que ainda estamos na pandemia. Vejo que o atendimento é para pessoas, vidas, não são só números", disse Vieira.
A secretária da Saúde defende a adoção de medidas regionais como forma de combate. Foi o que ocorreu na última semana. "Um município pequeno tomar medidas mais rígidas sozinho não reflete muito. De forma coletiva a chance de sucesso é maior."
Embora a contagem oficial de casos do governo paulista ainda indique que São João do Pau d'Alho também não tem óbitos em decorrência da doença, a cidade já contabiliza em seus boletins uma morte ligada à Covid-19.
Entre os motivos para que essa discrepância ocorra está um possível atraso entre o registro dos casos nos municípios e o envio para inclusão nas estatísticas do governo estadual. Segundo o estado, a cidade computa 149 casos, mas as estatísticas municipais já registram 181.
A penúltima cidade a figurar na lista das que não tinham morte confirmada por Covid-19 foi Sagres, na região de Presidente Prudente, após o óbito de um homem de 53 anos, sem comorbidades, no último dia 16.
Assim como Fernão, o trabalho desenvolvido na cidade visa a aproximação dos profissionais de saúde com a população, para que a abordagem seja mais eficaz.
"Cada setor já conhece seu idoso, a pessoa que tem comorbidade, quem está acamado. Isso ajuda muito. Além disso, a fiscalização tem funcionado", afirmou a secretária da Saúde, Cícera Sueli de Oliveira Del Compare.
A cidade acumula 231 casos da doença e não tem nenhum paciente hospitalizado. Os 12 casos registrados na última semana, porém, acenderam sinal de alerta na cidade, que tem apenas uma unidade básica de saúde --e que funciona apenas durante o dia. A alta é atribuída à movimentação registrada no Dia das Mães.
"Depois, fizemos barreiras para que as pessoas não venham passear, não é momento para isso, e houve respeito. As pessoas têm percebido, de uns dois meses para cá, que é de fato muito séria a doença e que é preciso esperar."
Com esse mesmo pensamento, Renato de Amorim Steimmann, 47, foi à unidade de saúde de Fernão nesta quinta-feira para ser vacinado.
"Muito feliz por ter recebido a vacina porque convivo com meus pais, que são idosos. Fico com receio de contaminá-los. Agora já tira um pouco o medo, mas é importante continuar com os cuidados", disse.

